As novas guerras: o jornalismo de poltrona e a Blogosfera
- - No decurso do último ano escrevemos cerca de uma dezena de reflexões sobre a blogosfera e as suas relações com o jornalismo clássico que lhe pretende bloquear o caminho, marginalizando-a, mesmo tratando-se de actividades que poderiam funcionar mais eficientemente se operassem de forma complementar, e não, como fazem os media clássicos (por medo e arrogância pessoal e intelectual), recorram ao bloqueio, à omissão da fonte donde esbulham informação e análise - comportando-se com uns verdadeiros cowboys do far-west em pleno III milénio, o que é inaceitável e viola todas as regras deontológicas.
- A ameaça dos Weblogs (exposto infra e também publicado na imprensa em 2005).
- - É a este conjunto de reflexões a que me permito chamar um modesto pensamento sobre a Blogosfera. Que com o advento dos blogues - tem sedimentado a inteligência conectiva e afirmado a ferramenta mais madura da World Wide Web - cujas consequências e interacções influenciam hoje milhões de consciências mundo fora.
- - Assim sendo, e como nota prévia, os blogues representam essas conexões, esses fios que tecem informações, análises, pensamentos e também, obviamente, muita coisa sem sentido ou de interesse público.
- - Mas a nossa reflexão d'hoje foi acordada pelo interessante editorial do Jumento que nos fala daquilo que já há muito sabemos existir: o plágio dos media tradicionais - que hoje se comportam como aqueles pássaros, talvez os Cucos, que roubam ou destroem os ovos nos ninhos alheios para lá depositarem os seus.
- O Jumento, com a ironia inteligente que o caracteriza, e já o Eça dizia que a ironia era o sorriso da razão, sugere que aqueles jornalistas que mantêm blogues desenvolvem com os outros bloggers - que não são jornalistas - uma relação que denota um complexo de superioridade que deverá ser tratado no divã do psicanalista. Pois eu creio que nem já Freud os safaria...
- - Gostaríamos de dizer ao Jumento e a todos os ciber-leitores que nos lêem, que isso já era uma característica da classe/corporação mesmo antes do aparecimento dos blogues, agora esse complexo de superioridade, que não passa duma insegurança intelectual e cultural mitigada com um instinto defensivo que visa a sobrevivência em condições óptimas, agravou-se. Portanto, a humildade, que é uma condição essencial do próprio processo de produção e acumulação de saber é coisa, em geral, que essa classe ou corporativismo não tem.
- - Fica, pois, a nota de concordância relativamente ao diagnóstico do Jumento, embora entenda que a questão ainda é mais grave do que o plágio, já de si, lamentável e punível por lei, se ela se aplicasse. Todos nós sabemos o que muitos jornalistas fazem aos blogs, à forma como obtém notícias, ao modo como dominam a língua de Camões, à observância das regras de conduta deontológica que era suposto seguirem, bem como todo o processo ligado à produção de informação. Seja nas redações dos jornais, seja nas redações das estações de televisão - que também operam como verdadeiros cucos a esbulhar o trabalho alheio.
- - Aliás, a situação é dramática e revela bem a preparação técnica, cultural e moral de um povo. Vejamos: os políticos lêem os jornais, ouvem a rádio e vêm a tv e governam em função do que lêem, ouvem ou vêem; muitos empresários andam atrás do subsídio dessa forma, os gestores das grandes empresas também se orientam por essa cadeia viciada da (des)informação, a malta dos serviços secretos (que em Portugal são muito pouco secretos, pois até tivemos um ministro da Defesa - Veiga Simão - ex-salazarista, como adriano moreia, que entregou a lista dos funcionários/analistas de informações ao ávido semanário Independente (que a publicou, de forma gratuita - o que revela bem a categoria de certos jornalistas) - que durante anos viveu dessas escandaleiras); os jornalistas lêem-se e cooptam-se entre si nos lugares intermédios e de topo - num dispositivo de endogamia que ainda cheira mais mal do que o meio académico e a majistratura.
