quarta-feira

Quadratura do círculo (político) em Portugal



Fazer a Quadratura do Círculo significa que alguém se candidate a Secretário-Geral do PS (havendo um em funções), estar na corrida para a autarquia da capital e, de caminho, poder perder a corrida interna no Largo do Rato, sair enfraquecido na compita autárquica e nunca ir a PM.
- Mas esse é o encanto da política, lugar do risco e da incerteza para onde convergem todas as tensões, interesses e recursos da sociedade e da economia.
- Costa sabe que pode ganhar, mas também sabe que pode perder algo precioso, o que significa deixar de ganhar. Contudo, se avançar denota coragem, ainda que seja acusado de deslealdade para com o seu partido e correlegionários.

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terça-feira

Autárquicas António Costa deixa Lisboa se Congresso do PS for antecipado





 
António Costa deixa Lisboa se Congresso do PS for antecipado
                          
O responsável pelo PS em Lisboa, Marcos Perestrello já lançou o alerta: “A direcção do PS, ao marcar directas e o congresso, não deve criar obstáculos à recandidatura de António Costa à presidência da Câmara Municipal de Lisboa”, admitindo que a candidatura do actual autarca poderá, efectivamente, estar em risco, além de imputar essa responsabilidade ao secretário-geral ‘rosa’, António José Seguro.  
E porquê? Por que no círculo de apoiantes de António Costa existe a convicção de que o político só estará em uma das frentes: ou se recandidata a Lisboa, ou avança para o braço de ferro com Seguro, por forma a ficar à frente dos destinos do partido.
 
No fim-de-semana passado, saliente-se, uma das figuras residentes neste seio de apoiantes, sustentava, em declarações ao jornal i, que “se houver congresso agora, António Costa é candidato e não vai a Lisboa”. Em contrapartida, permanece a noção de que a realização de eleições internas já cria dificuldades porque Seguro já tem a máquina montada”, referiu outra fonte ao i.
Parece, pois, que se trocaram as voltas à "pressa", questionada por Seguro na semana passada. Se o responsável não a tinha, parece que passou a ter, enquanto Costa foi ‘obrigado’ a desacelerar a sua estratégia. Uma coisa será certa, a divisão interna instalou-se no maior partido da oposição.






Obs: Com o país atolhado em depressão eis que surge uma novel divisão doméstica no PS que agita as águas no seu seio e no país. Só por isso, esta luta interna que se avizinha, já é positiva.
- É positiva porque permite colocar em confronto ideias e projectos para Portugal no seio do PS, ante esta generalizada incompetência e impreparação do XIX Gov Constitucional - que apenas governa pela mão-forte do imposto, sem ter nenhum desígnio para Portugal.
- Ou melhor, o seu "desígnio" parece residir no convite aos jovens portugueses para emigrar. Assim sendo, e como no PS não se nota uma liderança firme, é preferível clarificar internamente as opções, conhecer os projectos e as moções que se irão perfilar em sede de congresso e, ao mesmo tempo, o PS ficará também com o desafio de escolher um sucessor para preencher o lugar de A.Costa que irá defrontar o megalómano Seara que, ainda hoje me pergunto como conquistou a autarquia de Sintra.
- Ou seja, até ao momento os portugueses sentem que o contributo do maior partido da oposição tem sido irrelevante, pelo que é chegado o momento de Costa sair da "toca", o que revela que pretende ser PM de Portugal e, simultaneamente, arrumar a casa no Largo do Rato - revelando aos portugueses, como diria Marcelo, por que razão é a tv a cores e Seguro a tv a preto e branco...
- Assim sendo, pergunto-me se Marcelo é o plasma (presidencial!!) deste PSD (e cds) pensando no apoio de ambos para Belém...

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Um site interessante p/ conhecer os recursos dos países





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McNamara surfou nova onda gigante na Nazaré


Pode ser recorde (com vídeo)
McNamara surfou nova onda gigante na Nazaré

por Lusa, publicado por Ana Meireles


 
 
(...)

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sexta-feira

Climate Change and the Claim to Global Leadership - by Stephan Richter -

Nota prévia: algumas contradições da América ambiental deste novo tempo
 
The Richter Scale > Global EnvironmentClimate Change and the Claim to Global Leadership

By Stephan Richter | Tuesday, January 22, 2013
Will President Obama's final term be marked by a Kennedyesque focus on achieving great things, or will the country continue to shove aside the responsibilities that come with modern civilization? Stephan Richter's five-part series, "The United States as an Anti-Modernity Force," begins with the question of whether the United States can reverse its failure to lead on climate change.



