sexta-feira

O paradoxo democrático e o efeito da desilusão



Portugal vive hoje uma crise múltipla, complexa e até absurda pela incapacidade de, ante a pressão da troika que nos asfixia financeiramente, gerar no seio do sistema democrático os procedimentos e os mecanismos adequados cuja finalidade é a produção regular de alternativas políticas, de modo a que as sociedades possam alterar a composição do poder político sem ter de recorrer a métodos violentos, típicos das ditaduras e dos regimes totalitários - que o longo e sofrido séc. XX testemunhou à saciedade.
 
A esta luz, a possibilidade de gerar alternativas políticas é um pouco como a liberdade de expressão, sempre preferível ao silêncio criminoso das ditaduras. Na democracia da Grécia antiga, sublinhe-se, Sócrates fora condenado à morte por "corromper os jovens". E na proto-democrática República Romana, havia censores para regular os bons costumes.
 
Contudo, por regra a alteração da composição do poder opera-se por efeito de desilusão ou da saturação com a composição do poder existente, i.é, se os resultados desta governação (XIX Governo Constitucional) fossem satisfatórios, não haveria razão para que fosse desejada a alteração dessa composição. Mas esse desejo, evidenciado à saciedade em todos os segmentos da sociedade portuguesa, aparece como natural se for considerado que a evolução das sociedades, a mudança gradual das suas condições estratégicas e de funcionamento, tenderá a desactualizar as anteriores linhas de orientação.
 
Na prática, é o sucessso passado que acaba por gerar as mudanças que provocam o seu fracasso gradual até que se instala a desilusão e a saturação.
 
Ora, esta passagem do pólo positivo ao pólo negativo pode dar-se apenas ao nível dos agentes políticos, quando estes perdem a sua função de protagonistas para ficarem confinados apenas ao papel de meros figurantes do sistema político, como hoje já acontece com cerca de 90% dos deputados que integram a Assembleia da República, sendo que a maior parte deles apenas ocupa um lugar e levante e baixa o seu braço quando a presidência do seu grupo parlamentar manda, tal o peso da chamada disciplina partidária.
 
Mas isto é grave, porquanto se pode dar a alteração da composição do poder, substituindo as personalidades, mantendo-se a linha de orientação programática, a dominação do sistema político por um outro partido, ou coligação deles, para chegar aos mesmos resultados práticos. No entanto, deve dizer-se que também esta substituição de personalidades ou de geração encontrará os seus limites, já que a evolução da sociedade poderá atingir um tal nível de desenvolvimento e de expectativas diferente dos níveis anteriores, que obrigue à reformulação de todo o sistema de orientação, com passagem para um novo paradigma, o qual trará nos seus fundamentos e pressupostos os valores de um novo quadro cultural - do qual derivam atitudes e comportamentos conducentes à estruturação de um sistema político NOVO.
 
Creio que os portugueses anseiam por esse dia.
 

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