Macro de grande, skopein de observar: observar o infinitamente grande e complexo. Tentar perceber por que razão a ave vive fascinada pela serpente que a paralisa e, afinal, faz dela a sua presa.
sábado
Em busca da eternidade em directo de Gouveia - ao encontro de Vergílio Ferreira -
Directo da cidade de Gouveia, ao encontro de Vergílio Ferreira.
- Uma excelente cobertura da TSF, aqui
- Programa do Centenário do nascimento de Vergílio Ferreira
- Helder Godinho (investigador)
- Francisco José Viegas
- Alípio de Melo
- José Gameiro (psiquiatra e ex-aluno de VF)
- Eduardo Pereira (improvável entrevista com VF)
"Uma hora majestosa" no silêncio das serranias...
A obra de Vergílio Ferreira, que escrevia para tornar visível o mistério das coisas, é uma história de amor, porque é a busca duma face para além das faces; a busca dum amor, além dos amores; a busca da verdade, além das verdades...
Nota prévia: Vergílio Ferreira não se evoca "sazonalmente", acompanha-nos diariamente, como o ar que respiramos, revelando-se a nossa 2ª pele.
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Há uma ordem que não tem nome, porque ela é anterior a si e se funda no incognoscível. Repousa nela. Dormir nela. E achar no seu impensável o impensável de nós, a dissipação de nós que aí se consuma pela vertigem do sem-fim e do silêncio..."
VF,in CC, Dez. 1992.
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- Qualquer um de nós podia ter avistado Vergílio Ferreira, na Praia Grande, em Colares. Sentado na areia, um pouco distante dos familiares que o acompanhavam, fumando um cigarro, de olhos pregados no mar e cogitando o impensável. Aquele rosto duro, severo, com uma fixa concentração, quase intimidatório podia bem evocar um quadro do séc. XV, talvez o autor do Elogio da Loucura...
- Todavia, o traço que aqui sublinho no temperamento e comportamento público do escritor-pensador é a aparente contradição em que ele navega. Por um lado, poucos como Vergílio Ferreira se confessaram tanto e tão profundamente, seja nas suas entrevistas, nos vários volumes da sua diarística (Conta-Corrente), na sua ficção, nos seus imensos romances...
- Mas talvez tenha sido na ficção o "universo" em que foi mais genuíno, e foi nessa mesma ficção que, protegido pelo biombo protector que o permitiu ocultar, que melhor podemos compreender a "doença" de que, afinal, sofria: de sensibilidade e sentimento, que frequentemente transformou, de modo justificado ou injustificado, em agressividade.
- E é aqui que se estabelece o contraste no perfil seco, árido e taciturno do escritor envolto numa aparência fria, por vezes a roçar a arrogância, mas que, afinal, escondia uma imensa afectividade, como a dor que transparecia dos personagens nos seus romances.
Ou mentiu a Bruxelas. Ou mentiu aos portugueses - por Nicolau Santos -
Nota prévia: Nicolau Santos conhece bem a estrutura mental daquele que desgovernou Portugal durante 4 longos anos, mais pareceu uma eternidade no inferno da qual hoje estamos a tentar recuperar.
A assinalar o dia do centenário, na quinta-feira, a Quetzal, do grupo Porto Editora, lança na Biblioteca Municipal Vergílio Ferreira, em Gouveia, terra natal do escritor, reedições de dois romances há muito esgotados: O Caminho Fica Longe (1943), seu livro de estreia, e Rápida, a Sombra (1964). Do primeiro será ainda apresentada uma edição crítico-genética em e-book, organizada por Ana Isabel Turíbio e prefaciada por Helder Godinho, membros da equipa que tem vindo a trabalhar o gigantesco espólio do autor conservado na Biblioteca Nacional (BN). Na mesma sessão, adianta o editor Francisco José Viegas, a Quetzal lançará uma edição digital reunindo os cinco volumes de ensaiosEspaço do Invisível.
