A vida política portuguesa tornou-se num viveiro de teorias, experiências, umas possíveis, outras improváveis e situações decorrentes duma alteração geral de circunstâncias e da forma como as esquerdas se comportaram antes, durante e depois das eleições legislativas de 4 de Outubro último. A situação complica-se e potencia o desafio político e constitucional na medida em que coincide no tempo estas duas eleições - legislativas e presidenciais - relevantes para a mudança de ciclo político em Portugal, que coincide com a entrada de novos actores na vida parlamentar e na vida pública em geral.
Feito este preâmbulo, importa recordar que Passos Coelho deu uma indicação clara ao partido, em Janeiro de 2014, quando fixou a "teoria" de que o candidato presidencial do PSD não podia ser "um protagonista catalisador de qualquer conjunto de contrapoderes ou um catavento de opiniões erráticas em função da mera mediatização gerada em torno do fenómeno político que buscasse popularidade fácil.
Sem nunca o nomear, é óbvio que Passos Coelho elaborou esta "doutrina" partidária para excluir Marcelo Rebelo de Sousa da possibilidade de vir a ser um candidato presidencial apoiado pelo PSD liderado por Passos Coelho. Ou seja, o impreparado e mau PM Passos tentou domesticar Marcelo mediante um processo partidário de exclusão prévia. Não conseguiu.
Como a realidade é dinâmica e os objectos movem-se, por vezes a uma velocidade alucinante, é, doravante, o impreparado Passos que ficou refém do "catavento" Marcelo, porque entretanto Passos ganhou as eleições, mas, na prática, perdeu o país, e Marcelo parece ter pela frente uma auto-estrada sem fiscalização nem limite de velocidade até chegar a Belém.
E mais, Marcelo deixou antever que um governo de gestão não será solução para Portugal, o que significa um duplo recado: para Cavaco, ainda PR, e para o PM demissionário, Passos, que assim ficará a saber que com o "catavento" no cadeirão de Belém não haverá um governo de gestão. Na prática, Marcelo e Passos Coelho passaram a figurar nos antípodas do espectro partidário nacional, com Marcelo, ainda não eleito, mas já a condicionar o posicionamento de todas as peças no xadrez político nacional.
Com o centro de gravidade do poder a deslizar do Executivo para o Parlamento, e com Cavaco bastante diminuído nas suas funções presidenciais, havendo até quem ache que ele há muito se encontra doente, Passos ficou sem qualquer espaço de manobra para ser PM na plenitude dos seus poderes, pois antevê-se um chumbo no Parlamento ao seu novel governo, e, por outro lado, deixou de ter qualquer condição de escolher ou condicionar o candidato presidencial - sendo obrigado a apoiar aquele que previamente quis deliberadamente marginalizar: Marcelo Rebelo de Sousa.
E é nesta inversão de posições no xadrez político que reside a ironia do destino. A ironia, como dizia Eça de Queirós, é o sorriso da razão, pelo que a esta altura, e sabendo o que hoje já todos sabemos mais aquilo que só Marcelo já sabe, foi a dupla Passos e Portas quem ficou encurralada e Marcelo segue em frente na auto-estrada em direcção a Belém.
A coligação Paf hoje não representa nada, senão a troika, a austeridade, a emigração de meio milhão de portugueses, o aumento draconiano de impostos, uma brutal taxa de desemprego, uma profunda pobreza e injustiça e desigualdade social entre os portugueses. Eis o que a Paf representa, e que o Parlamento, à esquerda (PS, BE e PCP) irá rejeitar estrondosamente.
Marcelo, a esta altura do campeonato político, deverá estar a dar gargalhadas de morrer a rir, pois encurralou Passos, aquele que um dia o tentou excluir da corrida presidencial; fará bolsar Cavaco, já que se este não empossar o líder do 2º partido mais votado, caso o Governo de Passos seja chumbado, será Marcelo a fazê-lo, admitindo-se que ganhe as eleições presidenciais, como se antevê.
Os únicos aqui a serem excluídos são mesmo Passos e Portas, a face mais mórbida da troika, assim como a opção do governo de gestão que, em desespero de causa, Cavaco e Passos admitiam, só para não entregar o governo à esquerda.
Acresce que com Marcelo em Belém este nunca se furtará a representar o Estado no dia da implantação da República, a 5 de Outubro, como lamentavelmente fez Cavaco Silva, corroborando a tese de que ou está doente ou não está à altura do cargo para que foi eleito, ou ambas as hipóteses.
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