quinta-feira

A Candidatura do Fandango a Património”, por Aurélio Lopes



Resultado de imagem para património imaterial, fandangoNota prévia: Uma reflexão interessante acerca do Património Imaterial, suas vicissitudes, ambições, desejos, equívocos e, porventura, exageros.

E, acima de tudo, não se compreende como é que a Região de Turismo do Ribatejo, pela sua história, cultura, diversidade e dimensão - no plano da promoção turística e cultural - não é hoje senão um apêndice da região de turismo do Alentejo, sem colar aqui qualquer tipo de luta de capelinhas. 

Ainda que as realidades sejam em inúmeros casos complementares, no plano da lógica da definição de prioridades estratégicas, ou seja, do desenho político e da autonomia da decisão administrativa, deveriam ser entidades regionais separadas, ainda que dialogantes, sob pena duma submergir ou condicionar a estratégia de actuação da outra.

Uma reflexão interessante por Aurélio Lopes.
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“A Candidatura do Fandango a Património”, por Aurélio Lopes




O fandango também era dançado pelas mulheres. Ilustração DR


Enfim! Parece que a divisão do Ribatejo por entidades regionais de turismo (nas quais dá origem, essencialmente, a apêndices), recebe como compensações este tipo de rebuçados que servem para comprar consciências e adormecer resistências; num processo administrativo de morte anunciada.
Passados três anos de esquecimento, este processo dá novamente mostras de reanimação.
Resta saber como é que o Fandango vai preencher o requisito que a UNESCO exige: o de se tratar, obrigatoriamente, de um padrão cultural vivo. Requisito que, como se sabe, o Fandango deixou de cumprir há largas décadas. Bem largas por sinal!

Portanto, para vender o mesmo como uma tradição viva e atuante (e não como a representação etnográfica que os diversos grupos, ditos folclóricos, hoje veiculam) obriga à construção de ações supostamente vivas: mas que, de vivas. só poderão, mesmo, ter o nome.
É um facto que o “cante alentejano” é, também ele, um padrão cultural praticamente fóssil e a respetiva Candidatura conseguiu vendê-lo como algo, se não vivo, pelo menos ainda ligado a uma qualquer máquina de reanimação. Suponho, contudo, que conseguir convencer os técnicos da UNESCO de que o Fandango é uma dança ainda hoje viva é, com certeza, bem mais difícil.
Seja como for, se o Fandango é uma dança morta há diversas décadas (de que os grupos folclóricos vão essencialmente preservando a memória), dela se pode dizer que é, talvez, a mais deficientemente representada no elenco programático dos agrupamentos ribatejanos.

Aquele que constituía, inegavelmente, o padrão cultural mais criativo e variado é hoje, curiosamente, o mais estereotipado. E, convenhamos, mal estereotipado.

Esperemos portanto que, a acontecer, a dita Candidatura consiga ver para lá da exagerada estilização que o enforma ainda hoje. E contribua, já agora, para não agravar mais os diversos equívocos que afetam as suas representações.
– Por exemplo, que o Fandango não é uma dança. Mas, sim, um tipo de danças!
– Que à semelhança de outras danças, igualmente vistas como regionais, o Fandango não constitui uma dança estritamente ribatejana!
– Que o Fandango não é, como se poderia julgar, uma dança em que o canto esteja, necessariamente, ausente!
– Que o Fandango, no Ribatejo, não era só dançado por homens, mas indiferenciadamente por homens e/ou mulheres. Isto tanto no Bairro onde (embora relutantemente) se foi há mais tempo aceitando, como na Charneca ou na Lezíria.
– Finalmente, que o Fandango não era, como hoje se julga, uma dança de movimentos rígidos, invariáveis, quase hieráticos, mas sim, pelo contrário, uma dança cujas variações se expressavam, livremente, a nível coreográfico.
Que consiga consagrar tais atributos; hoje estudados e comprovados. E não constitua, pelo contrário, a consagração (para memória futura) do erro e do equívoco!
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Sobre o autor

Aqui, Medio Tejo Net.


Investigador universitário na área da cultura tradicional, especialmente no que respeita à Antropologia do Simbólico e à problemática do Sagrado e suas representações festivas, tem-se debruçado especialmente sobre práticas tradicionais comunitárias culturais e cultuais, nomeadamente no que concerne à religiosidade popular e suas relações sincréticas com raízes ancestrais e influências mutacionais modernas. É Licenciado em Antropologia Social, Mestre em Sociologia da Educação e Doutorado em Antropologia Cultural pelo ISCSP da Universidade Técnica de Lisboa.


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