terça-feira

O Estado mundial

- O Estado mundial -
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  • É corrente, dentro e fora da academia, falar-se na crise do Estado nacional. Os EUA, por exemplo, são a única superpotência restante da Guerra Fria e também o exemplo do Estado nacional (multicultural) mais eficaz, operatório, e o único capaz de regular conflitos distantes das suas fronteiras naturais, demonstrando a sua efectiva capacidade de intervenção estratégica. Nessa óptica, são uma prova irrefutável de que o Estado nacional não está, de facto, em crise. É uma excepção à regra. Ou seja, a proclamada “crise” não é inerente ao dispositivo em si mesmo nem igual para todos, mas sim o resultado da capacidade de resistir e de se adaptar aos “choques” de modernização e às “ondas” geradas pela revolução silenciosa das Tecnologias da Informação, Comunicação e Decisão Estratégica (TICDE) que proliferam amiúde pelo mundo.
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  • Noutra latitude, a União Europeia, é uma construção política em formação que anda em busca de um dispositivo institucional eficaz. Máxime, agora que aumentou para 25 os Estados membros, trazendo consigo acrescidas necessidades de coordenação e inventividade política. Nessa transição política, institucional (e paradigmática), há um elemento residual: as funções da velha soberania, i.é, de regulação e de protecção do Estado nacional europeu, agora a evoluir para uma nova ordem política povoada por múltiplos e variáveis pólos de poder nas escalas continental (europeia) e intercontinental (mundial). A Ásia Oriental, por ex., é uma dessas entidades mas que não tem adequado arranjo institucional, e do ponto vista militar (e geoestratégico) ainda depende dos EUA. Do mesmo modo que a UE continua a integrar-se nos domínios da segurança e defesa e da política pura, exigindo de todos um trabalho de escavação politico-arqueológica que revele novos conceitos de soberania, Estado e lex.
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  • Tanto mais agora, com o sinal (pré-eleitoral) dado pela reestruturação do dispositivo militar norte-americano no mundo. E com uma UE alargada a 25 Estados-membros. A consequência imediata desse alargamento político foi considerar-se Portugal um país rico. Logo, passará a receber menos fundos comunitários para os seus projectos de desenvolvimento, presumindo que há projectos e desenvolvimento... Nota curiosa, agora somos um País rico, apenas porque os 10 países da ex-Europa de Leste (e antigos satélites de Moscovo) que integraram o club de ricos são considerados países pobres. E Portugal, pasme-se, passou automáticamente a ser considerado como um país rico, apesar de, na realidade sermos o país mais pobre da Europa, presumo que só ultrapassado nessa desgraça estatística e humana pela Grécia. Não é isto admirável...
    • Tudo se reclama num momento em que aqueles conceitos sofrem acelerados processos de erosão e a nova configuração política teima em não se afirmar plenamente. Por isso, as noções de soberania e de desenvolvimento são cada vez mais selectivos – expandindo-se ou retraindo-se – não em função do national interest e das verdadeiras necessidades das comunidades nacionais mas em função do superior interesse Comunitário, condicionado, por seu turno, pela dinâmica do sistema mundial. Pelo que nem todos os Estados (fracos), como Portugal, podem ser "recuperados" no nível Comunitário. E assim o poder se altera à medida que é dividido, tal como os dispositivos institucionais que os exercem e os recursos financeiros reafectados. De facto, o poder é uma relação, como diria M. Foucault, só é pena que esse termo da relação não seja - desta vez - positivo para Portugal, ou será que o Prof. Freitas do Amaral, o veterano da política lusa, tem "alguma na manga" para inverter a lógica abrasiva dos conceitos de modo a torná-los amigos de Portugal!?
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    • Contudo, nenhuma instituição, operando à escala global, EUA ou UE - poderia aspirar à síntese estratégica que por vezes é atribuída à República Imperial (como lhe chamou o grande mestre dos mestres - R. Aron). O recente conflito do Iraque e a imprevisibilidade do terrorismo global, são meros indicadores dessa impossibilidade estratégica. Ademais, uma só potência, por mais poderosa que seja, jamais poderia interpretar fielmente os interesses de terceiros no aproveitamento dessas oportunidades económicas, sociais e culturais. É também por essa razão que não se pode determinar antecipadamente a resposta adequada da configuração (em formação), uma vez que a reacção histórica não decorre da razão analítica, mas sim do produto da combinação de múltiplos interesses e razões políticas que dão nome e sentido à História.
