sexta-feira

Loucuras sem psiquiatria...

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Por um acaso do destino confrontei-me há dias com o blog Tasca da Cultura http://tascadacultura.blogspot.com Nele encontrei algumas derivas que me fizeram recuar no tempo e no espaço. Tanto que recuei ao tempo em que a minha Avó era viva, e com ela percebia a importância de ter pais a dobrar, mas com mais maturidade. Mas isto agora não importa, o essencial é a história que o "bom selvagem" nos conta na Tasca da Cultura, um blog que recomendamos. Uma história feita no bus, no 46 - a carreira que faz Stª Apolónia - Damaia, muito intercultural, portanto. É uma "estória" louca, digna de registo e, qui ça, de tratamento. Uma história que me suscitou outra, que narrarei antes de passarmos à história central. Assim, peço a sua atenção para 2 minutos de letras, antes de mergulharmos na estória do menino louco do 46, que podia bem ser qualquer um de nós, com mais ou menos lata, com mais ou menos neurónios e senso de normalidade. A estória que aqui e agora partilho é verdadeira e passou-se comigo em 1991, ano de conclusão do curso de faculdade.
Estava eu mais 3 colegas de curso na paragem do Bus, ali à Junqueira. Todos estávamos felizes. Pois todos tínhamos passado à disciplina, findo o exame oral. Por isso, a proeza tinha de ser festejada. Bem e de forma barata, de preferência. O destino era uma casa que vendia hamburgers nos Restauradores, perto do Glorioso que já não ganha um campeonato há séculos... Bom, lá fomos todos. Mas enquanto aguardávamos pelo bus no local de partida, fomos arrebatados por um marginal de meia idade, que se encaminhava para nós a grande velocidade e dizia: "quero uma moedinha", quero uma moedinha... Dizia-o como uma insistência tal que se tornava autoritário. Autoritário e ensurdecedor. Convenceu à força, num misto de piada e receio. Pois o tipo tinha as pernas arqueadas, (e não era do hipismo, certamente), estatura baixa, uma meia de cada côr, acho que o sapato também, a barba por fazer, também já tinha a dentadura toda, e, por tudo, tinha uma particularidade que sobressaía. Dizia, berrando: "a minha irmã é uma p....", a minha irmã é uma p...a. Bom, no fim, quando a respiração dava lugar ao cansaço, lá lhe perguntei porquê. Respondeu-me que sim, porque lhe dava sopa de peixe estragado.
E depois virava o disco e tocava a mesma letra estafada. E nós, claro, já com muita pena da sua irmã, que desconhecíamos... Aquele "namoro", entre ameaças de colisão e sedução, demorou uns bons 20 minutos. O tempo do bus chegar. Todos lhes demos uma gorja. Mas todos o fizémos de modo contrariado, mas para evitar problemas cedemos. Mas não apanhei o bus sem que antes lhe voltasse a perguntar onde morava a irmã e o que fazia...
Entretanto o bus chegou. Nós entrámos - a caminho da tal comemoração pela passagem da cadeira que, praticamente, nos tornava licenciados. O tipo, naturalmente, ali permaneceu chateando mais uns quantos, que entretanto chegaram. E eu - ainda a tempo - insisti: onde é que mora a tua irmã e o que faz ela?... Foi então, já com o bus a andar, que ele me soprou umas palavras, como o vento faz com as folhas de papel. E disse, com uma cara esgazeada: "a minha irmã já morreu..." e repetiu..
A coisa cheira a anedota, mas não é, quer dizer, não foi. Por isso, ao ler esta estória (na Tasca da Cultura) do puto que apanha o bus 46 - que muitas vezes me transportou para a Feira da Ladra aos Sábados, onde comprava livros e outras coisas mais a bom preço, e aprendia a sociologia da vida que nenhuma universidade ensina, lembrei-me desta narrativa, que se passou comigo e que só recordo, porventura, por causa da Tasca da Cultura. Uma tasca muito especial, pois é desse meu companheiro de outras caçadas. Caçadas que se situam entre o Ribatejo e o Alentejo, mas a ordem pode-se inverter. Por entre cabeços, matas e silvas - sempre tentando encontrar a melhor perdiz, o melhor javali, que é como quem diz, localizar a melhor forma de tele-comunicar o resultado da melhor investigação. Esperemos, tanto num caso como noutro, que não seja só para inglês ver...
O que é facto é que ainda hoje me pergunto do que será feito desse artista que sacava moedas às pessoas na paragem do bus. Mas o que mais me intriga nem é isso, mas a forma que escolheu para vender a sua história e, assim, ganhar a vida. Ainda hoje me questiono se a irmã deste artista alguma vez chegou a existir, senão na cabeça dele, o seu irmão que, porventura, nunca teve irmã. O que tinha, além da loucura, era uma imaginação prodigiosa que, se fosse o Eistein, ter-se-ía imortalizado..
Mas no fundo, no fundo, acho que fomos todos "comidos" com a história da irmã que lhe dava a tal sopa...
Narrada a estória supra, veja agora a estória infra...
