terça-feira

Richard Dawkins: ser abusado em criança é menos mau do que ter uma educação católica



Nota prévia: os exageros fundamentalistas dum cientista traumatizado...


Dawkins, um acérrimo defensor da ciência, do pensamento crítico e da evolução darwinista, tem publicitado largamente as suas opiniões ateias. No seu livro "A desilusão de Deus" (publicado em Portugal pela editora Casa das Letras, 2007) afirma que as religiões são perniciosas e causadoras da maior parte dos males do mundo, e propõe o ateísmo como a solução para uma sociedade mais livre e mais feliz. Desde então, tem-se tornado um dos mais apaixonados críticos da religião, alegando que esta e a ciência não são de todo compatíveis.
Mas apesar de ser conhecido por apresentar os seus argumentos de forma cientificamente inatacável, Dawkins tem um estilo agressivo que está longe de agradar a todos, incluindo aos colegas cientistas. E esta semana, Higgs achou que ele foi longe de mais. De facto, numa entrevista ao canal árabe Al Jazeera, o biólogo afirmou que para uma criança, ser educada na fé católica era pior do que ser abusada sexualmente por um padre - uma opinião que terá desconcertado até os seus próprios admiradores...

Peter Higgs: Dawkins é um fundamentalista


Na verdade, não é a primeira vez que Hawkins diz isto. Já no seu livro tinha exposto exactamente estas palavras, que acabou por repetir esta semana, atraindo de novo a atenção. Em resposta a isto, Higgs reagiu em entrevista comentando que "o que Dawkins faz com demasiada frequência é concentrar o seu ataque nos fundamentalistas. Mas há muitos crentes que não são fundamentalistas. O fundamentalismo é outro problema. Quer dizer, ele próprio é quase um fundamentalista, de certa forma."

Ora, apesar de Dawkins estar certamente habituado a ouvir comentários pouco agradáveis vindos de quem não concorda com as suas teses (incluindo ser apelidado de fundamentalista), uma chamada de atenção destas por parte de um físico com a notoriedade de Higgs não pode ser ignorada do mesmo modo. Haverá provavelmente muita gente a pensar que, afinal, a ciência não é assim tão diferente da religião: também há facções e rivalismos, logo é tudo uma questão de opiniões.


E, de facto, está longe de existir uma "opinião" da comunidade científica no que toca à relação entre ciência e religião: o espectro abrange desde cientistas profundamente crentes até aos manifestamente ateus. Mas é fundamental evitar que o prestígio da ciência seja posto em causa por motivos de ideologias individuais.

Dawkins: uma semana para esquecer

Pessoalmente, espantam-me duas coisas. Primeiro, Dawkins não é propriamente ingénuo nem inexperiente no que toca à comunicação de ciência ao público; afinal, ele foi professor de "Public Understanding of Scien" na Universidade de Oxford durante mais de uma década, e fez centenas de palestras em todo o mundo para os mais diversos públicos. Qual o impacto que pretende com uma declaração abertamente insultuosa como esta? Já num debate anterior com o astrofísico Martin Rees este criticou que não é certamente assim que a ciência vai ganhar adeptos entre as pessoas religiosas. Daí haver cientistas que se demarcam do seu extremismo, como foi o caso agora de Higgs.

A outra coisa é o suporte científico - ou melhor, a falta dele - para esta comparação. Dawkins alega que se referia a um caso verídico que lhe foi relatado por uma mulher americana que tinha conseguido ultrapassar o trauma do abuso infantil, mas jamais o da educação católica. Na justificação que entretanto

escreveu no seu website, reconhece que evidências anedóticas não chegam para suportar teses, e manifesta-se interessado em ouvir a opinião de psicólogos sobre se há provas reais para esta afirmação.

Ou seja, Dawkins, que despreza a religião pela sua ausência de provas, vem agora admitir que fez uma afirmação incendiária para a qual... não tem provas. De caminho, consegue dar um tiro na sua credibilidade, ofender milhões de crentes católicos e de vítimas de abuso, e irritar os colegas pelo mau serviço que prestou à ciência...

Peter Higgs devia puxar-lhe as duas orelhas.

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