As comemorações em Gouveia incluem ainda, no dia 29, a reposição do busto de Vergílio Ferreira na Praça de São Pedro, o lançamento de um selo evocativo do centenário e a inauguração, no Museu Municipal de Arte Moderna Abel Manta, da exposição Vergílio Ferreira: Os caminhos da escrita ou o fascínio da arte, organizada com a colaboração da Biblioteca Nacional.
Para o final da Primavera, Viegas prevê reeditar o romance Cântico Final (1960) e o ensaio Sobre o Humorismo de Eça de Queirós (1943), este último apenas em e-book. E quer fechar o ano com a reedição do segundo romance do autor, Onde Tudo Foi Morrendo (1944), cuja edição crítica está também a ser preparada pela equipa do espólio, à qual se deve já a publicação de várias obras que Vergílio Ferreira deixara na gaveta, como um Diário Inédito dos anos 40, um romance de 1947, A Promessa, e a primeira novela que escreveu, em 1938: A Curva de Uma Vida.
O objectivo “é procurar que toda a obra esteja disponível”, diz o editor, que já fez acordos com as livrarias Bertrand e Fnac para tentar assegurar que, pelo menos ao longo de 2016, terão nas estantes todos os livros de Vergílio Ferreira. E não são poucos: 19 romances, vários livros de contos, uma dúzia de obras ensaísticas, o diário Conta-Corrente, cujas duas séries somam nove volumes, e alguns livros de catalogação menos óbvia, como Pensar (1992) ou o póstumo Escrever (2001).
Para Sempre é a obra-prima
Enquanto ficcionista, Vergílio Ferreira estreou-se com romances ainda enquadrados num neo-realismo então dominante na ficção portuguesa, mas a partir do início dos anos 50 rompe com essa sua primeira família, e obras como Manhã Submersa (1954), adaptada ao cinema por Lauro António, ou Aparição (1959) assumem já uma perspectiva existencialista, bebida em Dostoievski, Sartre ou Malraux — o próprio Vergílio Ferreira dizia que Eça de Queirós o ensinou a escrever e o autor de A Condição Humana o ensinou a pensar —, mas também em filósofos como Karl Jaspers ou Martin Heidegger.
Se os seus romances de ideias — com personagens que discutem a missão da arte, a função do intelectual ou as grandes questões com que se debate uma condição humana desapossada de Deus — o tornam um caso à parte na ficção portuguesa, é ainda mais invulgar o modo como essa dimensão reflexiva, pensante, se cruza com uma escrita de forte dimensão poética. Helder Godinho acha que é essa “prosa ao mesmo tempo lírica e filosófica, difícil de se encontrar num escritor”, que torna Vergílio Ferreira “um caso único no panorama português”. E Jorge Costa Lopes, autor de vários estudos sobre o escritor, embora reconhecendo a originalidade da dimensão reflexiva da sua ficção, que “interroga um destino sem Deus e as crises que se abriram na condição humana por vivermos numa sociedade agnóstica”, tende, ainda assim, a privilegiar o outro termo da simbiose de que fala Godinho, considerando que “a essência” desta escrita está na sua dimensão “emotiva e poética”, que compara a “uma música que nos emociona e nos faz ficar em pele de galinha”.
Para Jorge Lopes, que recebeu uma bolsa da Gulbenkian para preparar uma tese de doutoramento centrada na abundante marginalia que o romancista deixou nos milhares de volumes da sua biblioteca, conservada na Biblioteca de Gouveia, a obra que mais exemplarmente ilustra essa espessura lírica da ficção vergiliana é Para Sempre (1983). “Aquilo é, quase linha a linha, prosa poética”, diz, acrescentando que o livro confirma a “circularidade” do percurso literário de Vergílio Ferreira. “No seu primeiro romance há uma personagem, Luísa, que depois vai recuperar na Sandra de Para Sempre e noutras que se vão desdobrando nessa Sandra, a Mónica de Em Nome da Terra ou a Bárbara de Na Tua Face”. E não é por acaso, argumenta, que Para Sempre volta a Coimbra, que é também o cenário de O Caminho Mora Longe, onde se introduz essa rapariga que depois atravessará a sua obra sob vários nomes.
