sexta-feira

A ameaça dos Weblogues

  • A ameaça dos Weblogues O deserto de assuntos de relevância eminentemente política leva-me à avaliação da importância crescente dos blogues que, em Portugal, nascem à cadência de cem por dia. Podemos resumir esta quantofrenia referindo que no último século dispusemos, basicamente, de dois meios de comunicação: de um para muitos (livros, jornais, rádio, TV); e de um para um (cartas, telégrafo e telefone). Hoje, pela 1ª vez, a Net permite-nos comunicar de muitos para muitos e de alguns para alguns, o que acarreta profundas implicações quer para os antigos destinatários, quer para os actuais produtores de notícias que, sentados nas poltronas dos seus gabinetes editoriais, vêm agora esbatida a velha fronteira entre essas duas categorias. O novel presidente do CDS, o eurodeputado Ribeiro e Castro, espelhando o esprit do tempo novo, disse até que organizou a sua campanha por SMS. "Translumbrante"...
  • Se atentarmos na paisagem virtual em Portugal, verificamos que emergiram dezenas de blogues de qualidade excepcional. São sistemas ricos, complexos e de retorno, como formigueiros, que nos explicam que o todo é mais inteligente do que a soma das partes. Na prática, os blogues permitem individualizar a comunicação, falar alto sem ficar rouco, e, por milhares de interacções, criar um sistema de comunicação global que cresce, como cogumelos, da base para o topo. O que só sucede com sistemas digitais.
  • Eis o diamante da comunicação: o blogue, que se expande à velocidade da luz permitindo que todos nos tornemos editores, fazendo pequenos jornais online, tecendo hiperligações e notas que engrossam o caudal da (in)formação/opinião por uma ordem cronológica invertida, uma vez que o último blogue é sempre o 1º da página. Portanto, o velho jornalismo é agora desafiado pelo admirável mundo novo que já não depende só de profissionais da comunicação, mas em que os amadores são admitidos no clube. E hoje, pelo que sei, creio que são os bloggers os pilotos da maior máquina do mundo.
  • Primeira consequência desta transmutação: o núcleo da autoridade no jornalismo clássico está a mudar, deslocando-se para a plataforma dos blogues. Que, por serem mais rápidos, ágeis e criativos na recolha, produção e manipulação de informação (e contra-informação), passam a vigiar as velhas “raposas” do jornalismo de poltrona. E ninguém gosta de ser vigiado na opacidade da sua caixa negra. Daqui decorre uma 2ª consequência: é que a comunidade “bloguista” não hesita em atacar os jornais, as revistas e outros media tradicionais devido à violação, real ou imaginária, dos princípios da verdade e da justiça. Ora para as velhas raposas, com baixa cultura científica mas com elevada tarimba, isto é uma heresia na sala das máquinas. É como se os soldados enfrentassem os generais numa paisagem virtual.
  • Portugal goza já de inúmeros desses blogues de excepcional qualidade, que marcam o ritmo e formatam a opinião pública. Outros há, ao invés, que vivem numa relação parasitária com o seu autor. Refiro-me, por exemplo, ao Abrupto (de P. Pereira) que é um blogue-celebridade e reconhecidamente fraco pela comunidade dos bloguistas.
  • Mas o ponto é este: o jornalismo profissional, tarimbado, que se fecha em fortaleza porque sabe que é mais vulnerável, compreendeu os skills superiores vindo das margens que galgam para o centro. Questionando a hierarquia vertical do moderno jornalismo, já que foi notório que os directores dos jornais não souberam aceitar a pujança dessa mega-máquina. Tal como jamais conceberam que os leitores pudessem estar na vanguarda em matéria de produção de informação.
  • Mas logo que os media perceberam o que estava a suceder, a cobertura arrancou. E os grandes meios de comunicação também quiseram acompanhar o ritmo reconhecendo, tacitamente, que algum do melhor jornalismo político estava no viveiro dos blogues, i.é, fora das fileiras do jornalismo de poltrona.
  • Porque era aí que eles eram mais eficazes no enquadramento/tratamento dado às notícias do que as agências noticiosas. Talvez não tenha sido por acaso que os militares de elevada patente tenham concedido grande importância a certos blogues (repositórios de ideias políticas) no âmbito da guerra do Iraque. Mostrando que o valor desse nicho de jornalismo de ideias já não se confinava às folhas de papel de jornais e revistas. Qualquer dia Marques Mendes sabe disto, faz um blogue e ganha as eleições.
  • Nota: este texto foi publicado na imprensa em 2005. E Pacheco Pereira, não obstante a crítica dura que lhe fizémos, teve a coragem ou a humildade de o republicar no seu blog, o Abrupto. Ontem fez um artigo que é bem mais do que isso, pois trata-se duma reflexão de pendor sociológico que exige séria meditação. E não é às 5 da madrugada que vou meditar no Pacheco Pereira, por mais produtiva ou reflexiva que seja. E ao lê-lo em 1ª mão no blog Portugal dos Pequeninos - achei que se tratava duma nova (velha) oportunidade para alinharmos aqui uns resíduos intelectuais. Esses apontam sumáriamente para o seguinte: acho que Pacheco Pereira já andava a pensar nesta reflexão há uns 60 dias. E a semana passada encontrou-se secretamente com o Manel Castells e o "Beto" Eco alí na Av. de Berna e foram todos os três conspirar para os jardins da Fundação C. Gulbenkian. E dessa conspiração resultou esta peça sociológica de grande actualidade e vigor, que não é mais do que a magia do (nosso) espelho. Um espelho, um jogo de espelhos, com muitos espíritos e fantasmas - todos conhecidos e identificados, e que agora se começam a desdobrar e a multiplicar como formiguinhas e minhocas digitais, mas, ao mesmo tempo, carnais. Julgo, contudo, que caberá sempre ao leitor ser o verdadeiro autor da narrativa que vai lendo, segundo os óculos que usa, segundo o seu próprio questionar, pode até ler aí a crassa ignorância que o guia para o mundo, entalando-o, por vezes, no absurdo. E quantas vezes eu próprio não esbarro nesse "tal absurdo" em cada esquina?! Creio que este é um exercício que valerá a pena aprofundar: conhecermo-nos todos muito melhor, expiarmos alguns pecados e matarmos alguns fantasmas. Mesmo sem a garrafa "Visky" Dimple 3 murros por perto. Só groselha e água tónica... Pois é no nosso olhar, mais do que no objecto que ele observa, que se mantém a essência da coisa que vemos (para o melhor e para o pior). E não no diabo, preso ao nosso pequenino narcisismo, mas ao do anjo quando desce à terra para nos guiar. Espero, sinceramente, que valha a pena debater a peça semiótica, psicológica, sociológica, politológica que nos lança a todos José Pacheco Pereira. Se soubermos pôr as pequenas invejas e e o espírito de capelinha de lado seremos capazes de ver algum horizonte e fixar algum zenite nesta digitalização emergente que nos (des)governa. Se nos armarmos em cágados de corrida, as usualy, ficamos com o trombil colado à areia, arrastando-nos lentamente em direcção às ondas do mar que nunca mais chegam para nos levar... Acho que só temos uma opção!!! A melhor.
  • Dedicamos este blog à memória de João Paulo II, o Papa do séc. XX, um espírito dos tempos - que nos legou uma semente de futuro.