sábado

Sérgio Vieira de Melo

Sabe quem é este Homem? Lembra-se dele? É bom recordá-lo para não perder de vista o seu legado e a sua fibra. Este homem não precisa de arroba, nem de palavras-passe para entrar onde quer que seja. Recorde porquê...
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Acordar...

Ao visionar esta foto de Ricardo Machado, lembrei-me que este homem poderia estar entre a assistência do tal programa da Fátinha, do Prós & Contras... Não tenho qualquer dúvida que ele saberia responder a algumas questões candentes da nossa sociedade. E até colocar outras ainda mais candentes. Tão candentes, tão candentes que - estou certo - nenhum dos intervenientes saberia responder. A não ser, claro, o sr. Bava - explicando aqui ao nosso amigo que acordou mais um dia para o vazio - como se faz a arroba em torno da letra "a" - como se fosse um rendilhado de mármore; e depois, bom depois - vinha a boa da pesquisa por palavras-chave. E aí, imagina o sr. Bava, talvez auferindo uma remuneração bruta de uns 20/25 mil euros mês - o que este homeless lhe teria para dizer?! Certamente que não... Estou tão certo disso como do seguinte: se se cruzasse com este tipo numa pastelaria de Picoas era incapaz de lhe comprar um bolo de arroz, ou pagar um galão... Bem sei o que faria... Eu digo-lhe: primeiro, olhá-lo-ia de lado, meio atravessado; depois mudaria imediatamente de lugar, fingindo que o local cheirava mal. E assim manifestaria o seu aprumado sentido de solidariedade pró-activa - denunciando as práticas hiper-elitistas das castas brâmanes que, em Portugal, ainda fazem carreira em alguns corredores de alguma faculdades belorentas. Por isso, a palavra-chave é???
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O Admirável Mundo Novo dos tugas...