Também Francisco José Viegas acha que Para Sempre é “o mais canónico de todos os livros” de Vergílio Ferreira. E num artigo escrito para a Colóquio Letras em 1986, o lusitanista Georg Rudolf Lind, criticando embora romances como Nítido Nulo (1971) ou Rápida, a Sombra (1974), já considerava Para Sempre “uma verdadeira obra-prima” e “nem mais nem menos do que uma soma da arte narrativa do escritor”.
O próprio Vergílio Ferreira tinha um fraco por Alegria Breve (1965), e Helder Godinho acha que Estrela Polar (1962) “é um grande livro, e um dos mais importantes para dar a conhecer o universo de significação” do seu autor. Já Jorge Lopes confessa um particular apreço por Nítido Nulo. Ao contrário de Lind, que critica neste romance a trama “inacreditável” e personagens que são “meros portadores de ideias”, Lopes vê nele a entrada em cena, na obra de Vergílio Ferreira, “da sátira, do cómico, da ironia, do humor negro”. E está convencido de que o romanceé em parte uma resposta ao estruturalismo e à “morte do autor” sentenciada por autores como Roland Barthes ou Michel Foucault. “Para ele, isso era inconcebível, e em Nítido Nulo chega a pôr o narrador a dialogar com o autor”, diz o ensaísta, que também gosta, por razões bastante semelhantes, e novamente em desacordo com Lind, de Signo Sinal (1979), cuja “descrição carnavalesca da festa do PREC” lhe lembra o cinema de Fellini.
A propósito desses anos 70 que vê como um período de “impasse” na obra do romancista, Lind diz que “é de lamentar que o suave desprezo dos intelectuais portugueses pelos grandes autores latino-americanos o tenha impedido de se inspirar na força criadora dum García Márquez, dum Vargas Llosa ou dum Guimarães Rosa”. As descobertas que Jorge Lopes vem fazendo nas muito anotadas margens dos livros da biblioteca de Vergílio Ferreira sugerem que, no que toca ao colombiano, Lind é capaz de ter acertado na mouche. No seu exemplar de Amor em Tempos de Cólera, o escritor ajuiza: “O esquema é o d’A Educação Sentimental de Flaubert, mas com remate positivo”. E acrescenta o desabafo: “Folhetinesco, piroso, arbitrário, inverosímil”.
O gosto da polémica
Para se surpreender as admirações e aversões mais espontâneas do autor, a sua biblioteca é preciosa. Os livros mais profusamente anotados e sublinhados são por regra os de Filosofia, dos clássicos gregos, passando por Espinosa ou Pascal, até Hegel, Husserl ou Heidegger. Nos livros de romancistas os comentários são menos frequentes, explica Jorge Lopes, mas há excepções, e a mais óbvia é Clarice Lispector. "Provocou uma empatia quase única em Vergílio Ferreira, que não tem o hábito de elogiar confrades de escrita, mas para ela tem sempre uma palavra de deslumbramento”. Outra excepção, mas negativa, é uma obra hoje muito prezada pela crítica, Nome de Guerra, de Almada Negreiros: “Faz logo uma crítica na folha de rosto a dizer que não gosta nada daquilo”.
Vergílio Ferreira nem sempre acertava no alvo, e às vezes até acabava por reconhecê-lo, como aconteceu quando entrou numa conspiração com Luís Albuquerque e Mário Sacramento, no início dos anos 50, para tentar travar a crescente consagração de Fernando Pessoa. Escreveu um texto para a Vértice que mereceria uma réplica aguerrida de Adolfo Casais Monteiro. Vergílio Ferreira chega a redigir uma extensa e violenta resposta, mas acaba por não a publicar. “O meu combate era injusto e amochei”, admitirá mais tarde no diário.
