Blogosfera - para que te quero (II)
Chove a potes em Lisboa. Admito que também não faça sol nos arredores - Algarve e Minho. Isto é bom porque lava muitas almas, muitos carros e muitas ruas. Espero que lave também muitas das más políticas públicas do governo. As estátuas também saem beneficiadas com esta lavagem. Os dejectos do pombos saem, mas muita ferrugem fica. Como diria a minha q. avó - não há bela sem senão. E antes dela alguém o terá dito...
Mas o tema não é a chuva nem o que ela consegue lavar. O tema é a blogosfera e a utilidade que muitos de nós lhe damos. Desde logo, sinalizo três grandes vantagens relativamente aos demais meios tradicionais: 1) uma arquitectura cuja estrutura é reticular; 2) permite um poder de ligação entre pessoas e instituições sem precedentes; 3) e minimiza o risco de cortes de comunicação nessas ligações.
Quer isto dizer que a blogosfera ofece flexibilidade e uma ausência de comando, o que concede uma enorme autonomia a cada um de nós. É esta sensação de liberdade que nos faz supôr que trabalhamos sem "patrão", operamos sem dono. Assim, dispensamos quem estaria sempre a dizer: "faz assim ou faz assado". Especialmente, porque quem manda, a maior parte das vezes, sabe menos do que os mandados... Julgo que é isto que torna a blogosfera um poderoso e aliciante meio de comunicação. Liberdade pura e dura, ausência de "dono". O nosso único dono limita-se ao nosso conhecimento, ao common sense e à forma de comunicar. Portanto, poderia aqui aplicar-se a orientação existencialista de máxima liberdade, máxima responsabilidade. Infelizmente, muitos de nós esquecemos por vezes esta última, e só queremos a Liberdade. Talvez por isso a nossa conduta, tantas e tantas vezes, descambe em libertinagem.
Aqui até os vínculos são perenes, abertos e variáveis, como o próprio software. Mas outra das vantagens intangíveis da blogosfera - que jamais poderá ser medida de forma rigorosa, é a inovação tecnológica - não enquanto tal, mas naquilo que proporciona à sociedade manipular: conhecimento, saber e sabedoria, prazer individual e criatividade. Valores coadjuvantes da própria Liberdade.. que, afinal, nos permite fazer tudo isso.
Depois há ainda uma responsabilidade acrescida, sobretudo para aqueles que fazem crítica social ou análise política. Não nos preocupa aqui os artigos estafados dos articulistas do dn, público, visão e demais meios, pois já é com extrema facilidade que se elege meia dúzia de blogs onde essa actividade é superiormente qualificada, ainda por cima servida de forma gratuita aos leitores, o que releva aqui é essa capacidade que a blogosfera nos proporciona de pôr em marcha um sistema de comunicação verdadeiramente horizontal e livre. Um sinal da prática da liberdade em toda a sua dimensão e à escala global.
Isto é tanto mais importante na medida em que muitos dos grupos mediáticos, leia-se os velhinhos jornais de papel, integram grupos económicos que têm interesses empresariais a defender no mercado. Não nos podemos esquecer que são empresas que visam o lucro, elas não estão no mercado para perder dinheiro ou acumular passivos, como o défice público ou ainda fazer caridade. Por isso, também a blogosfera - de que eu sou apenas uma partícula, serve de contraponto analítico a esses grandes grupos mediáticos, muitos deles com informação, comentário e análise paga (ou tenciosa) - como fazem as modernas Agências de Comunicação - tardiamente denunciadas por Maria Carrilho.
Julgo, portanto, que a nossa blogosfera, com altos e baixos neste carrossel da info-globalização e do info-entertainment, com muitos excessos e algumas ofensas ao bom nome das pessoas e das instituições (nalguns casos bem validados até), reflecte a sociedade que somos hoje. No pior e no melhor: no pessimismo e na esperança. Cabendo a essa grande rede a exercitação dessa tal liberdade de expressão de muitos para muitos ao mesmo tempo. Ora é esta conectividade na rede que permite a qualquer pessoa, algumas delas até aprendem a escrever na blogosfera, contribuir para engrossar o caudal das comunicações on line. Quantos mais pontos houver na rede maior será o benefício que a rede depois confere a cada um desses nós do risoma. É a este efeito que se chama rendimentos crescentes numa economia assente na inovação e na troca horizontal de informação. Se assim é, podemos afirmar que é esta capacidade autodirigida que cada um de nós dispõe para encontrar o seu próprio destino na Rede. Mas também não se deve negligenciar um dado incontornável: a expansão da internet e da suas vantagens e aplicações tem conduzido a um isolamento social e a uma certa esquizofrenia e ruptura da vida social e familiar que tem empurrado muitas pessoas para o anonimato, para a despersonalização da relação com o "outro". Em suma, para uma sociabilidade aleatória fazendo com que sejam as identidades simuladas (protegidas pelo tal anonimato) e os role-playing a verdadeira face da realidade. Mas, de facto, não é. Por isso, também aqui é preciso ter cuidado, já que a internet tem vindo a ser acusada de desviar as pessoas para experienciarem - porventura em demasia - essas dimensões ocultas das fantasias on line - fazendo com que a vontade e autonomia do próprio indivíduo fique secundariazada por outros elos da cadeia da decisão cibernética que hoje recria o mundo como uma realidade virtual. A tal ponto que até já se diz que toda a realidade só o é se, em 1º lugar, tiver uma componente virtual. Esta relação com a nova tecnologia acontece após já se ter esgotado e/ou queimado toda a rede de relações (pessoais e institucionais) na sociedade de carne & osso. Confesso já ter encontrado inúmeras pessoas assim, que hoje identificam na rede a possibilidade de refazer caminhos, reconstruir soluções de vida, criar a sua própria Rede, como escapatória... Mesmo que não o admitam. Tudo para dar um sentido à vida. E também isto é legítimo. Afinal, todos nós procuramos dar pequenos saltos para chegar a algum lado. Até porque tudo o que é natural é racional, até saltar a cerca..., como diria o filósofo...
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