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  • No dia 25 de Abril findo a RTP resolve prendar os portugueses com uma suposta inovadora discussão sobre a sociedade do futuro, as Tecnologias da Informação e da Comunicação - e alguém se esqueceu - da Decisão Estratégica (TIC-DE) - , o homem do futuro e da felicidade eterna. I.é, de como gerar uma sociedade perfeita, com pleno emprego e com ananases na Terra e tomates na lua. Sendo certo que cada português teria, não um Larborguini Miura na garagem, mas um PC ligado à net 24 h. por dia, como as bombas de gasolina.
  • A coisa teve lugar no famoso Prós & Contras protagonizado - com movimentos de ballet contemporâneo e por ondulações cósmicas que só a Fátima Campos Ferreira sabe interpretar. A ideia de partida era o choque tecnológico, roubando o substracto ao PM - José Sócrates. Na sala das máquinas, a comandar o navio, estavam quatro pilotos: dois do mundo empresarial, e dois do universo académico. Foi assim que os representantes da PT (Z. Bava) e da Siemens (J. Picoilho) enfrentaram os terríveis produtores de ciência, nas pessoas de Maria João Rodrigues - amiga pessoal de Manel Castells - e Reginal Rodrigues de Almeida, autor da obra - Sociedade Bit, que está a fazer furor e parece querer rivalizar com o dito Castells, discípulo de A. Touraine e desactualizar as projecções e futurismos sistematizados por Alvin e Heidi Toffler (não confundir com a Heidi dos desenhos animados de fins da década de 70 do séc. XX) desde há 30 anos a esta parte. Incluindo os já clássicos das prateleiras dos lares domésticas (e industriais) - O Choque do Futuro, continuado com A Terceira Vaga e, mais recentemente, Powershift, trad. para português como O s Novos Poderes.
  • Confesso, especialmente, do lado empresarial, que tinha alguma expectativa na sua audição. Quer na experiência que cada um dos representantes da PT e da Siemens podia transportar para o programa e daí canalizar para para a sociedade, quer através de novos conceitos, ideias, ligações, propostas, projectos e o mais. Ora daqui veio uma mão cheia de nada, com o supra-referio Bava, todo embevecido, a soletrar o óbvio. Talvez o excesso de formalismo lhe dificultasse a fala. Há tempos, um amigo, por sinal também ligado à PT e com elevada responsabilidade na fidelização dos clientes, tinha-me dito que aquele senhor era uma rara sumidade, pois tão novo e já administrador da PT. Ora, nesse dia, concluímos que o Sr. Bava, engenheiro de formação (presumo), disse aos portugueses o que eles, verdadeiramente, teriam de aprender. Assim, e após "comprar um razoável PC por 450 euros" - os portugas teriam de "aprender a pesquisar na Net". E quanto mais rápido melhor, como provou aquela menina que ganhou um concurso a localizar sites oficiais. Mas quando lhe perguntaram o que era a UNESCO ela patinou..., um pouco como o sr. Bava - na apresentação de ideias novas que sejam aplicados com proveito para os protugueses. E de preferência que possam ir além da tal pesquisa para cegos que aquela ilustre sumidade defendeu perante uns milhões de portugueses que o viam ou ouviam (estarrecidos), ou nem uma coisa nem outra.
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  • Quanto ao sr. da Siemens, que é outra sumidade, mas da boca dele os portugueses ouviram apenas dizer uma nota musical, depois repetida ad nauseaum... Inovação, inovação, inovaçãao... Pensei, com tanta inovação, que ia até levantar vôo em pleno estúdio, saír pelo tecto e transformar Portugal num electrodoméstico voador de marca registada ... adivinhem lá: marca Siem.... Pronto, ganhou uma viagem de ida à Baviera.
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  • Depois, veio o momento menos depressivo do programa, com Maria João Rodrigues, a repetir a lenga-lenga da Cimeira de Lisboa e da paixão de António Gueterres, que era a Educação, lembram-se!? Podíamos ter crescido, em tamanho e largura, mas não, a crise das autárquicas interrompeu o movimento intelectual dinamizado por Maria João - que teve depois de presidir ao conselho das Ciências Sociais e Humanas de Bruxelas para aferir o que, de facto, correu mal nesse movimento intelectual ascendente da economia portuguesa - interrompido pelo pântano de Tony Gutierres. Em todo o caso, a intervenção de Maria João foi menos depressiva do que as dos dois precedentes, na medida em que avivou a memória dos portugueses sobre a importância do Turismo, do Sol e etc e tal. Educação, inovação, flexibilidade e muito turismo - que faz bem aos ossos (e à entrada de divisas que também dá saúde à economia) entre outros conceitos que ficam bem soletrar em TV. Quanto a ideias novas: zero. Com tanto apego ao turismo pensei até que dissesse aos portugueses que Tróia e o Portinho da Arábida se transformassem no principal Centro de Formação Profissional da Europa, com cursos de Filosofia Política e de Políticas Públicas ministrados pelo chato e cansativo Carlos Espada, que repete há 20 anos aqueles velhos manuais que falam de Liberdade, Liberdade, Liberdade, Justiça, Justiça, Justiça, e depois - na década seguinte - para infelicidade dos alunos que pagam propinas elevadíssimas (excepto os bons alunos que têm o apoio da Stª Sé) - inverte a ordem e começa pela Justiça, Justiça, Jus... Ainda coadjuvado por Torres Couto, que teve uma tremenda e valiosa experiência na aplicação de Fundos Comunitários à dita formação profissional. Valiosa para ele, é claro, pois é sabido que a coisa terminou no Tribunal e nunca se soube - até hoje - para onde foram os tais milhões... Pelo menos, com tanta inovação é caso para dizer que nem as tecnologias nos valem, pois ao menos ainda poderiam vigiar, fiscalizar e ajudar a identificar comportamentos à margem da lei que esta, a lex (que dura pouco e já não é de lex) - de vez em quando faz cumprir o normativo quando os Tribunais colaboram. Mas também aqui o exemplo foi o da impunidade lamentável que nos envergonha a todos, portugueses que ainda não sabemos bem desenhar a tal arroba à volta do "a" nem, como avança o especialista Bava, da PT, pesquisar uma palavra-chave na Net. Que ele, confessadamente, também reconheceu ter dificuldade, uma vez que "aprendia os tais procedimentos com os seus filhos" - que tinham mais apetecência para a coisa, segundo adiantou. Foi aqui que percebi que Portugal está perdido, definitivamente perdido...E não é na Net..
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  • I. Queiroz do Vale.. (coifeur, ao Saldanha))
