segunda-feira

As Alcunhas de Marvão - A imaginação e a arte da palavra - por Teresa Simão -


A imagem pode conter: 4 pessoas, texto

No concelho de Marvão, a alcunha vai muito além da sua função de nomear; na verdade, reflete o modo de viver das gentes, a sua cultura e a forma de representar os seus valores.[...]

- Foi com esta nota de abertura que a autora, Teresa Simão, desenvolve as suas "considerações preliminares" neste pequeno grande livro sobre as alcunhas que, de forma quase intemporal e sem marcação geográfica, desenvolvem o crucial papel de integração social das pessoas numa determinada comunidade, num misto de picaresco, prazer, definição do outro, seja num tom jocoso ou de pura (re)criação social. 

Numa outra passagem da referida obra, As Alcunhas de Marvão (págs. 19-20) a autora socorre-se do importante legado do genial e abrangente José Leite Vasconcelos para sublinhar que, desde a Idade Média, a alcunha representa uma característica mais vincada nos homens do que nas mulheres, uma vez que estas pouca importância social tinham e o seu quadro de actuação ou de representação social se situava na esfera privada. E apesar de as mulheres actualmente terem um papel socialmente relevante, elas continuam a não ser o destinatário preferencial das alcunhas (pág. 20).

Nuns casos, a alcunha resulta duma intenção deliberada, noutros casos de forma involuntária ou inconsciente, mas acaba por ser a sociedade que se encarrega de lhes dar curso e de os sancionar, como que renomeando o nome de batismo de cada membro da comunidade. 

Variável é a forma como cada pessoa alcunhada lida com a sua alcunha: há os que a aceitam, e aqueles que reagem negativamente, acentuando-se neste caso a sua frequência e, claro, o motivo de chacota, como sistematiza a autora - agora apoiando-se noutro autor, Baena - quando diz que o anexim traduz uma característica que abrange todos, renomeando-os indistintamente, e remata:

Então a alcunha não mete no mesmo saco bons e maus, endinheirados e miseráveis, gente de respeito e ralé, homens e mulheres, honestos e aldrabões?!

E Francismo Ramos cita a propósito que a função das alcunhas é o de reduzir as diferenças socioeconómicas, eliminando privilégios e igualizando todos os membros da comunidade. Uma espécie de democratização linguística. 

Enfim, a autora, de forma eficiente, desenvolve uma tipologia das alcunhas em razão da sua motivação. A saber: de tipo hereditário, adquirida, linguística, derivada de nome ou apelido, profissional, físico, psicológico/comportamental ou ainda de tipo geográfico. Eis o percurso que a autora seguiu para chegar à dimensão histórica e sociológica deste trabalho. Dito doutro modo, é como se tivesse partido do estudo de duas ou três árvores para explicar a configuração global da floresta. 

Com efeito, quando se pretende conservar um museu, uma escola ou um teatro (na sua componente material ou edificado) é conveniente fazer obras de conservação e restauro a fim de dar continuidade à sua função social e cultural na comunidade.

De igual, quando se pretende preservar ou até promover todo um património imaterial (ou intangível) duma dada região ou cultura, urge fazer estudos que recuperem e sistematizem essas informações, essas relações, que carecem de tratamento e da devida integração socio-histórica, a fim de podermos ver recuperado esse capital de conhecimento que, doutro modo, se perderia nas brumas da memória. 

Creio que é isso que Teresa Simão faz neste pequeno trabalho. Pequeno na dimensão, mas grande no alcance e na memória futura que soube acautelar promovendo um pouco mais do tal Património Imaterial que, em suma, radica nos costumes e nos processos de representação social que consubstanciam a nossa cultura e que nos indica o grau de civilização em que nos encontramos. 

E que revela, no limite, uma premência crescente em registar, estudar e inventariar todo esse património cultural como sendo de interesse nacional, público ou municipal. Pois sem esse trabalho de inventariação inúmeros municípios (muitos deles do interior e que vivem muito dependentes deste tipo de turismo cultural), nuns casos, por não disporem de quadros técnicos qualificados e com formação cultural adequada; noutros casos, porque a liderança política das autarquias não está hablitada para compreender ou inspirar o alcance desses trabalhos e, por isso, não lhes sabe dar o exemplo, tendem a perder oportunidades de investimento, de reconhecimento e de desenvolvimento sustentável, já que muitos dos projectos no sector do intangível passa por compreender o significado e importância da valorização dessas práticas culturais, de que este trabalho é um eficiente exemplo.

Desse modo, a única forma de protegermos o chamado Património Cultural Imaterial (PCI), consiste na inscrição de todos esses costumes e práticas sociais e que conquistou enquadramento legal através da Lei de Bases do Património Cultural desenvolvido pelo Decreto-Lei n.º 149/2015, que institui o regime jurídico para a salvaguarda daquele património cultural imaterial. 