Pouco depois envolver-se-á noutra polémica com um cónego de Évora, que lhe criticara Manhã Submersa, ainda hoje provavelmente o seu romance mais lido, com cerca de 30 edições, popularidade para a qual decerto contribuiu o filme de Lauro António, no qual Vergílio Ferreira interpreta o reitor do seminário. No seu já referido artigo de 1986, Lind detecta como “ponto fraco” da obra “a falta de um único verdadeiro cristão entre os habitantes do seminário”, instituição que o autor descreve a partir das suas próprias memórias do Seminário Menor do Fundão, onde esteve seis anos, dos dez aos 16. Lind não tinha meio de o saber, mas a sua reserva já fora formulada e extensamente argumentada por Eduardo Lourenço em 1955, na primeira carta que este enviou ao seu futuro amigo Vergílio Ferreira, divulgada agora no Jornal de Letras. “Já viu a minha lata em mandar-lhe, não digo uma crítica, mas uma leitura do livro? Eu não o conhecia”, diz o ensaísta ao PÚBLICO. E observa, divertido, que o autor de Manhã Submersa descreve a condição de padre “como uma experiência absolutamente negativa”, mas “quando mais tarde se faz o filme, quem vai envergar as vestes do bispo é ele”.
Outra célebre polémica de Vergílio Ferreira foi travada em 1963 com o então neo-realista Alexandre Pinheiro Torres, que aproveitou a sua recensão a Rumor Branco, de Almeida Faria, para zurzir no prefaciador do romance, enviando-lhe algumas farpas divertidas, como a de censurar o facto de emEstrela Polar, passado em Penalva (na verdade, a Guarda), todas as personagens se entregarem às mais sofisticadas reflexões: “Toda a gente filosofa em Penalva, transformada em cave existencialista da serra da Estrela”. Vergílio Ferreira responde à letra, mas acaba por encerrar o debate com um texto em que se mostra consciente de que ele e o seu adversário são apenas os instrumentos ocasionais de uma discussão que vem de trás e os ultrapassa: a polémica em torno do neo-realismo. É um pouco o que voltará a acontecer em 1968, quando trava um duro debate com Eduardo Prado Coelho, defendendo o existencialismo contra o estruturalismo que este professava.
Um continuador improvável
Se a obra literária de Vergílio Ferreira continua hoje a suscitar diferentes leituras, o que parece reunir consenso é a ideia de que não teve nem precursores óbvios nem verdadeiros continuadores na ficção portuguesa, não obstante a sua confessada admiração por Eça de Queirós e Raul Brandão. Num texto de 1978, Eduardo Lourenço sugere que o romancista se vai afastando de Eça “sem o perder de vista” e se vai aproximando do expressionismo de Raul Brandão “sem jamais aceitar a sua caoticidade visionária”. Jorge Lopes acrescenta a este curto rol o Mário de Sá-Carneiro de A Confissão de Lúcio, cuja presença detecta em Estrela Polar.
Professor durante quase toda a vida, dotado de uma invejável bagagem literária e filosófica — “disse-me uma vez que tinha lido tudo o que valia a pena na filosofia ocidental”, conta Helder Godinho —, autor recorrente de máximas, aforismos e reflexões que muitas vezes assumiam a forma de recomendações pedagógicas, Vergílio Ferreira tinha todas as características de um mestre, mas um mestre que, enquanto artista, não teve discípulos. Muitos autores mais novos o admiraram, e ele próprio apadrinhou alguns, como Lídia Jorge ou Almeida Faria, mas todos acabaram por seguir caminhos muito diversos do seu. O mais que Jorge Lopes detecta são algumas “homenagens”, como a que Valter Hugo Mãe parece querer prestar, no seu romance A Máquina de Fazer Espanhóis, a Em Nome da Terra.