.S. businesses like to talk about the need for certainty. In the aftermath of the 2007-08 financial crisis, they made an entire industry out of the claim that more certainty would lead to better investment horizons.
The Chinese and Europeans actually like to think in long-term horizons. That bodes well for their strategies on the environment.
And yet, it is an indisputable fact that U.S. conservatives and corporate interests conspire in the political process not to have long-term perspectives. That, they believe, would unduly restrict the freedom of maneuver of U.S. corporations. It is a well-known fact that the planning horizon required for energy and environment projects often requires a minimum of 30 years. Thinking in such long arcs feels quite natural to the Chinese and the Europeans. No wonder they are also the ones willing to engage in long-term thinking on the environment. Under these circumstances, it is no surprise that climate change is just one more field in which America's penchant for short-termism comes to haunt itself. By the same token, those other societies see the United States as being in danger of entering some form of a new dark age. Perhaps we will indeed get lucky and American short-termism and business opportunism will manage to complement more fundamental and long-term strategies, as practiced by the Europeans. To be sure, we are at a frontier the world hasn't faced in many years. Ever since the invention of the railway, it has been the United States and its economy that has served the world as the engine of transformation to a newer and higher state of technology and quality of life. Also to be sure, there are plenty of NGO representatives and environmental activists in the United States who are political realists and yet remain optimists on what the United States can do for energy transformation. They see many forces for real good, far away from the falsely alluring suggestions of shale gas and the like. They point to pure business rationale and market thinking as the forces driving the U.S. economy toward a cleaner state.
Climate change is just one more field in which America's penchant for short-termism comes to haunt itself.
For example, coal plants are being closed (and new ones are not being built) because they is no longer economically feasible. And car manufacturers are using lighter materials and hence driving down fuel consumption. All true, but this is the result more of happenstance than of a real strategy. It takes quite accidental happenings and elevates them artificially to the level of being "planned" or strategic. What remains in fundamental dispute in U.S. political circles is any serious acceptance of the fact that we will need to do more with far less — a restraint on our boundless consumption. In addition, because the United States for the first time has had a very serious bout with its limits of growth (and the related inherent optimism), it is falsely casting itself as a "poor" nation — too poor to prioritize environmental action. The Europeans certainly aren't any richer, but they have the distinct advantage of not feeling like they are God's chosen few. Through the force of their own history, they know the importance, inevitability and healing power of self-denial. This lay of the land leads to a tantalizing role reversal. The formerly old world, Europe, and the presumably spent force, China, are remaking themselves and accepting the profound challenges of modernity. They don't have a clear pathway to the answers and ultimate solutions. But at least there is next to no domestic dispute about the need to accept the challenge, without any reservation. In contrast, the United States, for a long time synonymous with the very idea of modernity, is casting itself in the cloak of the ancient. Stunning numbers of people there resort to notions such as God's will and even disputing the concept of evolution to pull an escapist act. They are not prepared to accept any need for changing their behavior and consumption patterns. They do not see that a superior standard of living comes with certain obligations.
U.S. businesses like to talk about the need for certainty. Yet they conspire in the political process not to be confronted with long-term challenges.
In the modern era, it was always understood that the role of rich countries was to assume the burdens of progress. That meant being a bit tougher on themselves, if for no other reason than to stay ahead in the global race. No nation embodied this spirit better and more feverishly than the United States. Optimism and a very real sense of can-do were the very essence of the American mantra. Now that spirit seems lost. For the rest of the world, the current, suboptimal state of affairs means something uncomfortable, yet exciting. Rather than relying on the United States as the longstanding leader and continuing to act like mere understudies and followers, other countries are now collectively thrust back upon themselves and their own ability to engineer meaningful change.
Stephan Richter's five-part series, The United States as an Anti-Modernity Force, continues tomorrow with How To Turn Environmental Threats into Profits.

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quinta-feira

Se o dinheiro não existisse? Um doc. essencial à formação do homem




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terça-feira

Amigos em política... Evocação de Talleyrand


Dizia Tácito (55-120 d.C) que os homens apressam-se mais a retribuir um dano do que um benefício, porque a gratidão é um peso e a vingança um prazer.

Vem isto a propósito da possibilidade de os agentes políticos quererem servir-se dos amigos quando aqueles estão a passar por dificuldades decorrentes da governação, da complexidade da conjuntura e da inexistência de propostas de solução para os problemas.

Quando tudo falha parece restarem os amigos. São eles que suavizam o mundo e  agrura dos problemas. Por outro lado, entre amigos as pessoas conhecem-se. Desse modo, porque razão depender de estranhos quando se têm os amigos à mão!?

Contudo, o problema começa logo por nem sempre se conhecer os amigos tão bem como se pensava. Por regra, costumam concordar para evitar discussões; disfarçam as suas qualidades desagradáveis para evitarem ofensas mútuas; acham graça às piadas uns dos outros, não raro por mera conveniência e o mais.

Daqui procede uma conclusão preliminar: a honestidade, mormente em política, raramente reforça a amizade, talvez nem seja de estranhar que nunca se saiba ao certo o que um amigo realmente pensa de determinada situação ou problema.

Daí que quando se decide contratar um amigo, gradualmente vamos descobrindo as qualidades que ele tem. Qualidades (e defeitos) que ele/ela escondiam e que, por isso, desconhecíamos. Mas entre amigos, é o acto de bondade que desculpa tudo. Algumas pessoas desejam sentir que merecem a sorte que têm por causa da bondade dessa amizade, dessa situação de favor, desse privilégio pessoal. Logo, nestes casos, é-se escolhido por situações de favor e não por razões de mérito e/ou competência.