Por tudo isso, e por tudo o mais que já não cabe na função social das alcunhas, é que queria felicitar, mais uma vez, a Teresa Simão por este especial contributo cultural que confere aos estudos linguísticos, embora com uma dimensão socio-histórica, e que aqui sintetizou com mais esta obra.
___________________



Etiquetas:

quarta-feira

Da desproporção e dos limites das coisas. O prémio a Greta




Greta é a personalidade do ano para a revista "Time". Foto foi tirada em Portugal
Da desproporção e dos limites das coisas
- Cada coisa em seu sítio


Toda a gente de bom senso valoriza a ideia de que os jovens se preocupem com o ambiente, dentro e fora das escolas; todos devem aceitar que os jovens devem contribuir para operar a mudança de sociedade, de tecnologia, enfim, de mentalidades em nome dum mundo mais limpo, mais justo e mais desenvolvido.
Contudo, se notarmos bem, o que a jovem Greta fez foi ter tido a coragem de faltar às aulas uma data de dias seguidos e pôr-se nas ruas com cartazes a fim de dramatizar o problema que afecta o planeta na sequência das mudanças climáticas. Fê-lo com especial afinco e um activismo só disponível aos mais ambiciosos e determinados.
Fê-lo com repercussão global, porque os media, à falta de tema mais "quente" (esgotado o tema da imigração e das idiotices globais do Trump) pegaram no assunto e ampliaram esse foco e emprestaram-lhe uma luz planetária. O resultado foi a elevação e a promoção a vedeta duma criança que, é bom sublinhar, não conseguiu avançar com UMA ÚNICA IDEIA ORIGINAL para combater as alterações climáticas que, por força do excesso de emissões de CO2 para a atmosfera por parte das indústrias dos países mais prevaricadores (China, Rússia, Irão, Índia...) provocam o degelo e, com isso, fazem subir o nível das águas que faz perigar as nossas cidades num quadro de desenvolvimento sustentável.
De facto, Greta tem o mérito de ter dramatizado - como nenhuma outra criança no planeta - esta problemática, sem, contudo, ter dado um contributo líquido para a forma de (como) resolver este problema colectivo.
Um problema que só pode ser resolvido estruturalmente se: (1) for encontrado um novo sistema económico que refreie o actual sistema capitalista neoliberal que nos faz produzir e consumir de forma intensiva, e que consome imensos recursos no planeta, os quais são cada vez mais finitos; (2) que esse novo sistema económico consiga substituir a tecnologia poluente por outra que não o seja, mas isso colocará, a curto e médio prazos, um problema de sustentabilidade económica. Temos o exemplo das baterias dos carros electricos que custam tanto (ou mais) que o preço das viaturas. O que desincentiva a procura desses veículos, pelo menos para já.
Naturalmente, a virtude da jovem que foi capa da Time consistiu em ter sido coerente, ou seja, ela adequou a sua causa à forma como procura viver no seu dia-a-dia. Portanto, se ela se preocupa com a emissão de CO2, então não anda de avião, transporta-se de barco. O que revela que tem uma estrutura e uma logística eficiente que a serve, servindo (supostamente) a sua causa.
Este simples encadeamento de factos revela coerência, mas será ela suficiente para ser considerada personalidade do Ano pela referida revista?!
Não teria sido mais relevante que a dita publicação se preocupasse mais com a actividade dos cientistas que trabalham arduamente para descobrir novos antídotos para inúmeros cancros que matam milhares de pessoas por ano?!
Com toda a sinceridade, olho para esta miúda como alguém com uma tremenda vocação para o teatro, para a capacidade de dramatizar causas nobres, mas, verdadeiramente, ela, ou a sua equipa, não conseguiram prendar o planeta com uma única ideia que possa beneficiar a vida colectiva e a sustentabilidade do planeta.
O resto redunda na vulgata discursiva do discurso pró-ambientalista que já remonta à década de 70 do séc. XX. Por isso, também aqui a revista Time foi sofrível na sua opção editorial. Cedeu ao show-of, em vez de ter procurado os casos verdadeiramente criativos e originais que salvam vidas e mudam o quotidiano das pessoas, das empresas e das sociedades.

______________________________


Etiquetas:

Evocação de Rachel CARSON, Silent Spring -

Nota biográfica: 