A excepção (que talvez não o seja) a este consenso vem do ensaísta Luís Mourão, que admite que Vergílio Ferreira possa mesmo ter um improvável continuador num romancista cujo registo não podia, aliás, estar mais distante do seu. Num texto intitulado O romance-reflexão segundo Gonçalo M. Tavares, Mourão reconhece que a “frieza e impassibilidade” dessa “espécie de escrita pós-humanista” que é a do autor de Jerusalém pouco ou nada tem que ver com o “pathos (lírico, metafísico e irónico) que definiu o modo vergiliano”, mas vê na sua obra ainda em construção uma procura de novas formas de actualizar o romance-reflexão, nos moldes em que ele é hoje possível. “Pode-se argumentar que Gonçalo M. Tavares teve outros modelos, mas em Portugal a única aproximação possível seria com Vergílio Ferreira”, afirmou Mourão ao PÚBLICO.
E o próprio Gonçalo M. Tavares, o que é que acha? “Já não leio há algum tempo o Vergílio Ferreira, mas é um autor que respeito muito”, diz. Cita-o, aliás, no seu Atlas do Corpo e da Imaginação. Gostou de Em Nome da Terra, mas admite que às vezes o “entusiasmam mais os ensaios do que os próprios romances” e declara uma particular predilecção pelo volume póstumo Escrever. E nota que Vergílio Ferreira, “sendo ficcionista, consegue nos seus ensaios imagens muito fortes, que acrescentam ao pensamento uma força da metáfora que muitas vezes os filósofos e pensadores não alcançam”. Não se assumindo a si próprio como possível continuador de Vergílio Ferreira, intui alguma afinidade com a obra do autor de Conta-Corrente em Agustina Bessa-Luís, “ainda que nela”, precisa, “o pensamento seja mais veloz”.
Notícia alterada às 14h28: legenda identificava erradamente a mulher de Vergílio Ferreira como refugiada polaca
Ideias de Vergílio Ferreira. Evocação do escritor-pensador do séc. XX
A diferença que separa a recordação da evocação é que a recordação não tem alma.
in VF, Pensar
Notas breves sobre o escritor-pensador do séc. XX:
Vergílio Ferreira despediu-se Para Sempre - Em Nome da Terra - quando tinha 80 anos, e fê-lo mediante uma linguagem pensada, reflectida, maturada, complexa, repleta de labirintos, como uma mata plena de cruzamentos e derivas: quais avenidas do desejo (ou do primeiro abraço) e da posse e do desastre, como se (se) tratasse duma estrada de Damasco, cheia de espinhos.
- Escreveu em profundidade sobre o Eu, o Tu, o Nós, a vida e a morte, e as alegrias breves frente ao mar. Meteu o Mundo na sua aldeia - que acabou por ser povoada de enredos, histórias e trajectos de vida. E como ficou grande a sua aldeia, Melo, concelho de Gouveia, Beira Alta.
- Não raro, o escritor-pensador apelou ao silêncio sepulcral das palavras que encerram sempre a nossa dimensão de vida. Um mundo que é facilmente compreensível pelos mudos. Um mundo igualmente feito de palavras que depois são erigidas em arte - cuja forma foi emergindo nos seus romances, contos, ensaios. Relembro que em 2000, por ocasião da morte de meu Pai, joguei os meus parcos recursos a fazer um trabalho sobre a vida e obra de Eça de Queirós, e lá me deparei com Vergílio Ferreira e um excepcional trabalho que desconhecia sobre o escritor realista, que responde pelo título: Sobre o Humorismo de Eça de Queirós (então apresentado como Professor do Liceu de Faro), Coimbra, Fac. de Letras, 1943. Aliás, ainda hoje me deparo com títulos de VF que desconhecia, tamanha foi a sua obra e tão diversificada nos géneros literários, ainda que os temas nucleares nunca mudassem muito...
- Talvez poucos romancistas como VF, na 2ª metade do séc. XX tivessem reunido as facetas de pensador, escritor, ensaísta, professor, romancista, enfim, um extraordinário escritor-pensador que marcou o seu tempo, influenciou o debate de ideias de então, não apenas no domínio da literatura, e soube equacionar os grandes problemas do seu tempo, de sempre, para sempre, ressaltando a angústia de quem escreve (e de quem lê), mitigando isso com a vida breve, o sofrimento, o envelhecimento, enfim, as dores (activas e silenciosas) da existência.
