Um homem submerso numa poltrona plena de vida(s)
Nota prévia: Vergílio Ferreira não se evoca "sazonalmente", acompanha-nos diariamente, como o ar que respiramos, revelando-se a nossa 2ª pele.
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Há uma ordem que não tem nome, porque ela é anterior a si e se funda no incognoscível. Repousa nela. Dormir nela. E achar no seu impensável o impensável de nós, a dissipação de nós que aí se consuma pela vertigem do sem-fim e do silêncio..."
VF,in CC, Dez. 1992.
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- Qualquer um de nós podia ter avistado Vergílio Ferreira, na Praia Grande, em Colares. Sentado na areia, um pouco distante dos familiares que o acompanhavam, fumando um cigarro, de olhos pregados no mar e cogitando o impensável. Aquele rosto duro, severo, com uma fixa concentração, quase intimidatório podia bem evocar um quadro do séc. XV, talvez o autor do Elogio da Loucura...
- Todavia, o traço que aqui sublinho no temperamento e comportamento público do escritor-pensador é a aparente contradição em que ele navega. Por um lado, poucos como Vergílio Ferreira se confessaram tanto e tão profundamente, seja nas suas entrevistas, nos vários volumes da sua diarística (Conta-Corrente), na sua ficção, nos seus imensos romances...
- Mas talvez tenha sido na ficção o "universo" em que foi mais genuíno, e foi nessa mesma ficção que, protegido pelo biombo protector que o permitiu ocultar, que melhor podemos compreender a "doença" de que, afinal, sofria: de sensibilidade e sentimento, que frequentemente transformou, de modo justificado ou injustificado, em agressividade.
- E é aqui que se estabelece o contraste no perfil seco, árido e taciturno do escritor envolto numa aparência fria, por vezes a roçar a arrogância, mas que, afinal, escondia uma imensa afectividade, como a dor que transparecia dos personagens nos seus romances.
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Etiquetas: Agressividade e sensibilidade, Incognoscibilidade, Um homem submerso
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