É intelectualmente desonesto compararmos o Estado pluralista ao Estado totalitário, até pela natureza das coisas, pois as virtudes daquele parecem incontestáveis. Contudo, é fácil vermos a sua fraqueza que é consequência das contradições que ele encerra.
Vejamos algumas dessas virtudes e, ao mesmo tempo, notemos também algumas das suas contradições: o Estado pluralista busca a paz social, a democracia e a concórdia mas, simultaneamente, vive em luta e competição permanentes, ora aberta, ora de forma encapotada entre facções e elites que se digladiam na luta pelo poder.
É o mesmo Estado pluralista que precisa do apoio da sociedade, mas quer sempre reforçar o seu Poder contra a sociedade, seja por via de impostos de forma draconiana, seja por via burocrática, normativa, nunca reconhecendo à sociedade o grau de autoridade que ele acha ser o único e legítimo detentor.
Nesta óptica, o Estado procura sempre garantir ao máximo que a sua vontade corresponda à vontade dos governados, logo a realizar o governo do povo e para o povo, ainda que este se ache incapaz de governar-se, paralisado que está pela carga fiscal, pela intervenção estrangeira (leia-se, troika), pela abundância de contradições e subsidiodependências do Estado, pai de todos nós.
Paradoxalmete, o Estado pluralista quer-se respeitador e valorizador da pessoa humana mas, ao mesmo tempo, actua em ordem a embrutrecer e a tornar dependente o povo do seu arbítrio fiscal, normativo, burocrático, etc.
Por outro lado, o Estado pluralista é altamente esbanjador, já que a obsessão pela conquista do Poder faz com que os governantes passem mais tempo a defender-se da oposição do que o que consagram à verdadeira solução dos reais problemas do país. Sendo legítima esta luta, em que as oposições procuram depor o poder estabelecido, o Estado pluralista parece, pois, poder definir-se como uma espécie nova feudalidade, dado que haverá sempre homens que mandam e homens que procuram protecção naqueles, os garantes do Poder estatal. O problema é que o Estado deixou de cumprir o seu papel de garante do futuro, dado que não consegue desenhar um futuro que seja aceite e participado pelas populações, e, se assim é, ele perdeu a sua missão protectora, deixou de ser o garante da colectividade cuja função é instilar esperança nas populações.
Daí termos, hoje, entre nós, um Estado pluralista, mas que está esvaziado da sua missão protectora, incapaz de oferecer segurança e um projecto colectivo de modernidade e desenvolvimento do bem comum com o qual a colectividade se possa identificar. O que temos notado em Portugal, é que frente aos fracos a violência dos grupos e das corporações mais fortes se organizam para defender os seus privilégios junto do Estado, que, por regra, cede; pelo que toda a sociedade restante, i.é, classe média e média-baixa já não é mais do que uma justaposição de forças entricheiradas donde partem as greves em que pretendem condicionar o Poder e, no limite, assaltar a cidadela estatal a ponto de a destituir.
Todavia, a notada rebeldia da sociedade civil em Portugal, muita dela organizada e dinamizada a partir das redes sociais, parece ter pouca influência no curso dos acontecimentos, até porque, como referimos, quem governa actualmente Portugal é a troika, e não o XIX Governo Constitucional em exercício. E será também por essa ordem de limitações que se torna mais problemático haver eleições antecipadas, ainda que reine a descrença colectiva em Portugal relativamente à generalidade das políticas públicas e aos seus agentes.
De tudo resulta que o alegado espírito de liberdade, de independência e autonomia da sociedade face ao Estado não existe verdadeiramente, existindo antes um espírito de clientela que se sente segura para exigir cada vez mais do Estado, fragmentando ainda mais a colectividade que se sente progressivamente impotente para fazer valer as suas convicções e direitos junto do Poder. Seja na esfera da Saúde, da Educação, do Trabalho, em qualquer área de actividade. Isto porque o tal espírito de clientela, protagonizado pelas corporações, desde a banca a sectores socioprofissionais poderosos, como o patronato, continuam a gozar de um ascendente junto do Estado que acaba por os beneficiar, com regimes de excepção, com regimes de favor...
Em suma: o Estado pluralista culmina no paradoxo de ser o regime que, oferecendo todas as exigências sociais a possibilidade de serem ouvidas é igualmente aquele onde as exigências das populações têm menos probabilidade de serem ouvidas e, muito menos, atendidas segundo o estado de necessidade em que se encontram. Por vezes em estado de emergência. Eis o que notamos hoje em Portugal: as reivindicações de todos a entrechocarem-se e a neutralizarem-se umas às outras, e é nesse jogo de fragmentações que o Estado, por um lado, e as corporações, por outro, conseguem tirar partido do espartilho dos interesses das massas divididas.
O Estado e as corporações podem ganhar, mas o Portugal profundo, na sua esmagadora maioria, perde. E isso também não é bom para o Estado nem para as corporações que com ele alinham na defesa dos seus muito particulares interesses.
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