- Faleceu em Fontanelas, a 1 de Março de 1996, pela tarde. Caiu e ficou estendido no tapete, de costas, com a face virada para a janela, como se fosse buscar a aragem leve da vida que já não tinha, e que um dia alguém descreverá tudo isso como se tratando do destino de todos e de cada um de nós.
- Num dos seus poemas, Pórtico, sim, VF também os fazia, embora fosse mais um prosador, rematava assim:
[...] Dêem-me apenas um livro,
pequeno, que não há tempo e tenho pressa,
essa matéria tão difícil de aprender:
E é quanto basta para se ser homem.
in VF, Conta-Corrente 3, pp. 158-159.
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O que Une uma Mulher a um Homem
O que une uma mulher a um homem não passa por nada do que aparentemente vale. Passa por onde? Não, não: pode não ser por aí, embora seja fundamentalmente por aí. Porque mesmo aí outros poderiam cumprir melhor, com o acréscimo do resto. Há uma falha (uma falta) essencial na mulher que só um certo homem pode preencher. E não é necessariamente essa. O mais misterioso no domínio das relações é o que se situa nas relações amorosas. Ou seja no que há de mais íntimo, essencial, primeiro do ser humano. Um labregório qualquer, torto, bronco, cabeçudo, pode ser amado pela mulher mais divinal e inteligente e ilustrada e refinada de figura. Haverá, pois, para o homem dois mundos que não comunicam entre si e que se separam na porta do quarto. Poucos são os que a atravessam em glória — idos da rua ou para a rua.
Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 1'
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Vive o Dia de Hoje!
Não penses para amanhã. Não lembres o que foi de ontem. A memória teve o seu tempo quando foi tempo de alguma coisa durar. Mas tudo hoje é tão efémero. Mesmo o que se pensa para amanhã é para já ter sido, que é o que desejamos que seja logo que for. É o tempo de Deus que não tem futuro nem passado. Foi o que dele nós escolhemos no sonho do nosso absoluto. Não penses para amanhã na urgência de seres agora. Mesmo logo à tarde é muito tarde. Tudo o que és em ti para seres, vê se o és neste instante. Porque antes e depois tudo é morte e insensatez. Não esperes, sê agora. Lê os jornais. O futuro é o embrulho que fizeres com eles ou o papel urgente da retrete quando não houver outro.
Nota prévia:A propósito dos males que estes animais quase irrelevantes fazem às pessoas, vitimando-as às centenas em África e nas Américas, lembrei-me de evocar este texto admirável de Roby Amorim - que em meia dúzia de parágrafos diz quase tudo.
- O mosquito era apenas um conivente no processo, mas nunca alguém se lembrou de o levar a tribunal.
- No declínio do Império Romano, no período dramático das invasões bárbaras, grandes áreas de terras cultivadas foram abandonadas e regressaram rapidamente ao estado pantanoso. A malária surgiu, galopante, provocando milhares de mortes. A malária e os mosquitos que a transportavam.
- Mas ninguém foi capaz de estabelecer a relacionação. Os mosquitos eram, para os romanos, apenas incómodos, nada mais. O que os afligia era o ar malsão de cheiro desagradável que se estendia ao longo dos pântanos povoados por vegetais apodrecidos.
- A doença, era-lhes evidente, vinha do mau ar, da mala aria, embora se saiba, há muito, ser provocada por um animal unicelular que ataca os glóbulos vermelhos e se transmite de pessoa a pessoa através das picadelas dos mosquitos. Que ficaram inocentes durante muitas centenas de anos.
- por José Roby Amorim, in Elucidário de Conhecimentos quase Inúteis -
(..) E agora, agora não sei o que fazer, o que dizer, não íamos imaginar que a literatura se ia transformar numa aula de físico-química. Talvez por isso não me sinto culpada, talvez por isso me deixe ir na corrente das emoções e dos sentidos.(..)