É como se nessa relação houvesse um toque de condescendência no acto de tomar os amigos ao serviço. Mas o dano vai irrompendo lentamente. Fácilmente, essa situação assente na amizade migra da inveja para o ressentimento pontual, e antes que os dois termos dessa relação se apercebam disso o laço da amizade dissolveu-se.

Daí concluir-se que a faculdade de contratar ou usar os amigos acaba por ser, mais tarde ou mais cedo, um factor limitador do poder daquele que contrata. E é raro, nestas situações, ser o amigo a pessoa mais bem preparada para ajudar na tarefa designada. Pelo que todas as tarefas de trabalho exigem algum distanciamento entre as pessoas. Trabalhar e fazer amigos redunda sempre em confusão. Logo, a chave do poder consiste em saber quem é o mais competente para o desempenho de uma função. Os amigos devem ser guardados para a amizade, para o trabalho é preferível escolher pessoas capazes e competentes.
 
Isto é óbvio. Em todo o caso é útil recordar o que fez Talleyrand, o PM de Napoleão quando, em 1807, concluiu que o seu chefe estava a conduzir a França à ruína e que chegara a hora de se voltar contra ele. Foi nesse momento que Talleyrand compreendeu os perigos da conspiração contra o seu próprio imperador, a quem devia lealdade. Talleyrand precisava, portanto, de um parceiro, daí colocar-se a questão de saber em que "amigo" poderia confiar para levar a cabo um projecto daquela natureza.
 
Talleyrand escolheu Joseph Fouché, chefe da polícia secreta, um dos seus inimigos viscerais, que um dia até o tentou assassinar. Mas Talleyrand sabia que o ódio antigo entre os dois criaria uma oportunidade para uma reconciliação emocional. Sabia que Fouché não esperaria nada de si, e, por isso, esforçar-se-ia por provar ser merecedor da sua escolha tendo em vista o plano pré-predeterminado. Por outro lado, sabia-se que este novo relacionamento com Fouché se fundaria num interesse pessoal mútuo, e não estaria contaminado por sentimentos pessoais. A escolha revelou-se perfeita, embora os conspiradores não conseguissem depor Napoleão, a união daqueles dois velhos inimigos contra o Imperador, mereceu um interesse crescente. E a partir daí, Talleyrand e Fouché tiveram um proveitoso relacionamento de trabalho.
 
Uma outra conclusão convoca-nos a fazer as pazes com os velhos inimigos e, se possível, colocar essas pessoas ao seu serviço.
 
Neste contexto, pergunto-me quem, no seio das lideranças partidárias dos principais partidos políticos em Portugal, já começou a pensar desta forma. Seja no lado das oposições, seja do lado do partido que suporta o poder em exercício.

Do cds pouco há a dizer, porque não há oposição interna a Portas, além de ser um partido com "muitos valores", embora não cumpra nenhum quando cavalga a onda do poder em relação ao qual está agarrado como uma lapa.

Esta é, aliás, a medida dos seus valores...

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sexta-feira

Quantas espécies desaparecem por ano no Mundo? - Henrique Miguel Pereira -

Nota prévia: mais uma boa notícia dinamizada por um Investigador português



 
A acção do Homem e a poluição estão a extinguir muitas espécies, mas ninguém sabe ao certo quantas. Um artigo a publicar amanhã na reconhecida revista Science apresenta uma série de variáveis consideradas essenciais para medir a biodiversidade que está a desaparecer do planeta.

A proposta é feita por 30 cientistas internacionais liderados por um português. À TSF, Henrique Miguel Pereira conta que alguns estudos apontam para dezenas de espécies que se extinguem todos os anos, mas outros falam mesmo em milhares. Na verdade, ninguém sabe ao certo como está a evoluir a biodiversidade no Mundo, apesar de tudo indicar que anda mal. 
O cientista do Centro de Biologia Ambiental da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa explica que é certo que "estamos a levar as espécies a extinguirem-se a taxas centenas ou talvez milhares de vezes superiores ao que aconteceu nos últimos milhões de anos, numa verdadeira catástrofe em termos de biodiversidade".

Henrique Miguel Pereira revela que o artigo a publicar amanhã na revista Science identifica 6 variáveis essenciais para medir a evolução dessa biodiversidade. Primeiro, é preciso saber a abundância de grupos de espécies.
 
Os cientistas recorda que há vários países com esquemas de contagem de aves, feitos por cidadãos voluntários, que têm informações, de ano para ano, que são dos melhores dados disponíveis para saber como anda a evolução das espécies, permitindo-nos saber, por exemplo, que a diminuição de aves comuns tem sido "dramática" em vários países europeus.
 
Outra variável fundamental é a composição genética. Henrique Miguel Pereira recorda que temos muitos estudos sobre a diversidade genética das espécies, mas não sabemos como é que esta tem evoluído.

Depois, é também importante perceber como estão a evoluir os habitats que suportam a vida dos animais, numa análise que já pode ser feita por satélite.