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in Tasca da Cultura- www.tascadacultura.blogspot.com
Noutro autocarro, o 46, costumava subir em Santa Apolónia um rapaz que tem alguma deficiência mas parece ser perfeitamente normal (sem ser eu). Apesar de aparentar ter quase trinta anos ele comporta-se como uma criança de seis ou sete anos (estou a falar dele), desinibida e irrequieta ainda por cima. De manhã, nos autocarros que enchem no terminal do terreiro do paço com os suburbanos que vêm em manada dos barcos as pessoas têm caras de poucos amigos. Por vezes as suas caras de poucos amigos ficam a escassos centímetros umas das outras. Não convem ficar a escassos centímetros da cara deste rapaz. Ele fala para a nossa cara. E fala alto. E de coisas que não percebemos. Com os olhos esbugalhados. Eu entrava com ele no autocarro meio vazio e esperava que ele escolhesse primeiro o lugar onde se ia sentar. Depois eu escolhia o meu a distância segura mas de modo a que o meu campo de visão me permitisse ver o espectáculo que começaria no terreiro do paço. As pessoas entravam até não caber ninguém e nem estranhavam que nenhum dos experimentados passageiros que vinham de Sta Apolónia não cobissassem cobiçassem um dos 3 lugares vazios em torno do rapaz. É que nós, os que subíamos na paragem à mesma hora, já sabíamos. As pessoas sentavam-se e procuravam um ponto fixo livre para poderem fixar o olhar e evitar assim o dos outros. De repente, e sempre de forma imprevisível, o rapaz começava a interpelar quem quer que se sentasse em frente a ele com "olha.. olha". Neste caso que quero relatar, tratava-se de uma bela jovem com ar de quem vai a caminho do emprego. Ele a escassos centímetros solta um fanhoso “Olha... O João foi à tropa.” A senhora, logicamente, fica surpreendida, as cabeças voltam-se no autocarro. Percebe-se rapidamente que é um louco. Ela acena para ele sorri de forma condescendente, como a uma criança. Não o suficiente. Ele continua “O João foi à tropa! O João foi à tropa... O João... foi à tropa! O João foi... à tropa.O João foi à tropa? O João foi à tropa ! “. Ninguém reage. Ninguém parece estranhar ou sequer reparar que alguém está a repetir “o joão foi à tropa” aos gritos a uma pobre jovem a caminho do emprego. Mas lá dentro, lá bem no fundo, estão todos gratos a Deus por não terem sido as vítimas do louco, “O João foi à tropa, o joão foi à tropa? O joão foi à tropa! O joão...”, rezam para que ele não repare nelas e esforçam-se para não lhe chamar a atenção. Por esta altura a senhora está logicamente indecisa entre levantar-se e fugir para outro lugar do apertado autocarro confessando a todos os olhares que se sentiu incomodada , correndo o risco de arreliar mais o louco ou, por outro lado, fingir, continuar a fingir que não vê, que é superior àquilo. Mas o rapaz não desiste e até se irrita mais com a indiferença dela. “O João foi à tropa! O João foi à tropa!” repete ele quase espumando da boca e tombando a cabeça exageradamente grande para cair no ângulo de visão dela que tenta abstair-se daquilo olhando para um semáforo ou um placard publicitário pelas janelas do autocarro. Até que ele, o louco, lhe pergunta, quase a chorar “Onde foi o João? Onde foi o João? Olha, olha,... Onde foi o João?”. Ela, irritada, responde-lhe “Não sei!” e desvia o olhar. Ele grita-lhe “À TROPA! O JOÃO FOI À TROPA!” pasmado com a falta de atenção da aluna. Essa até eu sabia. O João foi à tropa caramba. Na minha cidade de província costuma-se empurrar o louco da cidade para dentro dos moloks, aqueles caixotes de lixo grandes para onde os loucos espreitam curiosos para remexer no lixo. Todas as cidades têm o seu louco de serviço, uma mascote. Normalmente é bem tratada, alimentada e vestida. Serve uma função que é a de os lembrar que há gente filha de um deus menor que o nosso. Eu invejo o louco do autocarro. Teoricamente eu próprio podia fazer aquilo que ele fiz. Alguém ia agredir-me? Qual era a pior coisa que me acontecia? E não era preciso fazer algo assim que me rebaixasse. Podia recitar um poema de Pessoa para todo o autocarro e calar-me depois e ler um livro. Podia dizer à rapariga que ela era muito bonita e dizê-lo bem alto para toda gente ouvir. Aquele louco era capaz. Eu não porque o meu super-ego é um tirano, um ditador com mão de ferro que só me deixa em paz soltando-me da corrente inibidora da seratonina quando estou ébrio. Bendito alcoól que nos concede o dom da loucura momentanea. Obrigado. Se souberes domar a bebida, a tua e a dos outros, tens o mundo a teus pés. Na Grande CIdade aprendi a dominar a bebida e a usá-la a meu proveito. Um pouco pour moi para me desinibir para além do limite do autismo e muito pour les filles para que digam sim a tudo. # posted by O Bom Selvagem : 1:37 PM Obras de arte: 10 9/20/2004