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Obs: Na velha China a palavra serve para o homem se entender, mas também para se confundir, como ocorre desde os tempos da Torre de Babel. Separam as águas de cima das águas de baixo. São a separação entre o fundamento masculino e o fundamento feminino.
Na velha China, que aqui cruza parte da obra de Vergílio Ferreira, que celebra o centenário do seu nascimento, as palavras - que tão importantes foram naquele autor existencialista - só têm um valor sugestivo porque contêm, não a verdade, mas apenas alusões mais ou menos veladas.
No fundo, as palavras são o instrumento maior que o homem inventou para não se desentender totalmente um do outro.
Dúvida legítima é saber se podemos ir além da palavra, manifestando um entendimento superior entre os homens, entre as civilizações.
António Guterres vai ser condecorado com Grã-Cruz da Ordem da Liberdade
Nota prévia: Narrativas da elevação política num Portugal em mudança
- Se não foi levado ao colo para Belém peloPS, Guterres será agora objecto de todas as atenções governamentais, ministeriais, presidenciais e outras que tais.
- Há que tirar vantagem da experiência, conhecimento e contactos de Guterres na arena internacional. Se for eleito SG-ONU - será um player dum país pequeno a coordenar a única organização política internacional com vocação mundial, circunstância que conferiria uma extrema relevância a Guterres, a Portugal e à Comunidade internacional.
-Este é, seguramente, um grande desafio de política internacional deste Governo, e ao qual o novel PR, MRS, até pela sua filiação católica (comum a Guterres..) poderá dar já o seu aval. Se assim for, será mais importante apostar nisto do que debitar a tal palavrinha que MRS prometeu ao CR7, que seguramente não integra os deserdados da vida nem apresenta nenhuma carência de vitaminas. Pelo menos, exposta à opinião pública e publicada...
Segundo fonte da Presidência da República, a cerimónia de agraciamento de António Guterres irá realizar-se na terça-feira no Palácio de Belém, em Lisboa.
A Ordem da Liberdade destina-se a distinguir serviços relevantes prestados em defesa dos valores da civilização, em prol da dignificação da pessoa humana e à causa da liberdade.
António Guterres foi alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados durante dez anos, tendo terminado o mandato em final de 2015.
Na semana passada, o Governo anunciou que vai apresentar a candidatura de António Guterres a secretário-geral das Nações Unidas, sublinhando que se trata de "um imperativo".
"É nossa firme convicção que o engenheiro António Guterres é a personalidade com melhores condições para exercer esse mandato, correspondendo à necessidade de enfrentar os desafios que hoje se colocam à comunidade internacional", lê-se numa nota divulgada pelo gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva.
O Governo considera que a "longa experiência política" e "a forma exemplar" como o antigo primeiro-ministro socialista exerceu altos cargos internacionais "demonstram cabalmente os méritos desta candidatura, que o Governo entende constituir um imperativo, num tempo em que, mais do que em qualquer outro, o mundo se tem de mobilizar em torno da paz e do desenvolvimento".
Depois de cessar funções como primeiro-ministro, António Guterres foi condecorado pelo então Presidente da República Jorge Sampaio com a Grã-Cruz da Ordem de Cristo.
Nicolau visto por Maquiavel: inferno vs céu. O realismo do florentino
Nota prévia: O ultra-realismo do florentino, que prefere o inferno ao céu, e na ânsia de se salvar explica porquê. O drama desta sua radical assunção meta-existencial - é que nunca conseguiremos saber da sua inteira certeza. Ou será que céu e inferno são - ambos - duas modalidades da mesma coisa, o mesmo local mal frequentado por que passamos diariamente?!
É que o paraíso pode conter na sua fantástica inventiva estas duas variantes, entre céu e inferno. Em que àquele correspondem os dias de sol, e a este os dias nebulosos e incertos de cinza-chumbo. A vida também é isto: pegar em Maquiavel e interpelá-lo, mesmo sabendo que ele não responde.