  • Depois, e em quarto lugar no ranking do argumentário, sobre a sociedade do futuro e a construção do Homem Novo, veio Reginaldo de Almeida, o homem que faz furor com a sua obra, Sociedade Bit, que ainda não tive oportunidade de ler. Mas do que me foi dado ver e ouvir, como noutras intervenções anteriores, é que estamos perante um filósofo que cruza bem o conhecimento, ié, mescla de forma eficiente o saber das ciências duras com os conhecimentos das ciências humanas. E desse melting pot nasce um tertium genius que não é carne nem é peixe, mas que deixa - para quem é completamente nabo em filosofia e história das ideias - como eram os casos manifestos dos srs. PT e Siemens (agora fiquei baralhado se Siemens é com "Z")... , quando ouviram aquele a debitar sobre o Tratado de Paz Perpétua de I. Kant. Nesse momento, a câmara fez um flash a Bava e a Picolho - e ambos estavam estarrecidos ouvindo aqueles estranhos conceitos que emergiam debaixo das pedras. Como se diz na gíria: eram "dois burros a olhar para um Palácio". Pode ser aquele ali da lapa de Champaulimaud, pois o de Queluz já é muito batido - e também - por causa da realeza em gestação - não dispõe de boas instalações para a prática da formação profissional - do tipo "toca e foge", tal como era praticada pelas empresas da UGT geridas por T. Couto & Comp.ª
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  • Seja como for, é sempre útil ouvir alguém, neste caso uma estrela em ascensão, teorizar articuladamente sobre a evolução da sociedade da informação (que é um meio) a evoluir para a sociedade do conhecimento (que é um fim em si mesmo, como diria Kant). Pensei que o autor levasse o seu argumento um pouquinho mais longe e afirmasse que, na verdade, o esforço deveria ser atingir a sociedade da sabedoria, que suplanta a do conhecimento. Mas ficámos por aqui, pois como diz o sr. Bava, da PT, que apoia muitas escolas do Norte e no interior do país (Lisboa já é muito rica, por isso vem depois), nós, os portugas, ainda nem sequer sabemos fazer a tal busca das palavras-chave na Internet, e que o próprio - quando precisa - também pede a ajuda dos filhos para o efeito.
  • Bom, perante este quadro depressivo, e pedri prozac, não obstante as incursões avulsas a kant (sem, contudo, as concretizar - quer ao nível do sistemas e susbsistemas - educativo e tecnologico), a Toffler, a D. Bell e a mais uns quantos sociólogos (ocultos) que nas últimas três décadas já descobriram tudo sobre estes conceitos - é bom voltarmos a Kant e lembrar, pelas suas palavras: que não há nada mais prático do que uma boa teoria. Foi o que fizeram...
  • Mas de tudo resulta uma dúvida. Uma dúvida consternada - porque o dito programa teve zero de audiência. Aposto que foi por causa da tal deficiência dos portugueses, especialmente nos dedos, por ainda não saberem fazer a tal milagrosa pesquisa na net, tão do gosto do sr. Bava..., e cujos efeitos práticos foram ilustrados pela cultura geral da tal jovem, que ganho o tal concurso da pesquisa. Fez a pesquisa, descobriu o site oficial da UNESCO, mas depois não sabia o que era a coisa, ou se sim era algo relacionado com os direitos de autor, ou coisa que o valha..., meu Deus..
  • Tirando o método da aprendizagem para a vida inteira, muito badalado nas teses de mestrado do ISCTE, não sobraram ideias que ficassem na memória de qualquer português. Estratégias para o futuro da educação = zero; como adaptar a universidade à empresa dos nossos dias = zero; como ligar as universidades entre si para aumentar a cooperação e potenciar as sinergias = zero; como reformar a universidade dos caciques e da endogamia que bloqueia a academia em Portugal = zero; como reformar o sistema de avaliação do ensino superior = zero; como reformar a gerontocracia estéril que se arrasta com os tubos de hemodiálise pelos corredores das universidades fazendo a vida negra aos jovens investigadores = zero; como interligar as valências das universidades à administração pública = zero; como valorizar os quadros que estão no Estado de forma sub-aproveitada ou sub-valorizada = zero; como refundar a escola aos valores éticos = zero.
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  • Uma representaação do buraco negro. O sítio que define hoje Portugal. E a coisa é grave, porque os folhos do dito buraco atravessam e afectam simultaneamente as elites e as massas. Quem está no meio, a dita classe média (que Aristóteles estudou bem e disse que fazia sempre o poder ganhar ou perder as eleições, como um pêndulo naqueles relógios de caixa alta, de Luís XV ou XIV, não sei bem - perguntem ao Saraiva), só quer é novelas, futebol e ver a 5ª das Cele..
  • Julgo que o que salvou o debate, também com zero % de audiência repito (e isto também é um mau sinal, não apenas por causa da deficiente pesquisa na net tão sábiamente diagnosticada pelo sr. Bava da Pt ou do seu colega da Siemens), mas porque os portugueses não querem verdadeiramente discutir estes temas, e relegam-os para 2º plano na lógica das escolhas racionais - seduzidos pelas novelas e outros programas mais lúdicos, como 5ª das Celebridades e outros que tais deste nosso Portugal post-moderno, modernista - feito pela modista.
  • Julgo que o que salvou o programa foi a emergência de uma octogenária que usa o PC para trocar mails com os seus parentes no estrangeiro. A nota criou compaixão, muitos lares devem até ter chorado com tanta tecno-sensibilidade. Julguei até que poderia fazer o mesmo com os meus avós. Mas de repente, e pela luz de tanta irracionalidade e impreparação discursiva, de partilha útil de experiência e o mais que agora não digo - pergunto-me o que terão para dizer de interesante aqueles administradores-executivos aos seus colaboradores e subordinados... E a resposta veio pronta - através de duas rápidas notas aqui do meu modesto Conselho de Gerência:
  • 1) mostram o seu estatuto na empresa - com elevadas remunerações, máquinas de alta cilindrada, boas secretárias e bons gabinetes de trabalho;
  • 2) e mostram depois - aquilo que, na realidade, ofereceram aos portugueses no programa Prós & Contras: uma mão cheia de nada, um discurso vazio, intitucional, meramente formalóide, oco, cheio de pretensão e de semsaborias que já nenhum estagiário de direito, de filosofia, de gestão ou de sociologia tem o ensejo de cometer para uma multidão de duas pessoas.
  • E tudo, dizem, por causa desta nossa grande insuficiência: não sabemos fazer a pesquisa com a palavra-chave. Mas uma coisa sabemos: localizar o site oficial da UNESCO, o resto não interessa para nada... Foi então que me lembrei daquela "estória" do tipo que tinha muitas armas em casa... E um dia um amigo perguntou-lhe para que serviam. Ele respondeu que serviam para brincar, e que um dia iria fazer a guerra, só para saber se as ditas armas funcionavam.
  • Valha-nos Deus...
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sexta-feira