O grupo de investigadores liderado por este português diz que é fundamental perceber quantas espécies se extinguem num ano, até para planear as melhores políticas e evitar perdas ainda maiores no futuro.
O objectivo da Rede de Observações de Biodiversidade do Grupo de Observações da Terra (https://mail.lisboa.ci-media.pt/exchweb/bin/redir.asp?URL=http://www.earthobservations.org/geobon.shtml) é ter este sistema de monitorização a funcionar em 2015.

O artigo agora publicado na revista Science surge a dias da primeira reunião da Plataforma Intergovernamental para a Biodiversidade e os Serviços dos Ecossistemas. A delegação nacional é liderada pelo português autor deste artigo que propõe as variáveis essenciais para medir a biodiversidade do planeta.
 
  

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quarta-feira

Rua da Saudade. Evocação de Ary dos Santos -


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Medo, Raiva, Esperança - por Gustavo Cardoso -

 
 
Medo, Raiva, Esperança, in Público


Neste momento histórico de intervenções externas nas economias do euro, o medo constituí uma estratégia em uso generalizado – nomeadamente pelas instituições internacionais, como as presentes na Troika, que o exercem ora sobre os Governos ora sobre as populações em geral, tal como Portugal experimentou na última semana com o relatório do FMI.

Este é um artigo sobre como é que se constrói a mudança em épocas de crise. E começa em Junho de 2002, dez meses após os ataques de 11 de Setembro às Torres Gémeas e ao Pentágono, quando me encontrava em Washington junto com outros colegas europeus numa sessão com um membro do partido Democrata. Estava então na Casa Branca George W. Bush e o foco na segurança interna dos EUA e a intervenção militar no exterior eram o centro da agenda política. Entre o ingénuo e o provocador, inquiri o nosso interlocutor sobre porque razão é que o partido Democrata não criticava os excessos da política de então. A resposta foi a de que havia uma atmosfera de receio no ar e, portanto, não valia a pena dizer coisas diferentes, porque quem quer que falasse seria directamente acusado de não proteger os interesses fundamentais da nação.

O que este episódio ilustra é que, em situações de excepção, até mesmo as sociedades democráticas podem ficar paralisadas pelo medo. E o medo é uma forte arma política, como lembra Manuel Castells no livro Redes de Indignação e Esperança, o medo, é a emoção paralisante da qual os poderes dependem, a fim de prosperarem e se reproduzirem, pela intimidação e desencorajamento.

Neste momento histórico de intervenções externas nas economias do euro, o medo constituí uma estratégia em uso generalizado – nomeadamente pelas instituições internacionais, como as presentes na troika, que o exercem ora sobre os Governos ora sobre as populações em geral, tal como Portugal experimentou na última semana com o relatório do FMI.

No entanto, há um problema com o uso excessivo do medo como arma política. É que ele tende a sair fora de controlo. Pois, rapidamente uma sobredose de instrumentalização do medo se transforma em indignação, seguida de uma qualquer situação que provoca sentimentos de injustiça, sendo depois vencido pela raiva, a qual muitas vezes se transforma em esperança numa melhor sociedade – ou pelo menos é o que nos ensina a história desde sempre. O mundo pós-2008 viveu (e vive) múltiplas situações que nos demonstram como a raiva e a indignação têm vencido o medo e sido transpostas em esperança. A esperança tem brotado na Islândia, em Israel, no mundo Árabe, nos múltiplos movimentos Occupy e de Acampadas, nos movimentos estudantis do Canadá e do Chile, nas recentes mobilizações populares na Índia e, também, em tudo aquilo a que temos assistido nas redes e nas ruas de Portugal ao longo dos últimos quatro anos.

Iniciei este artigo declarando que esta era uma análise sobre a mudança e, muito provavelmente, chegado a este ponto o leitor pensará algo de parecido com “tudo muito bem, mas nada daquilo que vimos desde 2010 até agora mudou nada!”. Se for essa a sua questão, deixe-me contra-argumentar, dizendo que nem hoje nem antes nada mudou de repente. Não há nem ideias, nem pessoas, nem acções, nem políticas providenciais. Há sim pessoas que se juntam, que estão indignadas e que a dado momento dizem basta! E a partir daí ocupam os espaços públicos (na rede e fora dela) em busca de outros que pensem como eles e que queiram juntos encontrar soluções.

O poder da mudança reside em surgirem pessoas que dizem coisas diferentes, que apontam preocupações diferentes e, a dado momento, soluções diferentes. Mas acima de tudo o seu poder deriva de surgirem e terem a capacidade de provocar a diferença, pelo mero acto de existirem. Pois, por muito reduzido que seja o seu número, eles possuem uma característica fundamental, não almejam tomar o poder, mas sim mudar as mentes das pessoas, para assim mudar as instituições do poder. Um caminho que pode parecer longo, mas que sabemos que dá os seus resultados.