O poder avassalador da abstenção: o monstro da pobreza em Portugal
Razão tem Manuel João Vieira (ex-vocalista dos Ena-Pá 2000) quando quis criar o Partido da Abstenção.
- Na prática é ele, esse miserável partido silencioso que caminha subterraneamente, como um assassino que planeia meticulosamente o seu crime, que tem dirigido os negócios da República, e nos últimos 10 anos tem dirigido mal, como sabemos
- Tudo com a cumplicidade, a apatia, a indiferença, a irresponsabilidade, a cobardia de todos e de cada um de nós, portugueses. Os de dentro do rectângulo, e os de fora, da diáspora.
- Alguns desses agentes políticos têm beneficiado dessa apatia. Fizeram uma carreira, governaram-se, ganharam prestígio e status em nome do povo e do país que os elegeu, ou não elegeu, e nada deram ao país como contrapartida do muito que dele receberam.
- O sujeito que aparece na imagem supra é, talvez, aquele figurante da república que melhor encarna essa triste realidade que empobreceu Portugal e os portugueses durante a última década. Com a agravante de ter desprezado a cultura. Pois só um ser sem cultura pode fazer isso.
- Um tempo literalmente perdido a coberto da cobardia da srª abstenção. Um facto demasiado importante que nos deverá levar a meditar, nem que seja para corrigirmos algo, ou evitar que tamanha sinistralidade política ocorra de novo em Portugal.
Regresso ao florentino Nicolau Maquiavel para explicar Marcelo
Nota prévia: Regresso a Nicolau para ajudar a compreender MRS. Já o conhecemos na sua dimensão de analista, de líder partidário do PSD, de homem de cultura (lato senso) e de comunicação de massas. O futuro irá testemunhar a conduta futura do novo PR, que não poderá ser o resultado dum homem novo, mas a mitigação das suas características pessoais, já conhecidas do passado, com a novidade imposta pelas circunstâncias supervenientes que o futuro trará à mesa do trabalho político em Portugal.
Então, parece que o país poupou mais uns milhões aos portugueses evitando uma 2ª volta. Não é que ela não fosse desejável, mas será que essa segunda volta conseguia adiar o inevitável, i.é, a eleição de MRS!?
- Só Guterres o batia. Mas Guterres tinha - e tem - outros planos.
- Oxalá os realize, porque isso será também positivo para Portugal.
Costuma-se dizer que no vazio cabe um monte de coisas. Porém, não foi isso que ocorreu com o ante-projecto de candidatura de Mª de Belém apoiado, entre outros, pelo poeta M. Alegre.
Desta feita, o poeta poderia bem dedicar-lhe um poema. Um poema que reza(ria) assim:
Marcelo é um homem do Direito, mas parece que não respeita o direito.
- Está a um passo de ser PR, segundo as sondagens (desconhecendo-se ainda se haverá 2ª volta com Nóvoa), mas não resistiu em instrumentalizar uma instituição da república, a Faculdade de Direito, para a por de joelhos e ao serviço das suas ambições pessoais numa grosseira violação das regras da isenção e imparcialidade a que esse tipo de instituições da república (e não do candidato A ou B) deveria ficar imune.
Ainda não é PR, mas MRS já está a violar a Constituição que ele diz conhecer e respeitar...
Razão tinha - e tem - Jorge Miranda - que é, esse sim, um verdadeiro constitucionalista e que não apoiou Marcelo, seu colega na Faculdade de Direito que hoje foi posta de cócoras em nome dum interesse político pessoal.
Os seres não cessam de mudar de lugar em relação a nós. Na marcha insensível mas eterna do mundo, nós consideramo-los como imóveis num instante de visão, demasiado breve para que seja percebido o movimento que os arrasta. Mas basta escolher na nossa memória duas imagens suas, tomadas em instantes diferentes, bastante próximos no entanto para que eles não tenham mudado em si mesmo, pelo menos sensivelmente, e a diferença das duas imagens mede a deslocação que eles operavam em relação a nós.