A máquina de calcular corroida

Sorropiei esta reflexão, que é um retrato da civilização do último quarto de século, dum blogue que me chamou a atenção. Tasca da Cultura. A coisa parece soft, mas não é. Ou seja, convida à reflexão, encerra muita sociologia, muita ciência, muita tecnologia, muita modernidade, mas também muitos valores antigos, ligados à história, à antropologia, à resistência à mudança social que os novos tempos e os ventos da história impuseram às culturas mais tradicionais. Nesta narrativa, o leitor encontrará um mundo de assuntos, numa perspectiva de cross-fertilization, com uma podereosa imaginação sociológica. É um viveiro de ideias sem fim, um palco por onde desfila uma multiplicidade de actores, muitos deles têm a ver connosco, outros com os nossos pais e avós, e outros ainda - com o futuro, com o indizível, com o contingente, com o risco, com a inteligência artificial, com a astronomia, com o mundo digital que hoje digitalizou as sociedades - e os comportamentos e atitudes - , com a paixão científica, enfim, com o existencuialismo da Idade da Razão - (e o problema das escolhas e das decisões em tempo de guerra) e da loucura, direi eu - que culminou no Nazismo e noutros fascismos que ainda hoje nos perseguem. Até a teoria dos jogos de Anattol Rapopport e o dilema do prisioneiro aqui se equaciona. Kissinger, apesar de não ser o autor da teoria que originou o dilema, aparece no enredo. Chegou a dizer que o Poder é o maior dos afrodisíacos, e depois - com esse mesmo poder - fechou os olhos à chacina que a Indonésia perpetrou em Timor-Leste, entretanto independente, apesar de continuar pobre e desgovernado... Enfim, podemos notar aqui um enredo complexo, feito de muitos mundos: crashs bolsistas no sobe e desce da especulações, o carrocel das traições nos circuitos do poder, os fluxos do poder da Net, o crime invisível, a morte veloz como um raio e depois, bom depois, aparecem-nos as raízes: a terra, os valores, a Natureza, a água, os hábitos e os costumes antigos e, talvez, uma noção velha de amizade que hoje não se vê nem se sente. Creio que esta máquina de calcular corroida por uma cadela - ainda acaba em romance ou ensaio, ou ambas as coisas. Na dúvida, teremos de perscrutar os sons mais íntimos da dita cadela, talvez prenuncie o índice desse romance em gestação, cujo parto pode ser difícil. Mas retratar 25 anos de história do Mundo contemporâneo exige mais, muito mais do que uma cadela e uma máquina calculadora. Exige vontade, método, imaginação e capacidade para soldar pontas dispersas dum enredo que já está montado. Para cruzar o espaço desta nossa contemporaneidade. Fragmentada entre a modernidade e os velhos tempos. Entre o chip e a oliveira, o bit e a azeitona. Os tempos em que os homens ainda choravam, e não eram censurados por isso... A consecução de tudo isto é uma proeza. Diria que é uma grande e genial caçada. Uma caçada grossa que ainda nos pode fazer crer que existem leões e leopardos no Alentejo, elefantes e veados no Ribatejo, e que a malta - aqui de Lisboa - se precipita para lá em debandada, em busca de aventura e de sensações fortes. Esperemos, desta vez, que aqueles felinos não se chateiem a sério e nos acabem por caçar a nós. Se assim for, o romance termina mal. Não é um romance, é uma tragédia com muitos mortos e funerais para realizar..., repartidos entre o Alentejo e o Ribatejo.
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  • Lembro-me da primeira vez que vi uma imagem digital. Foi numa máquina de calcular com ecrã de LCD, alimentada a energia solar. Era uma Sharp, de bolso. Eu nessa altura era fanático por impressões tacteis. Estava sempre a tocar em plásticos, couros, paredes, cartão, vidro fosco, fosse o que fosse, tinha de lhe sentir a textura. A tecnologia era um manancial tremendo de texturas novas. Esta máquina digital tinha botões de borracha e eu entretia-me a carregar neles pois como era a energia solar tanto fazia estar ligada como não e o meu pai não se zangava.
  • A minha cadela, ainda cachorra nessa altura, veio a roer a máquina pois agradava-lhe bastante a textura dos botões também. A minha cadela morreu há algum tempo, com 17 anos, e ainda tenho a máquina com os buracos dos dentes de cachorro ponteagudos. A máquina de calcular do meu pai, a anterior, era uma hp científica com mostrador de led's vermelhos. Tinha tantos botões e cores que eu costumava usá-la para brincar às naves espaciais. Era a minha pistola laser.
  • Um dia veio Aplle///&///+ lá para casa. Fui investigar. Parece que tinha 2mhz de velocidade e 128kb de ram. Fiquei triste por não ter tido um Spectrum como os meus amigos. A textura dos Spectrums era mais agradável, com o seu plástico cinzento, mas aquela maçã colorida do logo da Apple imbutida no meu bastava-me.
  • Depois pude explorar uma sala com uma boa dezena de IBM Pc1. Esses tinham uma textura estranha, como uma parede de tinta de areia. O plástico picavava e era bastante feio. Estava feita a diferença entre os PC e os Apple. Ainda hoje os Apple's são obras de design e os pc's, quando se esforçam para o ser, só conseguem chegar a obras de tuning. E com o computador feio comecei a olhar mais para o monitor verde e pixelizado. Havia um jogo que consistia num scroll down contínuo do ecrã e numa nave espacial que "caía" numa espécie de gruta e tinha de se desviar de objectos sem tocar nas paredes. Joguei. Em poucos dias acabei o jogo. E a sensação de ter vencido uma máquina virtual foi tão real como a do cesto que marquei a poucos segundos do fim no torneio CocaCola All Stars na minha escola.
