sexta-feira

Hermés e o erro do curandeiro

Hermés - é o deus da contradição, da metamorfose contínua, é volátil e ambíguo, pai de todas as artes, e também deus dos ladrões. Mas aqui não é o caso, embora no mito que o rodeia - cole à própria não aceitação da identidade que hoje pauta a conduta de imensos blogs. Além do hermetismo que suscita, é também o deus da mensagem, ainda que por vezes se mate o mensageiro antes da mensagem chegar, mas isso é outra "estória".
Ontem a blogosfera recebeu mais um input através do blog de José Pacheco Pereira, o Abrupto. Gostei. Há ali muitas verdades, sobretudo se pensarmos que 80/90% - talvez mais, dos comentários produzidos são meros exercícios de autoprojecção, de colagem para subir no termómetro da pequena fama. Mas ir ao ponto de sugerir que os blogs sem caixas de comentários "quase" não existe é surrealista. Por essa ordem ideias o blog de PP também não existiria (apenas o seu autor por ser quem é..), uma vez que não tem caixinha aberta nem sequer, o que é mais surrealista, links. Porventura, escolheu um template com pouco espaço na vitrina... É, portanto, um blog autosuficiente; não cita nem referencia ninguém; é só um blog receptador dos seus mui garbosos leitores e participantes; ora um blog de retratos; é um blog que teorisa a rede mas depois não compreende a estutura nem o simbolismo do que lhe é superior: o rizoma. Lendo aquele belo artigo de PP fica-se com a noção de que ele se encontrou mesmo com o Manel Castells à socapa nos jardins da Gulbenkian - para fazerem a coisa a meias. Mas, ao menos, PP poderia acompanhar mais Castells, especialmente se defende a rede e depois actua - como me parece que faz PP (não tendo links nem caixa de comentários) como se estivesse a operacionalizar a rede eléctrica. Portanto, PP parece-me alguém que está em transição entre duas figuras, dois modelos: o Bill Gates e o chefe dos maquinistas dos Caminhos-de-Ferro portugueses no séc.XIX, ali com sede no Entroncamento, terra de grandes fenómenos como é sabido. No fundo, PP teoriza-nos a rede, os malefícios duma certa digitalização das sociedades - como todos aqueles neocomportamentos que cita (comentários torpes, canalhas, invejosos, holligans), e bem, mas depois suscita-nos a energia da (ainda) sociedade inudstrial, pré-internet que foi a tecnologia que a preparou e na qual hoje todos vegetamos como zoombies. Caramba, poderiam ambos convergir nisso: pois vêm ambos da esquerda, e aqui PP bate o Manel Castells aos pontos, dado que evoluiu para o PSD quando há 30 anos lhe assaltaram a casa e queimaram e roubram os livros. Não o critico, confesso, pois eu se calhar até faria pior se me fizessem o mesmo, não sei!!! A rede é, de facto, um conjunto de elos interligados, mas PP só se liga na SICNews, no Público e aos meios de comunicação de massa, e depois vai discutir política com o Jorge Coelho. Lindo!!! Já gora, sabem se J. Coelho tem blog??? É que queria muito linká-lo. É esta gestão da complexidade que me fascina nestas teorizações que a moderna sociologia dos media e da comunicação vai engendrando, para sobreviver conceptualmente, é claro!! Mas tudo isto - e incluo também aqui um blog muito estranho, como o Espectro, pois parece que foi concebido para durar uns 60 dias ou coisa parecida, como aqueles concursos para o guiness, me faz lembrar a realização do chamado Erro do Curandeiro - que acredita na sua própria propaganda. O que se pode fazer nestas circunstâncias especiais das sociedades que estão inseridas em dinâmicas de crise, é gerir a convalescença. Pois mais do que o remédio ou a pilula que nos querem dar (ou dourar), a breves instantes do 25 de Abril, seria decisivo a capacidade de regeneração das próprias comunidades virtuais, mesmo quando confrontadas com guerrinhas de Alecrim e Manjerona - entre dois blogs e pessoas que se "estimam" muito - o Abrupto e o Espectro. Para mim, confesso, que tanto um como outro os acho blogs mui medianos, pois ficam muito aquém do que, por exemplo no caso de PP, poderia fazer e não faz. Não por serem blogs de autores conhecidos na sociedade ou fazerem dos links ou da caixinha dos comentários a sua quantofrenia que mede a notoriedade que têm, mas, acima de tudo, por nenhum deles se preocupar genuinamente com o processo de transição que está em curso, e que escapa à influência de ambos. Acho até de muito mau gosto as pessoas linkarem um blog depois de ele assumidamente ter fechado portas. Só compreendo isto pela via da pretensão de as pessoas quererem ascender a mais um palminho de notoriedade à pala daquelas celebridades. Eu próprio linkei o Espectro, até porque a Constança é uma mulher muito interessante, mas depois, simplesmente, tirei-o. Cadáveres no armário é que não. Muitos outros blogs existem na blogosfera - incomensuravelmente mais interessantes e melhores. Não só no concept-design como também nas ideias, na prosa e na capacidade de produção intelectual e de relacionação do mundo social ao mundo físico, fazendo pontes entre as ciências sociais e as chamadas ciências duras. É óbvio que isto não me dá votos, nem links. Mas para quê??? Então, cada um não sabe ver o que tem, ou o que é ou para onde vai? Cada um não tem consciência do seu putativo valor? Ou será que precisamos de medir a nossa altura ou espessura pelos blogs de Pacheco, Constança e Pulido Valete? Apesar do seu valor e mérito, não creio que seja necessário. De todo. O vedetismo e a luta entre "galos" - que nos é completamente alheia (embora as pessoas não percebam, e são facilmente instrumentalizadas naquelas caixinhas de comentários, pois estão alienadas, a maior parte delas, claro está!!!) acaba por estragar tudo. E as pessoas pobres de espírito o que querem é fazer lá um comentário na esperança de depois serem automáticamente linkadas. E quando o são entram em extâse, saem do sério e querem voar, mesmo sem asas. Esta é a realidade. É pena que seja assim. Mas como em tudo há excepções. É para esses que esta pequena reflexão é dedicada. Pois são esses blogs, os "tais" quase "anónimos" - com ou sem caixa de comentários aberta - que contribuem para a formação do novo padrão de comunicação ou de configuração do conhecimento (com muita asneira à mistura, é certo!!!) a que até os jornais ditos de referência - onde escrevem Pacheco, Constança e Pulido Valente - vão beber antes de pensar ou dizerem qualquer coisinha. Nem sempre, mas às vezes. Vezes cada vez mais frequentes.
  • Publique-se porque há muito espaço na vitrina.