Rachel Louise Carson (Springdale27 de maio de 1907 – Silver Spring14 de abril de 1964) foi uma bióloga marinhaescritoracientista e ecologista norte-americana. Através da publicação de Silent Spring (1962), artigos e outros livros sobre meio ambiente, Rachel ajudou a lançar a consciência ambiental moderna[1]. Começou a carreira como bióloga marinha no United States Fish and Wildlife Service dos Estados Unidos, tornando-se escritora em tempo integral a partir dos anos 1950. Seu livro de 1951, The Sea Around Us, tornou-se um bestseller e ganhou o National Book Award, o que lhe deu segurança financeira e reconhecimento nacional[2]. Seu próximo livro, The Edge of the Sea e a nova edição de Under the Sea Wind, também se tornaram sucessos de vendas. A trilogia explora a vida marinha, desde à zona da praia até as profundezas[3].
No final dos anos 1950, Rachel começou a analisar a conservação ambiental, especialmente problemas que ela acreditava serem causados por pesticidas sintéticos. O resultado dessa pesquisa se tornou o livro Silent Spring (1962), que levou à população norte-americana uma preocupação ambiental sem precedentes. As companhias químicas logo se opuseram às colocações de Rachel em Silent Spring, e se engajaram em uma campanha de difamação da autora e do livro. Mas o legado de Rachel acabou por reverter a política nacional de uso de pesticidas, o que levou ao banimento do uso do DDT e de outros pesticidas nos Estados Unidos[4]. O trabalho de Rachel também levou à criação da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. Postumamente, Rachel recebeu a Medalha Presidencial da Liberdade pelo presidente Jimmy Carter, em 1980[5].


Silent Spring, 1962
Full text, aqui


Rachel CARSON, que certamente muitos desconhecem foi, talvez, a mulher que mais contribuiu para a criação duma verdadeira consciência ambiental nos EUA na década de 60 (séc. XX), e que mais eficientemente desmontou as estratégias e os esquemas da poderosa Indústria química de então, que, aliás, tudo fez para desprestigiar a autora de Silent Spring que denunciava o carácter nocivo dos pesticidas nos solos e sub-solos e, através disso, prejudicava toda a cadeia alimentar da vida animal e vegetal. 

Nesse ano os pássaros deixaram de cantar...

Foi ela, melhor do que ninguém, há quase meio século, que descobriu que o mundo estava doente, as políticas públicas eram lesivas para a Natureza, o desenvolvimento e para a condição humana e, por essa via, a bióloga conseguiu explicar a razão por que nesse ano a Primavera foi silenciosa e milhares de agricultores viram as suas vidas desgraçadas.

Deixo aqui o doc. para quem nunca teve a oportunidade de o ler e tirar as suas conclusões.

Desde já adianto que Carson não beneficiava de campanhas de marketing globais, não dispunha de financiamentos para as suas actividades, nem tinha uma agenda oculta para se beneficiar ou promover a sua carreira (seua amigos e familiares) à boleia do tema da prevenção ambiental que, na década de 60, ela fez de forma precursora. 

Seria neste imenso legado que os media se deviam centrar, e não em crianças egocêntricas, que debitam as banalidades da vulgata pró-ambiental plasmadas nos prefácios dos livros do sector, e que só enumeram problemas e desconhecem todas as soluções. 

Até no modo como os media reagem a estes fenómenos, acompanhado dos agentes políticos que (também) não querem perder a boleia do mediatismo e do tropismo pró-ambiental, revela que o mundo em que vivemos está verdadeiramente doente.

Mas não é a endeusar crianças que salvamos o planeta e cujo mérito foi fazer uma greve de fome pelas questões ambientais, mas, sim, repegar nos trabalhos cientificamente valiosos de quem sabe o que fez e, pela via do conhecimento e da experimentação (com o auxílio da C & T), poderá identificar futuras respostas aos problemas globais colocados pela economia capitalista e pelo modelo de desenvolvimento com que nos defrontamos actualmente. 

________________________________________

Via Wiki

Silent Spring (no Brasil/Portugal: Primavera Silenciosa) é um livro escrito por Rachel Carson e publicado pela editora Houghton Mifflin em Setembro de 1962. O livro é amplamente creditado como tendo ajudado no lançamento do movimento ambientalista.[1]
New Yorker começou a editar Silent Spring em Junho de 1962, tendo sido publicado em forma de livro mais tarde nesse ano. Quando o livro Silent Spring foi publicado, Rachel Carson era já uma escritora bem conhecida na área da história natural, mas não tinha sido previamente uma crítica social. O livro foi amplamente lido, especialmente após a seleção pelo Book-of-the-Month Club e após a presença na lista de best-sellers, tendo inspirado ampla preocupação pública com os pesticidas e poluição do ambiente natural. Silent Spring facilitou o banimento do pesticida DDT[2] em 1969 na Suíça e [3] em 1972 nos Estados Unidos.
O livro documentou o efeitos deletérios dos pesticidas no ambiente, particularmente em aves. Carson disse que tinha sido descoberto que o DDT causava a diminuição da espessura das cascas de ovos, resultando em problemas reprodutivos e em morte. Também acusou a indústria química de disseminar desinformação e de se aceitar as argumentações dessa indústria de maneira pouco crítica.
Silent Spring tem sido colocado em muitas listas de melhores livros não-ficcionais do século XX. No Modern Library List of Best 20th-Century Nonfiction era número 5 e número 78 no conservador National Review.[4] Mais recentemente, Silent Spring foi nomeado um dos 25 maiores livros de ciência de todos os tempos pelos editores da Discover Magazine.[5]
Uma sequência, Beyond Silent Spring,[6] com co-autoria de H.F. van Emden e David Peakall, foi publicada em 1996.

Etiquetas: ,