- - Julgo, pois, que o problema vai muito para além do plágio. Quanto a nós, os media tradicionais sentem-se ameaçados e a forma como procuram ripostar é, precisamente, não responder: ignorar a blogosfera, com excepção daqueles que já foram aceites no club - e depois se tornam - eles próprios - os novos zeladores do templo, evitando que outros subam a muralha e os assaltem a eles - entretanto instalados nessa ilusão do poder.
- - Isto, mais do que um copianço permanente, é uma guerra social e política pelo captação do poder intelectual e simbólico nas sociedades modernas.
- - É a reputação, a vaidade, a soberba, a glória, a paixão, a avareza, a ira, a gula e, naturalmente, a INVEJA (como diria o Luís Vaz de Camões) que estão aqui bem presentes nas misérias humanas, na conduta hiper-corporativa dos jornalistas de poltrona contra a blogosfera que, qualitativamente, se vai impondo no domínio e no manuseio da informação e da análise - interna e estratégica - do mundo contemporâneo.
- - Pois para além das pessoas, das empresas, das organizações as ideias - enquanto produtos culturais - podem ter uma reputação a defender. Creio que é isso, e só por mim falo, que boa parte da blogosfera quer ver reconhecida. Não é por acaso que um blog como o Jumento, que conheço melhor, feito por uma única pessoa, ao que apurámos, realizado de forma regular e contínua no tempo, consegue ter um milhar e tal de visitas por dia. Mais do que muitos jornais ditos de referência.. Tudo de forma gratuita, assegurando elevados índices de qualidade informativa e analítica, com excepcional grafismo e uma coerência estrutural que atravessa todo o blog. De quantos jornais diários ou semanários poderemos dizer o mesmo? Em que desde a cara dos enfadonhos articulistas, às rúbricas, ao grafismo.. tudo já é conhecido, previsível, enfadonho, bafiento...
- - Mas mais do que o plágio, o que os media tradicionais sofrem é a possibilidade de perda de reputação que granjearam ao longo do séc. XX. Só a ideia de pensarem que uma pessoa, desconhecida, sem referências pode, de um momento para o outro, desde que intelectualmente capaz, começar a disputar audiência com os jornais e revistas - não deixa de ser ameaçador para essas grandes empresas editoriais, que têm dezenas de empregados e têm de vender x exemplares para poderem pagar salários ao fim do mês e não irem à falência ou começar a despedir colaboradores. Além da questão cultural e simbólica, sobrevém a questão material e conómica - que se põe de forma mais premente quando não dramática - nas circunstâncias em que muitos jornalistas são despedidos.
- - Doravante tudo pode ser filtrado - não já pelos media tradicionais - mas pelos bloggers, alguns dos quais dispõem de uma preparação intelectual e científica superior à da generalidade dos jornalistas de poltrona que comandam as redações do jornais.
- - Ao plágio, já de si grave, soma-se o tormento da crescente perda de reputação e de elemento de referenciação na cadeia de consumo de ideias ou de produtos culturais emanadas dos velhos jornais e revistas. Qualquer blogger com um QI médio (digamos) pega num semanário ou num diário, ou até numa revista e rápidamente conclui: pagam 100, 150cts a este cromo demodé, algum ex-salazarista ou post-modernista oco - altamente previsível - para fazer este artigo de opinião; e eu faria melhor a mais baixo preço. Qual ou quais, de entre os bons bloggers, já não fizeram este juízo??? Eu, confesso, estou farto de o fazer... Aliás, eu já não compro jornais há 3 anos...Faço toda a filtragem pela WWW.
- - Nem já tenho pachorra para ler os megas ferreiras que não só têm a mania, como se tornaram personalidades borderline, completamente egocêntricos, ou seja, com uma personalidade obsessiva, e quando dão entrevistas dizem para a entrevistadora: "sabe que eu escrevo muito bem"!!! Como um dia televisionei com o "sr. Expo/98" - dizer, creio que para aquela senhora que balsemão conheceu bem antes de Carrilho... - MFerreira é um desses cromos que goza de grande influência no meio, sabe-se lá porquê e a troco de que favores ou contrapartidas!!!... Ler aquelas croniquetas na visão é que não. Aquilo é enfadonho e tem um tique de narcisismo que mata qualquer bom escritor, ou pretensamente bom escritor - que se afirma enquanto tal.