    • Mesmo que essa entidade emergente, qual nebulosa designada de “Estado mundial”, operando à escala global com um status semelhante ao da ONU e suas agências especializadas (de vocação multisectorial), oferecesse um dispositivo eficaz na regulação das questões mundiais; mesmo que tivesse, à semelhança da ONU, um formal poder de decisão delegado pelos Estados membros que nela confiaram. Quanto muito, a entidade emergente poderia apenas identificar os contornos da configuração estratégica e as condições de atractividade em contexto de mobilidade e flexibilidade estratégica de adaptação aquelas ondas de choque e de modernização que balizam a conjuntura.
    • Nessa medida, a entidade nova traz uma vantagem: identificar os indicadores da mudança que têm valia estratégica para a dinâmica das sociedades, mesmo que tal signifique romper ainda mais com a tradicional autoridade do Levia, hoje enfraquecida, desvalorizada e desprezada
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    • Ante isto, que fazer do ponto de vista analítico? Embarcar na utopia e ter fé no “governo universal”? Ou, mais avisadamente (seguindo uma razão prudente), aprofundar e aperfeiçoar os mecanismos da galáxia de instituições existentes? Se optarmos pela utopia desregulada, incorremos no erro de nem sequer conseguir transferir uma responsabilidade de um poder que não se conhece; se primar o common sense, avaliam-se as trajectórias das correntes de mudança para que, subordinadas às TICDE conhecidas, se possa harmonizar os interesses dos aristocratas do risco sem, contudo, desproteger as multidões de vítimas (os tais "info-excluídos" que o talentoso Reginaldo de Almeida gosta de nomear, depois de A. Toffler o fazer na década precedente) fixando, nessa oscilação pendular da “caixa de velocidades” da globalização competitiva, o ajustamento necessário à harmonia dos interesses globais da conjuntura.
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    • Ilustrando: como racionalizar os problemas de segurança, paz, democracia, direitos humanos, desenvolvimento e coesão social numa estratégia/agenda sustentável? Numa estimulante entrevista a Carlos Cáceres Monteiro (dada em Harvard - Visão, nº 598), Guterres mostra o seu fulgor intelectual e objectiva os main issues da agenda da Internacional Socialista (IS): declaração do Milénio (combate à fome, pobreza e doença); o consenso de Monterrey sobre financiamento ao desenvolvimento; negociações de Doha (para liberalizar o comércio internacional); Cimeira de Joanesburgo sobre o desenvolvimento sustentável. Tudo procura acomodação num acordo global entre o Norte e o Sul, conciliando a ordem económica, social e ambiental
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    • Daí a urgência da reforma da ONU, já que nem todos os caminhos vão dar a Roma..., inovando com um Conselho de Segurança Económico capaz de coordenar o G8; reformar o sistema de Bretton Woods (máxime, as três gémeas - BM, FMI e OMC) que levou ao desencantamento (e despedimento) de Joseph Stiglitz e aproveitando, porventura, o legado sagaz e corajoso deste grande economista e cientista social; humanizando ou revogando a “selvajaria” das práticas impostas pelo Consenso de Washington e todos os factores conexos de molde a reforçar o sistema de boa governança mundial. Evitando, no caminho, episódios como Guantánamo e Abhu Ghraib, molas de terrorismo no islão político enraizadas no arco muçulmano que vai de Marrocos à Indonésia.
    • odavia, esta agenda não é exclusiva da IS nem de Guterres - hoje já a planar para outros voos, já que os problemas de segurança, justiça e direitos humanos emergem, agora, em bloco no "comboio" da história das relações internacionais do III milénio. Assim, os subsídios à agricultura afectam as condições de vida de milhares de pessoas no Sul; a credibilidade da segurança condiciona o ambiente empresarial e o investimento conexo, de que dependem milhares de postos de trabalho. Logo, a responsabilidade de proteger é um ingrediente da nova soberania e um imperativo do nosso tempo: justapondo os conceitos de soberania do Estado com a soberania das pessoas - identificamos um novo Direito Internacional Público (DIP), mais personalista, atento à protecção e promoção da pessoa humana, no quadro do promissor multilateralismo, servido por um Tribunal Penal Internacional que o actual locatário da Casa Branca, paradoxalmente, não ratificou.
