terça-feira

Amigos em política... Evocação de Talleyrand


Dizia Tácito (55-120 d.C) que os homens apressam-se mais a retribuir um dano do que um benefício, porque a gratidão é um peso e a vingança um prazer.

Vem isto a propósito da possibilidade de os agentes políticos quererem servir-se dos amigos quando aqueles estão a passar por dificuldades decorrentes da governação, da complexidade da conjuntura e da inexistência de propostas de solução para os problemas.

Quando tudo falha parece restarem os amigos. São eles que suavizam o mundo e  agrura dos problemas. Por outro lado, entre amigos as pessoas conhecem-se. Desse modo, porque razão depender de estranhos quando se têm os amigos à mão!?

Contudo, o problema começa logo por nem sempre se conhecer os amigos tão bem como se pensava. Por regra, costumam concordar para evitar discussões; disfarçam as suas qualidades desagradáveis para evitarem ofensas mútuas; acham graça às piadas uns dos outros, não raro por mera conveniência e o mais.

Daqui procede uma conclusão preliminar: a honestidade, mormente em política, raramente reforça a amizade, talvez nem seja de estranhar que nunca se saiba ao certo o que um amigo realmente pensa de determinada situação ou problema.

Daí que quando se decide contratar um amigo, gradualmente vamos descobrindo as qualidades que ele tem. Qualidades (e defeitos) que ele/ela escondiam e que, por isso, desconhecíamos. Mas entre amigos, é o acto de bondade que desculpa tudo. Algumas pessoas desejam sentir que merecem a sorte que têm por causa da bondade dessa amizade, dessa situação de favor, desse privilégio pessoal. Logo, nestes casos, é-se escolhido por situações de favor e não por razões de mérito e/ou competência.

É como se nessa relação houvesse um toque de condescendência no acto de tomar os amigos ao serviço. Mas o dano vai irrompendo lentamente. Fácilmente, essa situação assente na amizade migra da inveja para o ressentimento pontual, e antes que os dois termos dessa relação se apercebam disso o laço da amizade dissolveu-se.

Daí concluir-se que a faculdade de contratar ou usar os amigos acaba por ser, mais tarde ou mais cedo, um factor limitador do poder daquele que contrata. E é raro, nestas situações, ser o amigo a pessoa mais bem preparada para ajudar na tarefa designada. Pelo que todas as tarefas de trabalho exigem algum distanciamento entre as pessoas. Trabalhar e fazer amigos redunda sempre em confusão. Logo, a chave do poder consiste em saber quem é o mais competente para o desempenho de uma função. Os amigos devem ser guardados para a amizade, para o trabalho é preferível escolher pessoas capazes e competentes.
 
Isto é óbvio. Em todo o caso é útil recordar o que fez Talleyrand, o PM de Napoleão quando, em 1807, concluiu que o seu chefe estava a conduzir a França à ruína e que chegara a hora de se voltar contra ele. Foi nesse momento que Talleyrand compreendeu os perigos da conspiração contra o seu próprio imperador, a quem devia lealdade. Talleyrand precisava, portanto, de um parceiro, daí colocar-se a questão de saber em que "amigo" poderia confiar para levar a cabo um projecto daquela natureza.
 
Talleyrand escolheu Joseph Fouché, chefe da polícia secreta, um dos seus inimigos viscerais, que um dia até o tentou assassinar. Mas Talleyrand sabia que o ódio antigo entre os dois criaria uma oportunidade para uma reconciliação emocional. Sabia que Fouché não esperaria nada de si, e, por isso, esforçar-se-ia por provar ser merecedor da sua escolha tendo em vista o plano pré-predeterminado. Por outro lado, sabia-se que este novo relacionamento com Fouché se fundaria num interesse pessoal mútuo, e não estaria contaminado por sentimentos pessoais. A escolha revelou-se perfeita, embora os conspiradores não conseguissem depor Napoleão, a união daqueles dois velhos inimigos contra o Imperador, mereceu um interesse crescente. E a partir daí, Talleyrand e Fouché tiveram um proveitoso relacionamento de trabalho.
 
Uma outra conclusão convoca-nos a fazer as pazes com os velhos inimigos e, se possível, colocar essas pessoas ao seu serviço.
 
Neste contexto, pergunto-me quem, no seio das lideranças partidárias dos principais partidos políticos em Portugal, já começou a pensar desta forma. Seja no lado das oposições, seja do lado do partido que suporta o poder em exercício.

Do cds pouco há a dizer, porque não há oposição interna a Portas, além de ser um partido com "muitos valores", embora não cumpra nenhum quando cavalga a onda do poder em relação ao qual está agarrado como uma lapa.

Esta é, aliás, a medida dos seus valores...

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