- - Mas a blogosfera nada tem contra esses cromos narcisistas, antes ela também enferma desses males e desses pecados. Pensemos agora na escolha de um livro que podemos comprar on line. Sucede, como sabemos, que antes de o adquirirmos podemos guiar a nossa decisão por "n" opiniões e juízos de outras pessoas, ou até consultar outros que já leram esse mesmo exemplar. Quer isto dizer que a blogosfera - o ciber-espaço (lato sensu) tem-se afirmado com um pólo de inteligência conectiva capaz de modificar a decisão, neste caso, de compra de um simples livro.
- - Disso se aperceberam até os próprios autores de livros famosos - que tinham assinado com outros nomes, e foram mais tarde desmascarados por bugs momentâneos do sistema que revelou as suas verdadeiras identidades. Ou seja, em inúmeros casos esses autores famosos foram surpreendidos a inserir opiniões positivas sobre os seus próprios livros e a tecerem sobre os livros da concorência comentários negativos - visando penalizar os autores congéneres rivais.
- - Aqui a influência da Amazon é estrondosa, ela é bem conhecida dos editores norte-americanos, como nos recorda Granieri. O exemplo de Dan Brown - autor do Código Da Vinci - agradeceu isso à Amazon; ao invés de outros autores que pelo facto de terem entrado em polémica com comentadores da Editora viram as suas vendas baixar consideravelmente.
- - Isto significa que as lutas entre os velhos e os novos media situam-se já noutro patamar. A WWW promove e destroi carreiras, os jornais de papel já vão sabendo disso, mas procuram - no que concerne à blogosfera - isolá-la o mais possível de modo a perderem quotas de sedução e de atenção relativamente aos media clássicos. É uma luta pelo poder, o plágio emerge aqui como um elo duma cadeia maior. Uma cadeia que é comercial, económica, simbólica, empresarial. Hoje ambos lutam por links, por atenção, embora saibamos que nem todos os elos têm todos os mesmo potencial.
- Mas o mais dramático para os media tradicionais é começar a reconhecer-se que a opinião de uma simples pessoa, desde que guiada pela valia intelectual e orientada pelo sistema meritocrático, pode comportar tanto capital-intelectual e simbólico quanto uma estação de tv e um jornal inteiro.
- Neste contexto a blogosfera é mais do que uma comunidade de bloggers, na medida em que assume o papel de filtro colectivo - onde os jornais, revistas e tvs vão à sucapa e violando tudo quanto seja princípios deontológicos - e afirmar-se como uma espécie de Super-Google - pautando os conteúdos e sinalizando os principais pontos ou nós da Rede. A relação entre os media velhos e os media emergentes/blogosfera pode não ser confituosa, mas a conduta dos media tradicionais vai nesse sentido. E tudo não por causa das potencialidades das tecnologias da mobilidade - uma das principais características da globalização competitiva, mas por causa da estupidez do homem e daqueles pecados capitais que acima enumerámos.
- Mas enquanto esse reconhecimento (legítimo) da blogosfera não acontece, creio que ela terá de se afirmar como um conjunto de clusters mais ou menos comunicantes entre si, em que cada um é estrela num sítio e besta no outro, em função dos ambientes e do ciber-auditório.São esses pequenos mundos que vamos tecendo, cada qual à sua maneira e em função das suas capacidades e background culturais e motivações do momento. Porque certos blogs fazem mesmo serviço público, e fazem-nos de borla - não uma vez, nem duas nem 10 nem 20, mas sempre, e isso também é problemático. Sobretudo se compararmos a informação entre certos jornais e revistas e certos blogues... É nesses momentos que o Macroscópio cai da cadeira, a rir...
- Post dedicado a todos os blogues de qualidade que dão o seu melhor em prol da Liberdade e da Verdade analítica.