  • E depois desse IMB PC veio o Schneider Euro PC, um 286, um 486, um pentiumII, III e IV, monitores hércules, cga, ega, vga, super vga e lcd, sem contar com a minha adorada Playstation 2 (que agora ganha pó porque passo o tempo a escrever mas que com o Gran Turismo 4 vai voltar...) e os telemóveis sempre da última geração. Apanhei com a Internet na sua génese e lembro-me perfeitamente de ter acreditado num site que dizia que Courtney Love tinha assassinado o Kurt Cobain. Veio o fascínio pela inteligência artificial (que estudei numa cadeira do meu curso), a astronomia e a paixão pela ficção científica. Consumi tudo, chats, forums, pornografia, xadrez, música, cinema, jogos online, até chegar à Tasca da Cultura onde finalmente me materializei numa total simbiose entre o meu mundo «real» e o «virtual». A minha vida, as coisas melhores que ela tem, a minha ambição e os meus sonhos foram todos forjados a 0 e 1's.
  • Quando penso na Internet tenho-lhe a mesma opinião que tenho da bomba nuclear. Estavamos bem melhor sem ela, era inevitável que aparecesse, e servirá cada vez mais interesses menos claros. Prevejo tempos negros. Talvez seja pessimista dirão. A energia nuclear também era vista assim, até anuncios futuristas dos 50's mostram uma torradeira nuclear e uma família feliz. Depois fizeram-se abrigos nucleares no quintal, com anuncios tv como se vendessem casas luxuosas. Agora põe-nos filtros de spam, pop up killers, ad ware watch e antivirus e mesmo assim somos expostos a uma radiação do que há de pior na humanidade, a começar pela mentira que circula por e-mails como se fosse um dado adquirido, a passar por termos a vida toda numa base de dados algures e a acabar com videos de decapitações de refens disponíveis online. Kissinger dirá que a bomba nuclear foi necessária ao equilibro de duas superpotências, a solução do dilema do prisioneiro da teoria dos jogos. A Internet também satisfaz uma óbvia necessidade no homem: a comunicação. Mas há algo de hipnótico no efeito que causa em toda a sociedade. Será constante, pensou-se o mesmo quando surgiu a televisão.
  • No entanto estou profundamente convicto que o pessimismo face ao futuro não é constante por defeito de raciocínio. É constante porque os motivos para o pessimismo também o são. Lebedev, uma personagem do Idiota de Dostoiévski, é apaixonado pela ideia do Apocallipse, fazendo todo o tipo de previsões e numerologia mística. Diz ele que «a estrela de absinto» anunciará o fim do mundo. Diz que essa estrela não está no céu, está naTterra e são os caminhos de ferro que confluem todos para o centro da Europa. Diz ele que as fronteiras entre os países vão-se esbater, os povos misturar-se e entrar em conflito (alguém falou no fundamentalismo islâmico?), as guerras serão muito mais mortíferas porque se pode transportar muito mais homens e armas. Estávamos em meados do século XIX, antes do conflito Franco-Prussiano e logo no início do XX ocorreu a primeira guerra mundial em que os caminhos de ferro foram essenciais à mobilização dos meios para a chacina de 9 milhões de pessoas. Recomendo o seu estudo pois nove milhões de mortos por, literalmente, nada, merece um estudo cuidado.
  • Os intelectuais pareciam fascinados pela espiral do conflito, pela grandeza e honra dos combates. As tropas eram enviadas para morrer por comboio como depois por comboio eram levados os judeus para os campos da morte nazis, algumas décadas depois, de novo numa espiral de histeria colectiva. E mesmo intelectuais caiem facilmente na ratoeira, largam tudo para ir combater na Guerra Civil de Espanha porque as suas vidas são, aparentemente, vazias (Leio o L'age de raison do Sartre agora). O bonito chavão da sociedade de Informação esconde uma sociedade da pornografia e do terrorismo. O único negócio rentável nos primeiros 15 anos da internet foi a pornografia que se especializou na satisfação imediata de todo o tipo fantasias extremas e doentias, como a pedofilia. A crença no eldorado das .com cegou experientes economistas e gestores e o crash bolsista foi o maior de sempre! É a nova forma de absolutismo, obriga-nos a uma constante sensação de insatisfação, uma sede de largura de banda e megas de memória, criando-nos necessidades e vícios que não existiam antes, mas ao contrário de outros produtos, os avanços tecnológicos nesta area são vistos como saltos civizacionais. Nada neste raciocínio é novo, admito. A Net é simplemsente nova «estrela de absinto».
  • Tv, um aborígene com 90 e poucos anos, sentado no deserto terroso vermelho da austrália, perto de umas rochas sagradas de um imponente desfiladeiro. Os aborígenes são o povo e a cultura mais velha do mundo. Não tinham mudado quase nada em 60 mil anos até chegarmos. Este velho aborígene fala da sua infância, antes do homem branco. Disse que quando chovia naquelas montanhas a água escorria e caía em cascata e era a alegria da aldeia. Iam para lá e mergulhavam na água fresca que fazia um ruído mágico ao escorrer do desfiladeiro. O velho chorou. Disse, de dentro das roupas ocidentais que lhe assentavam mal, que agora não havia ninguém ali quando chovia para brincar na água e que a vida era muito pior para os jovens. Só preocupações. Também me apeteceu chorar. Se não sabia o que era o cancro e o alcoolismo agora sabe. Se não sabia o que é a pobreza agora sabe. Se não sabia a importância de andar vestido mesmo quando está um calor tórrido agora sabe. Se não sabia que se podia domesticar o culto místico dos seus vários deuses num só e dentro de igrejas agora sabe. Se não sabia como é bom poder fazer 300 km de carro num dia agora sabe. Se não tinha vontade de comprar coisas agora tem. Se não tinha medo de morrer agora tem porque o medo e a vergonha da morte como derrota da ciência são um produto dos nossos dias.
  • Eu só queria voltar aos tempos em que um computador era um objecto mágico com textura, como se fosse uma bola de borracha ou uma concha do mar tirada das areias do Algarve. Até a minha cachorra deu um uso mais apropriado à máquina de calcular. Eu só descobri agora que a máquina sabe mesmo bem e a textura é muito agradável de roer. Cadelita esperta hã?
# posted by O Bom Selvagem : 3:44 PM in - http://tascadacultura.blogspot.com