Tal como muitos outros, acredito que estamos a viver um momento que demonstra que a crise do capitalismo global financeiro, e o subsequente ataque aos estados europeus numa tentativa daquele restabelecer a sua boa saúde, não é necessariamente um beco sem saída – pode até ser o sinal de um “recomeço inesperado”. No entanto, esse recomeço não será encontrado nem nos relatórios do FMI nem nos comunicados das instituições da União Europeia sobre o futuro da Europa. Porquê? Porque a indignação generalizada nas sociedades intervencionadas europeias está centrada na humilhação provocada pelo cinismo e arrogância dos que assumem o poder, seja ele financeiro, político ou cultural – quer a nível nacional quer a nível das instituições europeias e multilaterais.

Mas de onde vêm então a esperança? Ela vem das pessoas que se decidem juntar de forma informal e em momentos em que possam experimentar, sem limitações institucionais, o futuro que querem construir. Dando origem a diferentes movimentos sociais. São esses os movimentos de pessoas que através da história são os produtores de novos valores e novas metas, em torno das quais as instituições da sociedade se transformam para a criação de novas normas que organizem a vida social.

E onde estão essas pessoas? Quando não estão nas ruas ou nas salas ao nosso lado, basta a qualquer um de nós navegar na web ou no facebook para as encontrar.

E como aqueles que incorporam o exercício do poder nas sociedades democráticas, isto é os partidos políticos, ajudar a romper com a actual maldição de perda de confiança, que no extremo está a levar a que os contratos sociais se dissolvam, podendo transformar-nos num conjunto de individualistas lutando apenas pela própria sobrevivência?

A resposta reside, muito provavelmente, na capacidade de os partidos deixarem de ser estruturas inspiradas no modelo hierárquico burocrático e assumirem a sua identidade de redes (reprogramáveis) com as ideias que germinam por entre aqueles que sempre mudaram as sociedades, as pessoas e não as instituições – pois estas últimas são “apenas” meros instrumentos para levar avante a mudança.

No geral, ao contrário do que alguns pensarão, o cenário parece hoje mais encorajador em Portugal, na medida em que os partidos ensaiaram e, estão a praticar, essa tentativa de busca de novas ideias que desencadearão novas formas de agir – o futuro, como sempre, nos dirá com que grau de sucesso.

E agora? Agora, falta assumir-se que a sociedade já está a mudar (e começou-o sem esperar pelas instituições políticas), ir ao encontro das pessoas que já se juntaram em busca de mudar o sentido da sua vida e não o sentido do poder, e ajudar-nos a todos nós através, não da reforma do Estado, mas sim primeiro da reforma dos modos de pensar para além do individualismo e do interesse próprio.

O resto virá por arrasto sem precisar de memorandos ou relatórios – os quais de qualquer forma passarão para a história como meros documentos – pois o que importa é a vida que queremos ter e o sentido que queremos dar-lhe.

Gustavo Cardoso é investigador e coordenador do Mestrado de Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação do ISCTE





Obs:

Mais uma reflexão interessante e estruturada de Gustavo Cardoso - que pensa claro e escreve num português que todos compreendem num tempo de grande turbulência que carece de mudança urgente.

Aliás, costuma dizer-se que do que os homens desejam se diz também que amam, e que odeiam aquelas coisas pelas quais sentem aversão. Do mesmo modo que o desejo e o amor são a mesma coisa, seguindo os ensinamentos de Hobbes, salvo que por desejo sempre se quer significar a ausência do objecto, e quando se fala em amor geralmente se quer indicar a presença do mesmo. Também por aversão se significa a ausência, e quando se fala de ódio pretende-se indicar a presença do objecto. Eis o lugar para que me remeteu a reflexão pertinente, determinada e lúcida de Gustavo Cardoso.

- E das coisas que não amamos nem odiamos se diz que desprezamos. Nesta linha, pergunto-me o que os portugueses hoje pensam da instrumentalização duma política do medo que está sendo infundida sobre os portugueses - via Troika e em estreita articulação com o Governo português - a fim de limitar o espaço de acção da sociedade civil e, desse modo, facilitar um conjunto de "reformas" que, em rigor, são tributárias da filosofia (ou da selvajaria) neoliberal oriunda do Consenso de Washington que J. Stiglitz, na dobra do milénio, oportunamente denunciou. Bem sei, que após essa denuncia Stiglitz demitiu-se (ou foi demitido do BM), mas logo a seguir foi Prémio Nóbel da Economia...

- Então, se a Esperança é aquele apetite ligado à crença de conseguir algo, a falta dela chama-se desespero. É assim que os portugueses hoje se encontram.

 
- Sucede que a aversão ligada à crença de dano proveniente do objecto, designa-se medo. Ora, o medo é o que mais tem sido infundido aos portugueses pelo Gov e pela Troika para abrir caminho ao desmantelamento do Estado social que, embora deva ser racionalizado e reformado, não deverá ser extinto de sopetão, como aquelas instituições pretendem, e com perdas brutais de direitos sociais pelos portugueses, que já são o povo da Europa onde as desigualdades sociais mais se fazem sentir e a pobreza tem alastrado.

