- Esta reflexão decorre das palavras de Pauleta de 4ª f. e já foi enquadrada no post anterior, daí a interligação entre ambas. Mas o tom seminal das suas palavras merece novo desenvolvimento. Desta feita, tentarei fazer com que o Futebol sirva para algo mais, i.é, para equacionar problemas mais vastos: os chamados meta-problemas que hoje se colocam à organização das sociedades contemporâneas.
- Se a política, de per si, já não basta para mostrar que temos um projecto comum, uma afinidade, uma obrigação relativamente aos nossos concidaddãos - então teremos de recorrer aqui ao conceito de Benedict Anderson - de Comunidade Política Imaginada - que existe apenas nas mentes daqueles que se vêem como cidadãos da mesma nação. Embora os cidadãos não cheguem a conhecer a maior parte dos outros elementos da Nação, mas pensam em si próprios como seres que partilham uma fidelidade, uma bandeira, um desafio comum, um valor partilhado, uma instituição: pode ser a Constituição (que hoje já não diz nada a ninguém, nem aos deputados que a votam nas costas do povo e tendo o Algarve e o Brasil como pano de fundo), as regras do jogo democrático, os princípios de tolerância religiosa, o laicismo da sociedade com a separação do Estado da igreja, o reconhecimento da lex, etc, etc..
- Pauleta, sem querer, veio recolocar uma velha questão apreciada pelas ciências políticas. Bastou uma frase: Portugal nã tem medo de ninguém... Este orgulho, esta potência, esta compressão, este auto-domínio, aquela expressão disse mais pelo que ocultou do que pelo seu valor facial e descritivo. É claro que não é legítimo pedir ao Pauleta grandes teorias, datas, e outras tantas articulações da epistemologia, da história, da ciência política e da ciência nova que explicam factos velhos, mas a sua expressão colocou autoridade na sala de imprensa e deixou os jornalistas em sentido. Foi bonito ver o Pauleta naquele registo. Por isso lhe dedicamos mais esta reflexão.
- Vejamos agora algumas dessas consequências: as palavras de Pauleta tiveram o mérito de recuperar a noção de Comunidade Imaginada/CI que compensa a inexistência de uma comunidade real, visível, estabilizada e colectivamente feliz e pujante na qual era suposto existirem laços pessoais e obrigações mais concretas de reciprocidade. Esta noção de pertença ou de identidade espelha, por outro lado, como a concepção de nacionalismo (reportemo-nos agora à Selecção Nacional neste Mundial de 2006) se apoderou do mundo moderno, com os oportunismos ideológicos do costume.
- Quiça por ser uma necessidade mitigada: por um lado, por ser uma descrição da própria evolução histórica das sociedades; por outro lado, por recortar uma prescrição para o futuro imediato, algo que se deseja venha a realizar.
- Mas o tom e as declarações de Pauleta suscitam outra avaliação que importa reter. Revela uma descrição esclarecedora na medida em que mostra uma ideia moderna de que devemos, primeiro que tudo, uma lealdade à Comunidade nacional, ou seja, à Nação - que é indissociável à forma como nos vemos também a nós próprios - enquanto homens e cidadãos.
- Se Benedict Anderson estiver certo na sua apreciação relativamente ao conceito de CI, também Pauleta o estará. Assim, ambos estão certos porque defendem uma correspondência entre a noção de nação moderna com o conceito de Comunidade Imaginada, a tal que só existe virtualmente nas nossas mentes, mas que depois salta para o terreno onde se exercita o jogo.
- Esta articulação enquadra-se, em síntese, num retrato mais complexo do conceito de desenvolvimento a que hoje chamamos de globalização, o qual nos deveria remeter para a reconsideração da importância moral que atribuímos às fronteiras nacionais.
- Deste contexto emerge uma grande questão (que Pauleta não enunciou, mas se calhar pensou): será que no longo prazo é melhor continuarmos a viver nas tais "comunidades imaginadas" identificadas tradicionalmente com os Estados-nação ou, em alternativa, valerá a pena começarmos a considerar que integramos a tal Comunidade Imaginada (global) do mundo post-moderno!?
- Se optarmos por aquela veiculamos a ideia de portugalidade dentro das suas fronteiras nacionais já com quase nove séculos de existência (letra e espírito do que Pauleta pretendeu significar); se optarmos por esta definição (de B. Anderson - reinterpretada abertamente) não temos referências muito sólidas, i.é, no limite - estamos no mundo aberto, sem fronteiras, sem regras e sem referências, caímos no caos e na anarquia.