O deserto de assuntos de relevância eminentemente política leva-me à avaliação da importância crescente dos blogues que, em Portugal, nascem à cadência de cem por dia. Podemos resumir esta quantofrenia referindo que no último século dispusemos, basicamente, de dois meios de comunicação: de um para muitos (livros, jornais, rádio, TV); e de um para um (cartas, telégrafo e telefone). Hoje, pela 1ª vez, a Net permite-nos comunicar de muitos para muitos e de alguns para alguns, o que acarreta profundas implicações quer para os antigos destinatários, quer para os actuais produtores de notícias que, sentados nas poltronas dos seus gabinetes editoriais, vêm agora esbatida a velha fronteira entre essas duas categorias. O novel presidente do CDS, o eurodeputado Ribeiro e Castro, espelhando o esprit do tempo novo, disse até que organizou a sua campanha por SMS. "Translumbrante"...
Se atentarmos na paisagem virtual em Portugal, verificamos que emergiram dezenas de blogues de qualidade excepcional. São sistemas ricos, complexos e de retorno, como formigueiros, que nos explicam que o todo é mais inteligente do que a soma das partes. Na prática, os blogues permitem individualizar a comunicação, falar alto sem ficar rouco, e, por milhares de interacções, criar um sistema de comunicação global que cresce, como cogumelos, da base para o topo. O que só sucede com sistemas digitais.
Eis o diamante da comunicação: o blogue, que se expande à velocidade da luz permitindo que todos nos tornemos editores, fazendo pequenos jornais online, tecendo hiperligações e notas que engrossam o caudal da (in)formação/opinião por uma ordem cronológica invertida, uma vez que o último blogue é sempre o 1º da página. Portanto, o velho jornalismo é agora desafiado pelo admirável mundo novo que já não depende só de profissionais da comunicação, mas em que os amadores são admitidos no clube. E hoje, pelo que sei, creio que são os bloggers os pilotos da maior máquina do mundo.
Primeira consequência desta transmutação: o núcleo da autoridade no jornalismo clássico está a mudar, deslocando-se para a plataforma dos blogues. Que, por serem mais rápidos, ágeis e criativos na recolha, produção e manipulação de informação (e contra-informação), passam a vigiar as velhas “raposas” do jornalismo de poltrona. E ninguém gosta de ser vigiado na opacidade da sua caixa negra. Daqui decorre uma 2ª consequência: é que a comunidade “bloguista” não hesita em atacar os jornais, as revistas e outros media tradicionais devido à violação, real ou imaginária, dos princípios da verdade e da justiça. Ora para as velhas raposas, com baixa cultura científica mas com elevada tarimba, isto é uma heresia na sala das máquinas. É como se os soldados enfrentassem os generais numa paisagem virtual.
Portugal goza já de inúmeros desses blogues de excepcional qualidade, que marcam o ritmo e formatam a opinião pública. Outros há, ao invés, que vivem numa relação parasitária com o seu autor. Refiro-me, por exemplo, ao Abrupto (de P. Pereira) que é um blogue-celebridade e reconhecidamente fraco pela comunidade dos bloguistas.
Mas o ponto é este: o jornalismo profissional, tarimbado, que se fecha em fortaleza porque sabe que é mais vulnerável, compreendeu os skills superiores vindo das margens que galgam para o centro. Questionando a hierarquia vertical do moderno jornalismo, já que foi notório que os directores dos jornais não souberam aceitar a pujança dessa mega-máquina. Tal como jamais conceberam que os leitores pudessem estar na vanguarda em matéria de produção de informação.
Mas logo que os media perceberam o que estava a suceder, a cobertura arrancou. E os grandes meios de comunicação também quiseram acompanhar o ritmo reconhecendo, tacitamente, que algum do melhor jornalismo político estava no viveiro dos blogues, i.é, fora das fileiras do jornalismo de poltrona.
Porque era aí que eles eram mais eficazes no enquadramento/tratamento dado às notícias do que as agências noticiosas. Talvez não tenha sido por acaso que os militares de elevada patente tenham concedido grande importância a certos blogues (r
epositórios de ideias políticas) no âmbito da guerra do Iraque. Mostrando que o valor desse nicho de jornalismo de ideias já não se confinava às folhas de papel de jornais e revistas. Qualquer dia Marques Mendes sabe disto, faz um blogue e ganha as eleições.
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