Formas nas nuvens...

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  • Se não conseguirmos ver formas nas nuvens de que nos serve, afinal, a massa cinzenta?! Se não conseguirmos ver cavalos marinhos nas nuvens, políticos nas nuvens, nuvens a voar em forma de pássaros - então, bom então - é que não conseguimos ver mesmo nada. Hoje percebo melhor aquilo que o meste e amigo Agostinho da Silva me dizia, quando me despedia de mais um encontro no Príncipe Real: agora vá, vá e descubra jacaré nas nuvens.
  • Em rigor, nunca vi lá jacarés, mas para o fim em vista, o cavalo marinho, os políticos e os pássaros ilustram bem o exemplo dado pela loucura da normalidade saudável que o grande Almada Negreiros nos deu a todos - e que hoje perdura nas nossas memórias, como semente em terra fértil.
  • Por isso, Viva a loucura saudável... Talvez seja o que possamos dizer quando subimos a escada da nossa imaginação em direcção ao céu da criatividade e da arte, para vislumbrar as tais formas - invisíveis para gente normal...
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A loucura da normalidade..

  • Não é por me chamarem louco que desanimo e deixo de criar obras que os outros não entendem, mas que depois exaltam como criações divinas, sobre-humanas. E eu ouço e fingo que não é comigo... Ou talvez diga: coitados, são uns retardatários, uns relapsos. Ora isto confunde-se quase com o pagamento dos impostos.. Também, com o Estado que temos!
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  • Depois, fico sem saber bem a diferença que separa um louco daquele que o não é. Será por termos uma casa, um carro, alguma educação, comermos à mesa com talheires??!!! Pois, também arrotamos, também cheiramos mal, também transpiramos, também saímos da norma, ou seja, daquilo que a sociedade instituiu como convenção social.
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  • Também andamos à roda, por vezes numa espiral que nos enlouquece. Temos falta d'ar - que não se vê. Deixamos de ter tapete, quando o nosso velho morre. Entramos na aspiral, que nos expira não sei bem para onde. Um espaço e um tempo não racionalizáveis. O tempo está dentro de nós; o espaço absorve-nos a partir de fora. E assim julgo não haver fronteira entre um louco e uma pessoa (dita) normal. Apenas o louco sabe que o é, assume-se como tal. Não aceita a indiferença, reclama imediatamente no meio da multidão sem ter receio de ser censurado pela turba que, mesmo sem o saber, é que é verdadeiramente louca. Com uma má fé - toda cumplice, inerte, oculta e silenciosa. Daquelas que vê o desastre e finge que é um placard da Pepsi-Cola, passe a Pub. Ora eu, o grande Almada, não sou assim. Não quero ser assim. Quero ser louco, quero que todos vejam a minha loucura. E a paguem caro, seus relapsos da anormalidade... Pois se eu não fosse louco, como seria capaz de criar, ver para além do zénite e do horizonte?! Seria como todos Vós, seus retardatários, ignorantes, improdutivos, imitadores de rotinas que nada imaginam, concebem ou criam. E assim morrem estúpidos, sem nunca terem experimentado a vox e mão da criação, que alguns dizem ser divina. Amén.
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  • Por isso, morrem sem saber que alguma vez existiram, seus trôpegos, aleijados. Por isso, daqui exorto: nunca desistam de criar, de cometer erros, pois o erro é uma verdade à espera de vez, como dizia o grande Virgilio Ferreira, que morreu amargurado, talvez por antever que o Nobel da literatura foi para um tal Zaramago que escreve sem pontos nem pontuação e que não vai além da média. Salvo na censura e nos saneamentos aos seus colegas no DN ao tempo do 25 de Abril...
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  • Afinal, todos morremos da mesma forma. Mas nunca desistam de sonhar, de serem engenheiros de telecomunicações, matemáticos, cientistas da couve e da indústria aviónica, poeta à solta - como Agostinho da Silva, farmacêuticos ou ainda editores de uma revista para homens, como aquelas que as mulheres gostam. Com ou sem o mamilo da Catarina Furtado, com ou sem a mamoca da Bárbara Guimarães, com ou sem o trazeiro da Alexandra Lencastre, com ou sem o rosto da Manuela Ferreira Leite... No fundo, lá bem no fundo, para alguns aquelas formas que supra-vemos são bem quadradas, mas para a generalidade dos mortais - o que vêem não passa de coisas feéricas. Então o Mundo não seria diferente - se em lugar de lá vermos bolas víssemos outras formas!? Tenho dito, Pim!