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      • O Estado mundial é, afinal, uma unidade privilegiada de análise do sistema global, e das crises (locais) que se vão manifestando através dos Estados nacionais. De facto, o Estado nunca teve o monopólio do direito nem da força. Por um lado, os dispositivos do sistema mundial potenciam-se no plano supra-estatal, desenvolvendo aí leis sistémicas, que se sobrepõem às leis nacionais dos Estados; por outro, aquela supra-estadualidade coexiste com o direito infra-estatal dos ordenamentos jurídicos locais. Coexistindo várias ordens jurídicas – infra-estatal, estatal e supra-estatal - que agora circulam (como átomos) nas constelações da sociedade mundial. A mesma que não tem governo mundial.
      • Portanto, tudo depende do tamanho da escala jurídica e da regulação da acção política: por ex., o aborto supõe uma legalidade doméstica (que tende a transnacionalizar-se); mas o desenvolvimento, o ambiente, os direitos humanos, enfim, a pax e a guerra - pressupõem, necessáriamente, uma legalidade sistémica informante do direito mundial. Sucede que estas legalidades não existem isoladamente, mais cedo ou mais tarde encontram-se no espaço da interlegalidade e da interpoliticidade dinamizadas pela tal “fábrica” de normas da globalização competitiva, mostrando a coabitação dos diferentes ordenamentos. Sendo certo que os espaços locais se integram nos espaços nacionais, e estes tendem a ser absorvidos pela esfera da globalidade (como as bonecas russas) – fixando-se aí o padrão da regulação política emergente.
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      • O Estado mundial opera em rede, as suas funções legais transnacionalizaram-se, e a mudança nas leis num dado país são determinadas ou influenciadas – formal ou informalmente – pelas pressões de outros Estados, agências e actores transnacionais. São, pois, essas forças que saltam para o sistema internacional provocando mudanças na “fábrica” das normas dos Estados mais fracos. Como vimos acima, quando explicitámos o "inovador" conceito de desenvolvimento social, económico e político que se nos aplica na sequência da entrada no clube dos ricos daquele bloco que países que durante meio século integrou (à força, porque Moscovo então não permitia veleidades, e há que recordar a Primavera de Praga...) - e, hoje, nos absorve os fundos comunitários, os investimentos e a centralidade política que faz de Portugal, neste canto da Europa, um país ainda mais periférico no cálculo dos custos-benefícios que qualquer grande empresário ou investidor faz antes de tomar decisões estratégicas.
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      • Nos últimos 30 anos o paradigma da globalização competitiva adquiriu, pela escala, dimensão, impacto e velocidade, um ascendente sem precedentes sobre as demais forças e campos sociais, formatando quase todos os objectos de investigação, interferindo com a gestação das suas entidades. A tal ponto que a existência dos novos materiais sociais só ganham foros de cidade quando, de facto, as suas consequências se reflectem no plano global. É assim nos domínios da produção/saber/poder. É como se houvesse uma sociologia da globalização que racionaliza as trans-escalas, i.é., as metáforas nacionais-transnacionais que reflectem, simultaneamente, relações sociais de poder, de direito e de conhecimento que se convertem em linhas de acção na esfera política. Este novo jogo espistemológico é o “diamante” capaz de fazer compreender (e explicar) a realidade emergente.
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      • Em síntese: o Estado mundial não existe, em seu lugar irrompem fluxos contínuos de acções, omissões, decisões, discursos e silêncios, cabendo ao politólogo escavar e interpretar esse agregado de combinações e estratégias que envolvem a actuação do Leviatã-rede na contemporaneidade. Sendo certo que quando não é possível fazer ajustamentos e evitar a “crise”, terá de se navegar sem mapa, aumentando o cuidado da observação deixando as utopias para a bonança, se voltarem… Mas segundo reza a história nunca foi fácil traçar linhas em mapas d'água...
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      Fora do tempo.