- E é aí - no mundo - que também residem os nossos problemas comuns, hoje mais interligados para poderem ser resolvidos se continuarmos a ter como elemento de referenciação o Estado-nação - no qual os cidadãos atribuem mais importância à lealdade dos seus próprios países do que à ampla e vaga ideia de comunidade mundial - sempre de valor jurídico e político inimputável. E bem sabemos como o Júlio de Matos está repleto de inimputáveis que - "no instante do disparo" - julgavam que o que tinham nas mãos não era uma pistola mas um brinquedo do Lego.
- Contudo, julgo que a melhor resposta - a única disponível - neste momento é fazer como o Pauleta: ter ousadia. Ou seja, já no séc. v a.C. o filósofo chinês Mozi, horrorizado com a devastação provocada pela guerra no seu tempo, perguntou: Qual é a via para o amor universal e o bem comum? E respondeu à sua própria questão: É considerar os países dos outros como o nosso próprio país. Pauleta referiu que não temos medo de ninguém, mas também acrescentou: respeitamos os outros, somos tolerantes. - Diz-se também que o grego Diógenes, quando lhe perguntaram de que país era oriundo, afirmou: "Sou um cidadão do mundo". Sócrates - o filósofo - também deu essa resposta. O nosso PM, o engº Sócrates - também tenta dar essa mesma resposta através da net e dos Ctt, e o famoso John Lennon, ex-Beatle, também anotou essa preocupação numa música com uma letra conhecida: "Imaginar que não há países (...) e que todos partilhamos o mundo" (Imagine).
- Bem sei que tudo isto configura pensamentos e sonhos de base idealista, desprovidos de qualquer possibilidade prática de materialização num mundo guiado pelos velhinhos Estados-nação - para que remetiam as tais declarações ousadas - que considero de valor histórico - de Pedro Pauleta. - Actualmente, mormente com o evento do Mundial de Futebol de 2006 rodado na Alemanha - atingimos, creio, um justo equilíbrio dessas duas teorias (o nacionalismo vs a busca da comunidade mundial). Uma clarificação teórica creditada a um futebolista que, pela coragem e ousadia do jogador da selecção nacional se poderia cunhar, como justa homenagem, por teoria Pauleta. Assim, se ganharmos o Mundial sempre poderíamos plantar uma estátua de bronze ao Pauleta, depois dar-lhe lustro e chamar-lhe um ilustre português que soube dizer o que se impunha no momento e no tempo certos. Oxalá amanhã ele (e a selecção nacional no seu conjunto) consiga traduzir isso em resultados. Oxalá...
PS: Sabemos que o pfof. Freitas do Amaral demitiu-se do governo alegando imperiosos motivos de saúde. Foi uma ideia feliz, embora tardia. Se bem me lembro, como diria V. Nemésio, não houve um dossier gerido pelo titular das Necessidades que tenha corrido bem: o caso dos cartoons (quem já se lembra...); os emigrantes portugueses no Canadá; as recolocações diplomáticas, agora as declarações sobre Timor/Austrália e tutti quanti. Em muitas dessas declarações, reconheço que Freitas até tinha razão, mas em quase todas revelou uma manifesta falta de tacto político que surpreendeu pela negativa. Com tanto erro e inépcia para o cargo cheguei a pensar que quem dirigia a política das embaixadas e, por extensão, a política externa portuguesa era um senhor que foi jornalista e dá pelo nome de Carneiro jacinto. Curiosamente o senhor do talho que me vende os bifes de Perú também responde pelo mesmo nome. Mas isso não importa. Contudo, queremos aqui sublinhar que Freita não é nenhum arrivista da política, é antes um homem rodado, com qualidade política, intelectual e científica com provas dadas. E foi talvez o CDS-PP - seu ex-partido, que mais (injustamente) o atacou política e até pessoalmente. Pediram até várias vezes a sua cabeça dentro e fora do Parlamento, basta recordar algumas declarações do sr. Pires de Lima, hoje administrador de qualquer coisa, portanto, um turbo-deputado. Desejamos daqui que a operação às costelas do prof. Freitas do Amaral corra bem, e que depois, já restabelecido, possa voar baixinho, retornar à vida civil onde em vez de ganhar 800 cts/mês passe a ganhar 8.000 mil cts/mês. É só uma questão de zero(s). No fim concluirá que fora do governo é um homem mais feliz e terá até mais tempo para a família, além de se dispensar de andar de avião, coisa que detesta. Segundo reza a história, e apesar das retas e da ausência de semáforos - também não há oficinas lá encima. Mas o ponto de situação, com mais rigor histórico, é feito aqui ao lado no Jumento - que depois de analisar a tal entrevista ao Expresso - chegou até a vaticinar a sua partida. Só creio que não acertou no dia. Mas também não se pode ter tudo...