As cidades, tal como as pessoas, têm que se desenvolver em duas dimensões: na sua vertente simbólica e dos valores, e na sua vertente mais desenvolvimentista.
Aquela faz apelo à história, à cultura local e regional, aos costumes e práticas imateriais que remetem para um universo simbólico de memórias e relações que distinguem umas cidades das outras e lhes conferem especificidade entre as demais cidades de um tecido conjuntivo nacional. Esta outra dimensão, mais desenvolvimentista, remete o campo de actividades para o pensar urbano, para o planeamento das cidades de forma sistemática, o qual visa assegurar o acesso das populações a um conjunto de serviços urbanos, como a mobilidade (em que Portalegre deixa muito a desejar...), infraestruturas, educação, saúde, qualidade ambiental, etc.
Em rigor, o desenvolvimento genuíno não se confunde com uma simples expansão da malha urbana e uma crescente complexidade desse enredo urbano, mas com um desenvolvimento equilibrado do crescimento económico, da modernização tecnológica, das vias de acesso, de serviços sociais capazes de responder às necessidades das populações, no fundo, as cidades têm de saber responder ao desenvolvimento social e espacial dos seus territórios.
E cumpre ao Estado (central), numa primeira linha, e aos municípios, numa segunda linha, planear essa malha de desenvolvimento urbano capazes de qualificar as cidades, especialmente as do interior que estão mais confrontadas com os problemas do desenvolvimento, desde logo por terem populações envelhecidas, não serem capazes de atrair investimento (público e privado) orientado para a criação de empresas, empregos, bem-estar e prosperidade sustentável, ou seja, durável no tempo.
Ora, a cidade de Portalegre, por ex., enferma de todas essas lacunas da interioridade: as vias de acesso rodoviárias são pré-históricas, as populações estão envelhecidas e muito ruralizadas, os serviços de saúde são muito deficientes, a atração de investimento é uma miragem, a criação de emprego é nula, os incentivos à fixação de quadros qualificados é praticamente inexistente, o diálogo com o poder central é sempre desigual e não conduz a resultados práticos. E só nos momentos eleitorais as promessas ganham foros de cidade..., neste conhecido e cíclico teatro da política à portuguesa.
É neste contexto que o PR, Marcelo Rebelo de Sousa, vai iniciar as comemorações do Dia de Portugal (ou da "raça", como diria Cavaco...) em Portalegre. A tal cidade cujo marco do desenvolvimento ficou parado no tempo e marca passo na escala do desenvolvimento desejado, à semelhança, aliás, como outras cidades de pequena-média dimensão, como Abrantes, no Ribatejo.
Em termos simbólicos, é um acto gratificante para as populações do interior, qual espécie de "rebuçado político" dado a essa parte do interior do território esquecido por não dispôr de tudo o resto que é essencial ao seu desenvolvimento. Marcelo será, seguramente, recebido e ouvido como um rei numa república desfazada, em que as injustiças sociais ainda são tremendas, a taxa de natalidade deficitária, os salários baixos, a carga fiscal brutal, a ponto de sobrecarregar e asfixiar pessoas e empresas e libertando poucos recursos quer para o aforro, quer para o investimento em áreas reprodutíveis capazes de dinamizar sectores importantes da economia local ou regional.
Neste quadro, e além do convívio sempre saudável do PR com as autoridades e as gentes locais, que se sentem reconhecidas com a sua presença, o que restará dessa presença que comporta em si um imenso capital simbólico?
Alguma ajuda do PR para (re)pensar em atrair novos investimentos públicos e privados para a região?
- Alguma orientação para o Poder local agir duma certa forma e, por via disso, conseguir atrair novos projectos, quadros qualificados, tecnologias e uma lógica integrada de desenvolvimento capaz de fazer sair Portalegre do marasmo em que vive há décadas?
Exceptuando a carga simbólica do momento, inerente ao Dia de Portugal e das Comunidades, o que poderá fazer Marcelo pelo interior do país, esquecido que foi à promessa vã do desenvolvimento desejado por muitos?
Numa palavra: em que se traduzirá, na prática, a ida de Marcelo a Portalegre senão passear o seu ego, portador dum projecto de reeleição presidencial, sem que, com isso, a cidade de Portalegre fique a ganhar algo, senão uma cobertura mediática que potenciará o número de notícias do interior nos media nacional.
Será essa uma ocasião para o PR promover a região, que é de per se pobre, ou, perversamente, será a região pobre a promover o actual PR à sua reeleição futura!?
É que a lógica do desenvolvimento debate-se sempre com duas faces. Pois o que é bom para uns, por regra, acaba por ser lesivo para outros. E aqui "os outros" são as populações e as comunidades do interior esquecido de Portugal, num estado ainda demasiado centralista e burocrático, em resultado duma herança pombalista que parece não (querer) ser apagada pelo tempo.
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Etiquetas: O desenvolvimento das cidades e os "rebuçados" para Portalegre. Desenvolvimento de mercearia