Loucuras sem psiquiatria...

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Por um acaso do destino confrontei-me há dias com o blog Tasca da Cultura http://tascadacultura.blogspot.com Nele encontrei algumas derivas que me fizeram recuar no tempo e no espaço. Tanto que recuei ao tempo em que a minha Avó era viva, e com ela percebia a importância de ter pais a dobrar, mas com mais maturidade. Mas isto agora não importa, o essencial é a história que o "bom selvagem" nos conta na Tasca da Cultura, um blog que recomendamos. Uma história feita no bus, no 46 - a carreira que faz Stª Apolónia - Damaia, muito intercultural, portanto. É uma "estória" louca, digna de registo e, qui ça, de tratamento. Uma história que me suscitou outra, que narrarei antes de passarmos à história central. Assim, peço a sua atenção para 2 minutos de letras, antes de mergulharmos na estória do menino louco do 46, que podia bem ser qualquer um de nós, com mais ou menos lata, com mais ou menos neurónios e senso de normalidade. A estória que aqui e agora partilho é verdadeira e passou-se comigo em 1991, ano de conclusão do curso de faculdade.
Estava eu mais 3 colegas de curso na paragem do Bus, ali à Junqueira. Todos estávamos felizes. Pois todos tínhamos passado à disciplina, findo o exame oral. Por isso, a proeza tinha de ser festejada. Bem e de forma barata, de preferência. O destino era uma casa que vendia hamburgers nos Restauradores, perto do Glorioso que já não ganha um campeonato há séculos... Bom, lá fomos todos. Mas enquanto aguardávamos pelo bus no local de partida, fomos arrebatados por um marginal de meia idade, que se encaminhava para nós a grande velocidade e dizia: "quero uma moedinha", quero uma moedinha... Dizia-o como uma insistência tal que se tornava autoritário. Autoritário e ensurdecedor. Convenceu à força, num misto de piada e receio. Pois o tipo tinha as pernas arqueadas, (e não era do hipismo, certamente), estatura baixa, uma meia de cada côr, acho que o sapato também, a barba por fazer, também já tinha a dentadura toda, e, por tudo, tinha uma particularidade que sobressaía. Dizia, berrando: "a minha irmã é uma p....", a minha irmã é uma p...a. Bom, no fim, quando a respiração dava lugar ao cansaço, lá lhe perguntei porquê. Respondeu-me que sim, porque lhe dava sopa de peixe estragado.
E depois virava o disco e tocava a mesma letra estafada. E nós, claro, já com muita pena da sua irmã, que desconhecíamos... Aquele "namoro", entre ameaças de colisão e sedução, demorou uns bons 20 minutos. O tempo do bus chegar. Todos lhes demos uma gorja. Mas todos o fizémos de modo contrariado, mas para evitar problemas cedemos. Mas não apanhei o bus sem que antes lhe voltasse a perguntar onde morava a irmã e o que fazia...
Entretanto o bus chegou. Nós entrámos - a caminho da tal comemoração pela passagem da cadeira que, praticamente, nos tornava licenciados. O tipo, naturalmente, ali permaneceu chateando mais uns quantos, que entretanto chegaram. E eu - ainda a tempo - insisti: onde é que mora a tua irmã e o que faz ela?... Foi então, já com o bus a andar, que ele me soprou umas palavras, como o vento faz com as folhas de papel. E disse, com uma cara esgazeada: "a minha irmã já morreu..." e repetiu..
A coisa cheira a anedota, mas não é, quer dizer, não foi. Por isso, ao ler esta estória (na Tasca da Cultura) do puto que apanha o bus 46 - que muitas vezes me transportou para a Feira da Ladra aos Sábados, onde comprava livros e outras coisas mais a bom preço, e aprendia a sociologia da vida que nenhuma universidade ensina, lembrei-me desta narrativa, que se passou comigo e que só recordo, porventura, por causa da Tasca da Cultura. Uma tasca muito especial, pois é desse meu companheiro de outras caçadas. Caçadas que se situam entre o Ribatejo e o Alentejo, mas a ordem pode-se inverter. Por entre cabeços, matas e silvas - sempre tentando encontrar a melhor perdiz, o melhor javali, que é como quem diz, localizar a melhor forma de tele-comunicar o resultado da melhor investigação. Esperemos, tanto num caso como noutro, que não seja só para inglês ver...
O que é facto é que ainda hoje me pergunto do que será feito desse artista que sacava moedas às pessoas na paragem do bus. Mas o que mais me intriga nem é isso, mas a forma que escolheu para vender a sua história e, assim, ganhar a vida. Ainda hoje me questiono se a irmã deste artista alguma vez chegou a existir, senão na cabeça dele, o seu irmão que, porventura, nunca teve irmã. O que tinha, além da loucura, era uma imaginação prodigiosa que, se fosse o Eistein, ter-se-ía imortalizado..
Mas no fundo, no fundo, acho que fomos todos "comidos" com a história da irmã que lhe dava a tal sopa...
Narrada a estória supra, veja agora a estória infra...
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in Tasca da Cultura- www.tascadacultura.blogspot.com
Noutro autocarro, o 46, costumava subir em Santa Apolónia um rapaz que tem alguma deficiência mas parece ser perfeitamente normal (sem ser eu). Apesar de aparentar ter quase trinta anos ele comporta-se como uma criança de seis ou sete anos (estou a falar dele), desinibida e irrequieta ainda por cima. De manhã, nos autocarros que enchem no terminal do terreiro do paço com os suburbanos que vêm em manada dos barcos as pessoas têm caras de poucos amigos. Por vezes as suas caras de poucos amigos ficam a escassos centímetros umas das outras. Não convem ficar a escassos centímetros da cara deste rapaz. Ele fala para a nossa cara. E fala alto. E de coisas que não percebemos. Com os olhos esbugalhados. Eu entrava com ele no autocarro meio vazio e esperava que ele escolhesse primeiro o lugar onde se ia sentar. Depois eu escolhia o meu a distância segura mas de modo a que o meu campo de visão me permitisse ver o espectáculo que começaria no terreiro do paço. As pessoas entravam até não caber ninguém e nem estranhavam que nenhum dos experimentados passageiros que vinham de Sta Apolónia não cobissassem cobiçassem um dos 3 lugares vazios em torno do rapaz. É que nós, os que subíamos na paragem à mesma hora, já sabíamos. As pessoas sentavam-se e procuravam um ponto fixo livre para poderem fixar o olhar e evitar assim o dos outros. De repente, e sempre de forma imprevisível, o rapaz começava a interpelar quem quer que se sentasse em frente a ele com "olha.. olha". Neste caso que quero relatar, tratava-se de uma bela jovem com ar de quem vai a caminho do emprego. Ele a escassos centímetros solta um fanhoso “Olha... O João foi à tropa.” A senhora, logicamente, fica surpreendida, as cabeças voltam-se no autocarro. Percebe-se rapidamente que é um louco. Ela acena para ele sorri de forma condescendente, como a uma criança. Não o suficiente. Ele continua “O João foi à tropa! O João foi à tropa... O João... foi à tropa! O João foi... à tropa.O João foi à tropa? O João foi à tropa ! “. Ninguém reage. Ninguém parece estranhar ou sequer reparar que alguém está a repetir “o joão foi à tropa” aos gritos a uma pobre jovem a caminho do emprego. Mas lá dentro, lá bem no fundo, estão todos gratos a Deus por não terem sido as vítimas do louco, “O João foi à tropa, o joão foi à tropa? O joão foi à tropa! O joão...”, rezam para que ele não repare nelas e esforçam-se para não lhe chamar a atenção. Por esta altura a senhora está logicamente indecisa entre levantar-se e fugir para outro lugar do apertado autocarro confessando a todos os olhares que se sentiu incomodada , correndo o risco de arreliar mais o louco ou, por outro lado, fingir, continuar a fingir que não vê, que é superior àquilo. Mas o rapaz não desiste e até se irrita mais com a indiferença dela. “O João foi à tropa! O João foi à tropa!” repete ele quase espumando da boca e tombando a cabeça exageradamente grande para cair no ângulo de visão dela que tenta abstair-se daquilo olhando para um semáforo ou um placard publicitário pelas janelas do autocarro. Até que ele, o louco, lhe pergunta, quase a chorar “Onde foi o João? Onde foi o João? Olha, olha,... Onde foi o João?”. Ela, irritada, responde-lhe “Não sei!” e desvia o olhar. Ele grita-lhe “À TROPA! O JOÃO FOI À TROPA!” pasmado com a falta de atenção da aluna. Essa até eu sabia. O João foi à tropa caramba. Na minha cidade de província costuma-se empurrar o louco da cidade para dentro dos moloks, aqueles caixotes de lixo grandes para onde os loucos espreitam curiosos para remexer no lixo. Todas as cidades têm o seu louco de serviço, uma mascote. Normalmente é bem tratada, alimentada e vestida. Serve uma função que é a de os lembrar que há gente filha de um deus menor que o nosso. Eu invejo o louco do autocarro. Teoricamente eu próprio podia fazer aquilo que ele fiz. Alguém ia agredir-me? Qual era a pior coisa que me acontecia? E não era preciso fazer algo assim que me rebaixasse. Podia recitar um poema de Pessoa para todo o autocarro e calar-me depois e ler um livro. Podia dizer à rapariga que ela era muito bonita e dizê-lo bem alto para toda gente ouvir. Aquele louco era capaz. Eu não porque o meu super-ego é um tirano, um ditador com mão de ferro que só me deixa em paz soltando-me da corrente inibidora da seratonina quando estou ébrio. Bendito alcoól que nos concede o dom da loucura momentanea. Obrigado. Se souberes domar a bebida, a tua e a dos outros, tens o mundo a teus pés. Na Grande CIdade aprendi a dominar a bebida e a usá-la a meu proveito. Um pouco pour moi para me desinibir para além do limite do autismo e muito pour les filles para que digam sim a tudo. # posted by O Bom Selvagem : 1:37 PM Obras de arte: 10 9/20/2004

quinta-feira

A obra de Reginaldo Rodrigues de Almeida

  • Este livro aguarda leitura. Para um comentário à altura, se conseguir..
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  • Aqui está o autor da obra, Reginaldo R. de Almeida, que supunha ser do
  • Instituto Superior Técnico, mas não. Afinal, é da Universidade Autónoma.