- Estando os portugueses sobrecarregados com impostos, que mata qualquer energia criadora, também não identificam por parte das entidades oficiais qualquer luz ao fundo do túnel que os faça pensar que a economia vai crescer, a riqueza vai aumentar e a distribuição dos recursos pela sociedade pode conhecer uma inflexão que permita, a curto prazo, melhorar a qualidade de vida das pessoas, das famílias e das empresas.

-Antes pelo contrário, o relatório do BdP diz que o crescimento do PIB será abaixo do estimado pelo Gov e, essa circunstância, não augura nada de bom nos próximos tempos entre nós.

- Por último, gostaria de sublinhar que esta fecunda reflexão de Gustavo Cardoso é, pode ser, um marco na forma como os portugueses pensam a política em Portugal. Dela poderá nascer situações imprevistas, não necessáriamente negativas, mas ideias, projectos, movimentos que podem representar uma verdadeira mudança social e política em Portugal.

- Se for assim, esta reflexão, juntamente com outras, poderá alimentar o detonador social em Portugal que já não apenas reclama a mudança, mas que é também capaz de a saber fazer, ainda que seja problemática e dolorosa.


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quinta-feira

Edgar Morin, Crueldade e Sofrimento - in 'Os Meus Demónios'


 
Crueldade e Sofrimento
 
A crueldade é constitutiva do universo, é o preço a pagar pela grande solidariedade da biosfera, é ineliminável da vida humana. Nascemos na crueldade do mundo e da vida, a que acrescentámos a crueldade do ser humano e a crueldade da sociedade humana. Os recém-nascidos nascem com gritos de dor. Os animais dotados de sistemas nervosos sofrem, talvez os vegetais também, mas foram os humanos que adquiriram as maiores aptidões para o sofrimento ao adquirirem as maiores aptidões para a fruição. A crueldade do mundo é sentida mais vivamente e mais violentamente pelas criaturas de carne, alma e espírito, que podem sofrer ao mesmo tempo com o sofrimento carnal, com o sofrimento da alma e com o sofrimento do espírito, e que, pelo espírito, podem conceber a crueldade do mundo e horrorizar-se com ela.




A crueldade entre homens, indivíduos, grupos, etnias, religiões, raças é aterradora. O ser humano contém em si um ruído de monstros que liberta em todas as ocasiões favoráveis. O ódio desencadeia-se por um pequeno nada, por um esquecimento, pela sorte de outrem, por um favor que se julga perdido. O ódio abstracto por uma ideia ou uma religião transforma-se em ódio concreto por um indivíduo ou um grupo; o ódio demente desencadeia-se por um erro de percepção ou de interpretação. O egoísmo, o desprezo, a indiferença, a desatenção agravam por todo o lado e sem tréguas a crueldade do mundo humano. E no subsolo das sociedades civilizadas torturam-se animais para o matadouro ou a experimentação. Por saturação, o excesso de crueldade alimenta a indiferença e a desatenção, e de resto ninguém poderia suportar a vida se não conservasse em si um calo de indiferença.

Edgar Morin, in 'Os Meus Demónios'


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terça-feira

David Bowie - Where Are We Now? Bowie sabe que vai morrer e disserta sobre o tema com mestria

David Bowie, fica.
 

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Uso abusivo de DNA pode incriminar inocentes

Uso abusivo de DNA pode incriminar inocentes

Reclusos temem que a sua informação genética seja “plantada” em cenas de crime alheias

Trabalho que deu origem a livro envolveu 57 reclusos
Trabalho que deu origem a livro envolveu 57 reclusos


Apesar de acreditarem nos benefícios do DNA para reduzir ou eliminar erros na investigação criminal, os reclusos temem que este método “caia em mãos erradas” e seja utilizado para incriminar determinado suspeito ou forçar uma confissão com base em alegada posse de prova científica. Esta é uma das conclusões retiradas de um estudo pioneiro co-assinado por Helena Machado, professora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, e recentemente publicado em livro.

O trabalho centrou-se em 57 reclusos de três prisões de Portugal e duas da Áustria, condenados por diversos crimes, nomeadamente fraude qualificada, homicídios, crimes sexuais, roubos e furtos e tráfico de drogas. (...)
 

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quinta-feira

Dívida, Capitalismo e Insubmissão - por Gustavo Cardoso -



Precisamos de deixar o actual Estado de Submissão e adoptar um novo Estado de Insubmissão. Precisamos primeiro definir os valores que queremos defender e depois as acções políticas a desenvolver - e não o contrario. No ano novo são precisas ideias novas com urgência absoluta.in Público
 
Ano Novo, ideias Novas. Vivemos num curioso momento histórico, como lembra David Graeber no seu “Debt. The First 5000 years”. Um momento em que a crise financeira nos mostrou que o capitalismo não pode operar num mundo onde as pessoas acreditem que ele existirá para sempre. Pois acreditar que o capitalismo será um modelo económico eterno implica que exista sempre a possibilidade de se obter facilmente crédito. E nós –pelo menos no sul europeu – sabemos em primeira mão que o crédito abundante tem limites.
 
