CAVACO VISTO EM MARÇO DE 2015 - por Eduardo Paz Ferreira -
Em 15 de Março deste ano, ao intervir no Congresso da Cidadania, tive ocasião de falar de Cavaco Silva e das futuras presidenciais, num texto que incluí no meu Encostados à Parede e que me parece manter total actualidade. O que se segue são alguns extractos do que então disse. Comecei por recordar a ausência de Cavaco Silva à homenagem a Melo Antunes e o facto de ter sido ele que, enquanto primeiro ministro impediu Melo Antunes de ser secretário-geral da UNESCO, recusando-lhe o apoio do Governo Português. Convidado, na sua qualidade de Presidente da República, não compareceu, num gesto que é uma perfeita síntese do que foi a sua presidência e que nos convida a revisitar as décadas perdidas de Portugal sob a égide do Professor Cavaco Silva.Como Primeiro-ministro dispôs de condições únicas, asseguradas pelas transferências da União Europeia que lhe permitiram ser reeleito, mas nada fez para que essas verbas tivessem sido utilizadas para desenvolver e modernizar o país, antes permitindo a promiscuidade na utilização dos dinheiros dos fundos.Como Presidente a sua acção e a sua inacção viabilizaram a manutenção do governo mais desumano e incompetente que Portugal conheceu depois do 25 de Abril, ao mesmo tempo que revelou uma total insensibilidade social, exibiu uma enorme arrogância e recusou-se a esclarecer quaisquer dúvidas sobre os seus movimentos económicos, iniciando a temporada dos que se auto-avaliam como virtuosos e, por isso, não necessitam de tirar consequências de práticas dúbias, nem que fosse para pedir desculpas. "Para serem mais honestos do que eu, têm que nascer duas vezes".. Recordam-se?A presidência Cavaco Silva fez perceber claramente a razão de ser do objectivo não alcançado de Sá Carneiro: um presidente, um governo, uma maioria e tornou absolutamente evidente que a apregoada falta de poderes presidenciais, é uma falácia: o verdadeiro poder está em Belém e isto tem de ser compreendido e é fundamental que o tenhamos presente.De resto, tem-se tornado evidente que depois de um período em que as eleições presidenciais apareciam como um facto longínquo, um vago apêndice das legislativas, as presidenciais estão hoje no foco de todas as atenções.Creio que não haverá ninguém nesta sala que se não tenha indignado com a ideia de que Cavaco e Silva pensa que pode designar um sucessor, definindo os requisitos a que deve obedecer. No país também não serão muito os que se afastam desse sentimento. O grande Ricardo, Araújo Pereira, com o brilho de sempre, fala na Visão desta semana, na revisão constitucional informal. Dois potenciais candidatos de direita apressaram-se, no entanto, a garantir que estavam no perfil, provavelmente por uma má avaliação dos efeitos desse alinhamento.Entendamo-nos: nada poderá ser pior para um candidato do que ser apoiado por Cavaco Silva e se há algum pré-requisito para os presidenciáveis é o de se comprometerem a que não serão presidentes como ele.Não se trata de fazermos, também nós, uma revisão constitucional informal que acrescente à mais que questionável exigência dos trinta e cinco anos, outros critérios, mas a expressar aquilo que todos os dias ouvimos, no metro, nas escolas, nos nossos empregos e que é que os portugueses sabem bem que não querem um Presidente:- enfeudado a interesses financeiros ou partidários;- desinteressado da vida política e do bem público; - que não vá ao encontro dos portugueses;- que tenha uma concepção notarial e de corta fitas dos seus poderes;- que afirme que raramente tem dúvidas e que nunca se engana.Porque os portugueses não querem um robot. Querem uma pessoa com todas as dúvidas e inquietações, que fazem a sua humanidade e integridade, com capacidade de ouvir os outros e de ir ao encontro deles para um debate franco para, depois, correr o risco de errar tomando decisões, com a certeza de que o faz em obediência ao que entende ser o bem comum, a compreensão que não vale a pena fomentar falsos unanimismos e que o avanço dos povos e das nações se faz pela capacidade de afirmação de um projecto e não pela total sujeição a ideias ou modelos pré-concebidos e muito menos pela obediência cega ao que outros decidem por nós.
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Obs: Um retrato de Cavaco, e o que esta caracterização aconselha é concluir, com segurança, que a um mau PM seguiu-se um péssimo PR. Ora, Portugal merecia melhor, muito melhor.
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