Fernando Pessoa, Universal, Rápido, Cósmico, Intemporal

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  • Fernando Pessoa a pensar..., apressado, talvez em direcção ao Martinho da Arcada beber o sumo da uva, da qual extraía a divina inspiração que o imortalizou. E, no entanto, ao concorrer à Biblioteca de cascais ficou eliminado no concurso com o fundamento de que dominava mal a língua... A vida tem coisas que mais parecem fantasmas, e estes colam-se a certas pessoas. Pessoas com "p" pequeno, naturalmente...
Image Hosted by ImageShack.usImage Hosted by ImageShack.us Génese. "Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos homens." Fernando Pessoa, em "O Eu Profundo"

quarta-feira

Globalização em Portugal

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Globalização em Portugal
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  • Portugal está confrontado com uma questão: como enfrentar os constrangimentos da realidade social e económica que o rodeia? Com a sociedade bloqueada, o País é incapaz de reagir à imagem da crise instalada. Haverá diferença entre o prometido e o realizado pela classe dirigente? Que significado terá o facto de em Portugal ter havido eleições legislativas antecipadas, precipitadas por uma derrota autárquica do PS que gerou, aparentemente, uma crise política por quem exercia o poder e ainda dispunha de metade da legislatura para concluir o seu mandato? Provavelmente, o engº Guterres, hoje com um pé no ACNUR, poderá dar a resposta…
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  • À luz da Ciência Política este facto não pode deixar de assinalar um facto negativo, deixando os portugueses gazeados com tanta irracionalidade gerada pelo reino do absurdo. Difícil é acordar deste sono político que nos adia a modernização e o desenvolvimento económico, social e político.
  • Movimento análogo foi desenvolvido pelo presidente do PSD, então primeiro-ministro de Portugal, hoje à frente dos destinos da Comissão Europeia. Estabelece-se, assim, em ambos os casos duas camadas de nevoeiro político difícil de furar, propiciando condições de afirmação do tal reino do absurdo que impede às mentes nacionais percepcionarem os factores de desenvolvimento do País e o desenho do modelo de modernização que melhor serve essa finalidade.
  • Se o leitor olhar para a sociedade portuguesa o que vê senão um aparelho bloqueado, com peças estragadas, outras reparadas e a funcionar a meio gás, perdendo competitividade relativa em todos os indicadores de desenvolvimento humano referenciados pela OCDE e pelo PNUD.
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  • Depois, se o leitor fizer uma interpretação dinâmica desta nossa triste realidade o que vê senão o filme desse mesmo marasmo, com o interior de Portugal a não conseguir acompanhar as ondas de choque e os sinais do exterior, daí resultando a tal indeterminação e indecibilidade na gestão dos factores de desenvolvimento que tolhem o País.
  • Em concreto, a sociedade portuguesa tem balanceado, nos últimos 30 anos, entre as origens de integração de Portugal na EFTA até à sua inclusão na dinâmica do III milénio, entre os imperativos de se adaptar competitivamente aos efeitos do exterior: interiorizando as normas de Bruxelas que obrigam à reformulação de comportamentos colectivos e, assim, provocar a mudança das concepções socio-económicas estabelecidas acerca do que devem ser os novos equilíbrios sociais, agora centrados na prioridade dos processos competitivos para afirmar a teologia desenvolvimentista cujos efeitos ainda não se fizeram sentir em Portugal.
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  • Durante algum tempo, para resolver as suas crises e desequilibrios, o País dependeu das instituições e das normas do exterior no interior (via FMI), quer na forma de programas de estabilização, quer na forma de directivas ou imposições oriundas da União Europeia. Mas agora há um problema acrescido: na Europa e no Mundo – a capacidade de diagnóstico e de decisão a partir do exterior diluiu-se. O resultado está à vista, com Portugal a sofrer da recessão mundial e europeia, sendo certo que quando esta lógica se inverter Portugal, por razões geo-económicas, também será dos últimos a beneficiar desse putativo efeito de arrastamento positivo.
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  • Nessa óptica, a circunstância do País ter conseguido sair-se bem das crises conjunturais do passado – mercê das intervenções consentidas do exterior – não é liquido que goze de igual sucesso no quadro das exigentes manifestações de crise trazidas com a globalização competitiva. Agora, nenhuma das variáveis está controlada, directa ou indirectamente, pelas economias mais avançadas do mundo. Esta é a novidade.
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  • Parece até que a arquitectura emergente do sistema de relações internacionais deixou de ter potência política suficiente, ou qualidade no plano da sua liderança, para corrigir esses desvios dinamizados pela crise económica global, terrorismo em rede (que é errático, catastrófico e suicidário) a par dum conjunto de contingências e indeterminações impossíveis de elencar, que se situam nos planos imaginário e simbólico do tecido das sociedades nacionais que formam o todo (identitário) mundial. Hoje, portanto, quer os sonhos como os pesadelos são globais…
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  • Nunca como hoje o sistema de relações internacionais registou tanta turbulência que fragmente a plataforma dos interesses comuns; nunca como hoje os problemas identitários, i.é, mitigando a cultura com a religião e a historicidade se imiscuem tanto no desenho dos modelos económicos, penalizando as respectivas produtividades e sistemas de distribuição social que, em última instância, acabam por afectar a formação do poder, a qualidade e dinâmica das decisões - vectores nucleares para o desenho de programas de desenvolvimento sustentáveis.
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  • Por isso é que o sucesso de Portugal – para cumprir a globalização feliz que lhe falta – terá de passar pela eficiente interiorização das principais tendências e correntes de modernização (tecnológica) que vêm do exterior. Assim, reduzirá os graus de indeterminação, indecibilidade e crise potenciando, por seu turno, os efeitos que o imaginário, o simbólico e o real possam ter na economia e na sociedade. Se estas funcionarem bem, as instituições do sistema político tenderão a acompanhar o ritmo, como uma radiografia de uma patologia que agora antecipa o seu efeito terapêutico na marcha para o progresso material e desenvolvimento espiritual dos povos.
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