Na sua análise Graeber também lembra uma outra curiosa evolução no contexto do capitalismo: o desenvolvimento de uma moral de culpa para os devedores e o abandono do questionar da moral daqueles que, noutros contextos históricos, seriam considerados agiotas pelos juros praticados e que incorreriam num pecado de usura excessiva.
 
Procurando um contexto histórico similar ao que actualmente vivemos na Europa, em termos da primazia do mercado e da legitimidade do comércio sobre outros valores morais, só me ocorre uma analogia com as Guerras do Ópio travadas no século XIX pelo Império Britânico contra a proibição de comércio daquela mercadoria no então Império Chinês.
 
O que é interessante para nós hoje relembrar é que também na Guerra do Ópio pouca atenção tiveram as questões morais numa guerra pela liberdade comercial de venda do ópio inglês aos chineses - e ao qual se opunha o governo chinês. A questão não era se o comércio do ópio devia ser considerado como lícito ou não, mas sim que a liberdade comercial de transacionar bens se sobrepunha a considerações morais sobre a mercadoria.
 
Hoje estamos de algum modo em situação similar no sul da Europa. Há uma discussão moral sobre o dever do sul “honrar”os pagamentos das dívidas aos mercados do norte, mas não se questiona se moralmente o sul deveria pagar ou não. Tal como no comercio do ópio, também quem nos mercados a norte emprestou ao sul sabia que o excesso de crédito era nocivo, pois criava adição e não seria possível pagá-lo. Nem com as taxas de crescimento de então nem com aquelas que as tendências futuras observáveis previam. No entanto, continuou-se a oferecer financiamentos a taxas baixas, pois uma vez viciado em consumir bens, provenientes na sua maioria também do norte, o sul não pararia tal prática - quer no consumo dos agregados familiares quer no investimento empresarial e público.
 
O que está em causa nesta análise não é o incentivar algum país do sul a não pagar as dívidas, pois no actual sistema da União Europeia tal seria suicidário. Mas George Soros tem razão quando propõe o perdoar da dívida a todos os países do Euro, desde a Alemanha até Grécia, na proporção dos erros económicos nacionais derivados das fragilidades de criação do Euro – algo em que os países do Euro partilham culpas em parcelas iguais.
 
E agora? Sabemos hoje quais as causas da crise e vemos os diferentes governos europeus com um consenso sobre que ferramentas e instrumentos são necessários para prevenir que o sucedido não se repita - em particular no sistema bancário. No entanto, ao mesmo tempo que olhamos para essa concordância –por vezes mascarada de discordância por conveniência negocial e gestão de interesses nacionais de curto prazo –verificamos que todos os governos (sem excepção) perderam totalmente a capacidade de iniciativa política. Deixaram de ser capazes de se questionar sobre em nome de que ordem mais elevada agem. A resposta recorrente entre todos tende ser simplesmente “agimos assim porque necessitamos de agir desta forma”. A uma inquirição mais aprofundada ser-nos-árespondido que tal é o produto do acordado com instituições internacionais - onde curiosamente quem tem mais poder de decisão são também os países do norte, pois são os que mais contribuem com verbas para os orçamentos ou para as linhas de crédito dessas instituições.
 
Mas como reagiriam os nossos governantes europeus à seguinte pergunta: visto ser impossível manter a capacidade de crescimento perpétuo num planeta finito, podemos assumir que, dentro de uma geração ou 25 anos, o capitalismo (o modelo actual de capitalismo ou talvez mesmo o próprio modelo cultural económico, isto é o Capitalismo com “C”grande) não existirá mais?
 
É certo que poderemos continuar a ter capitalismo sem crescimento perpétuo. Mas o problema reside em que sem crescimento perpétuo não é possível anunciar às populações europeias que um dia retomaremos os consensos quebrados. Ou seja, que havendo aumentos de produtividade tal implicaráum regresso aos aumentos de salários generalizados. Sem crescimento perpétuo, quanto muito, continuaremos a assistir a que apenas quem gere empresas e quem é accionista maioritário recolherá os louros dos lucros. Nem quem possuía propriedade dos bens de produção –sob a forma de capitalismo popular, sendo pequeno accionista - nem quem é "trabalhador-colaborador" pode esperar retomar essa dimensão da justiça social - e ainda muito menos aqueles que tardiamente chegaram ao mundo do capitalismo global em países como a China ou o Brasil.
 
No mundo que estamos actualmente a gerir, haverá lugar para alguns mas não para todos. É por isso que este é actualmente um modelo impossível de prática capitalista. Na governação ninguém sabe bem o que fazer, por isso faz-se o que se acha ser necessário para se voltar ao mesmo que se fazia antes, na vãesperança que tudo volte a ser como foi. Mas não voltará. Porque as condições necessárias para se ser o que já se foi deixaram de existir.
 
Do consenso quebrado entre mais produtividade equivaler a maiores salários, à segunda quebra de consenso quando terminou a capacidade de distribuir crédito para aquisição generalizada de propriedade, não hámais consensos para serem partilhados entre quem trabalha e quem controla o acesso ao capital financeiro. E no meio estão os governos que, sem começarem a olhar em volta para os novos valores sociais a despontar, não conseguirão por muito mais tempo manter a paz social. Não teremos na Europa guerras entre países no médio prazo, mas talvez venhamos a ter velhas guerras de classe, opondo todos aqueles que querem ver melhorada a sua vida e os que querem melhorar a sua vida a custa de não melhorar a de todos os outros. É por isso que precisamos de deixar o actual Estado de Submissão e adoptar um novo Estado de Insubmissão. Precisamos primeiro definir os valores que queremos defender e depois as acções políticas a desenvolver - e não o contrario. No ano novo são precisas ideias novas com urgência absoluta.
  • Gustavo Cardoso é investigador e coordenador do Mestrado de Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação do ISCTE
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  • Medite-se nesta importante reflexão.

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quarta-feira

Evocação de Picasso e do seu Guernica

Um Gov impreparado, incompetente e um PR conivente e alheado da realidade fizeram de Portugal aquilo que ele é hoje: um país em guerra civil permanente a caminho do abismo.
 

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terça-feira

Richard Dawkins: ser abusado em criança é menos mau do que ter uma educação católica



Nota prévia: os exageros fundamentalistas dum cientista traumatizado...


Dawkins, um acérrimo defensor da ciência, do pensamento crítico e da evolução darwinista, tem publicitado largamente as suas opiniões ateias. No seu livro "A desilusão de Deus" (publicado em Portugal pela editora Casa das Letras, 2007) afirma que as religiões são perniciosas e causadoras da maior parte dos males do mundo, e propõe o ateísmo como a solução para uma sociedade mais livre e mais feliz. Desde então, tem-se tornado um dos mais apaixonados críticos da religião, alegando que esta e a ciência não são de todo compatíveis.
Mas apesar de ser conhecido por apresentar os seus argumentos de forma cientificamente inatacável, Dawkins tem um estilo agressivo que está longe de agradar a todos, incluindo aos colegas cientistas. E esta semana, Higgs achou que ele foi longe de mais. De facto, numa entrevista ao canal árabe Al Jazeera, o biólogo afirmou que para uma criança, ser educada na fé católica era pior do que ser abusada sexualmente por um padre - uma opinião que terá desconcertado até os seus próprios admiradores...

Peter Higgs: Dawkins é um fundamentalista


Na verdade, não é a primeira vez que Hawkins diz isto. Já no seu livro tinha exposto exactamente estas palavras, que acabou por repetir esta semana, atraindo de novo a atenção. Em resposta a isto, Higgs reagiu em entrevista comentando que "o que Dawkins faz com demasiada frequência é concentrar o seu ataque nos fundamentalistas. Mas há muitos crentes que não são fundamentalistas. O fundamentalismo é outro problema. Quer dizer, ele próprio é quase um fundamentalista, de certa forma."

Ora, apesar de Dawkins estar certamente habituado a ouvir comentários pouco agradáveis vindos de quem não concorda com as suas teses (incluindo ser apelidado de fundamentalista), uma chamada de atenção destas por parte de um físico com a notoriedade de Higgs não pode ser ignorada do mesmo modo. Haverá provavelmente muita gente a pensar que, afinal, a ciência não é assim tão diferente da religião: também há facções e rivalismos, logo é tudo uma questão de opiniões.


E, de facto, está longe de existir uma "opinião" da comunidade científica no que toca à relação entre ciência e religião: o espectro abrange desde cientistas profundamente crentes até aos manifestamente ateus. Mas é fundamental evitar que o prestígio da ciência seja posto em causa por motivos de ideologias individuais.

Dawkins: uma semana para esquecer

Pessoalmente, espantam-me duas coisas. Primeiro, Dawkins não é propriamente ingénuo nem inexperiente no que toca à comunicação de ciência ao público; afinal, ele foi professor de "Public Understanding of Scien" na Universidade de Oxford durante mais de uma década, e fez centenas de palestras em todo o mundo para os mais diversos públicos. Qual o impacto que pretende com uma declaração abertamente insultuosa como esta? Já num debate anterior com o astrofísico Martin Rees este criticou que não é certamente assim que a ciência vai ganhar adeptos entre as pessoas religiosas. Daí haver cientistas que se demarcam do seu extremismo, como foi o caso agora de Higgs.

A outra coisa é o suporte científico - ou melhor, a falta dele - para esta comparação. Dawkins alega que se referia a um caso verídico que lhe foi relatado por uma mulher americana que tinha conseguido ultrapassar o trauma do abuso infantil, mas jamais o da educação católica. Na justificação que entretanto

escreveu no seu website, reconhece que evidências anedóticas não chegam para suportar teses, e manifesta-se interessado em ouvir a opinião de psicólogos sobre se há provas reais para esta afirmação.

Ou seja, Dawkins, que despreza a religião pela sua ausência de provas, vem agora admitir que fez uma afirmação incendiária para a qual... não tem provas. De caminho, consegue dar um tiro na sua credibilidade, ofender milhões de crentes católicos e de vítimas de abuso, e irritar os colegas pelo mau serviço que prestou à ciência...

Peter Higgs devia puxar-lhe as duas orelhas.

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