DR. ANTÓNIO COSTA
Ex.mo Dr. António Costa
Hoje, depois de escutar a sua mensagem de Natal, senti-me impulsionado a escrever-lhe esta carta aberta, pois considerei que parte significativa do seu discurso foi especialmente dirigido a mim: eu que como tantos outros, tive que abandonar a família e o país.
Antes de entrar noutros detalhes, quero deixar-lhe aqui uma declaração de interesses. Sempre votei PS, fui um dos seus apoiantes desde o início. Por depositar em si esperanças infinitas, desloquei-me propositadamente a Portugal para votar nas directas do PS que o elegeram secretário-geral. De igual modo, e visto que os serviços consulares do país onde me encontro, não me permitiram que exercesse aqui o meu direito de voto, no dia 4 de Outubro fui mais uma vez propositadamente a Portugal para votar em si e no PS.
Foi com muita esperança que o vi ser empossado 1º ministro, e desejo-lhe toda a sorte do mundo.
Não espero de si que seja o salvador do país e muito menos do mundo, qual D. Sebastião dos tempos modernos. De si, espero honestidade, princípios éticos e morais, competência e acima de tudo que tenha uma visão de estado que o faça colocar os interesses de Portugal e dos portugueses acima de quaisquer outros interesses. Ultimamente, este tipo de visão parece ter-se extinguido e sobejam os políticos que não conseguem ver para além o seu umbigo e dos seus interesses pessoais.
Espero que seja um construtor de pontes em Portugal, na Europa e no mundo, ao invés de ser um construtor de muros, infelizmente cada vez mais em voga, sobretudo nesta nossa Europa, supostamente democrática e solidária.
Desejo e espero que seja um seguidor de estadistas como Jean Monet, Konrad Adenauer, Churchilll e Jacques Dellor’s; Homens (com H grande) que imaginaram, pensaram e tentaram construir uma Europa mais solidária, mais fraterna e que se apresentasse ao mundo como um modelo da democracia e da liberdade.
Dentro das nossas fronteiras, espero de si (que exigente que sou) que exerça as suas funções tendo como exemplos um Olof Palme e um Helmut Schmidt na construção de um estado social, um Helmut Kholl e um Gorbatchev na sua convicção na reunificação europeia, um Marcos Ana e um Brecht na luta pela liberdade. A nível económico espero que tenha um pouco de Keynes e de Piketty. Em suma espero de si, que seja um ESTADISTA em vez de um politico de algibeira pós-moderno, desses que tem havido por aí aos pontapés e de que estamos TODOS fartos.
Que grande fardo lhe ponho nas costas, Dr. António Costa!!!
Por razões sobejamente conhecidas de todos os portugueses, fui um de entre muitos que em Portugal se viu confrontado com o desemprego e depois com a emigração. Como desempregado o meu país tratou-me com desprezo e crueldade, como um indigente, um preguiçoso. Até parece que ficámos desempregados por opção nossa, ou por não querermos trabalhar. Ouvi comentários indescritíveis e fui tratado em muitos locais como se fosse uma pessoa de segunda categoria.
Tal como a alguns criminosos, foi-me decretada a "medida de coação" de apresentações quinzenais às autoridades – leia-se IEFP. Era velho de mais para trabalhar, mas novo de mais para me reformar. Eu, e tantos outros como eu, tínhamos que ser "reciclados", reconvertidos; mas a reconversão que nos ofereciam era a frequência de cursos absurdos que em nada contribuíam para nos reintegrarmos no mercado de trabalho e que unicamente serviam para garantir os postos de trabalho dos formadores que os davam (alguns, diga-se de passagem, com um currículo mais pobre que muitos dos "formandos"). E mesmo que solicitássemos uma formação dentro dos nossos interesses, com o objectivo de nos lançarmos no tão apregoado "empreendedorismo" e criarmos o nosso posto de trabalho, esta era recusada com o argumento de "excesso de habilitação" para essa área. E assim, a única porta que se me abriu foi a da emigração.
Deixei para trás tudo aquilo que mais quero e amo - a minha família. Hoje resido em Cabo Verde, onde fui acolhido de forma irrepreensível, onde voltei a sentir-me útil, e onde estou perfeitamente integrado. Apesar de me sentir aqui como se fosse "a minha casa", não consigo esquecer, por um lado a saudade que sinto cravada em mim dia a dia, e por outro a revolta e a mágoa pelo que vivi nos últimos tempos que passei em Portugal.
No seu discurso de hoje dirigiu-se de forma particular a mim e a todos aqueles que como eu, tiveram que largar tudo e todos em busca de uma vida digna para nós e para os nossos. Apelou V/ Ex.cia ao nosso regresso e ao nosso contributo para a construção de um Portugal melhor. Prometeu V/ Ex.cia criar as condições para o nosso regresso...
Não creio que haja algum entre nós, os "que abandonaram a sua zona de conforto", como alguém lhe chamou, que, tal como diz Pedro Abrunhosa, não ambicione “voltar para os braços da sua mãe”. Não creio que haja alguém que não sonhe diariamente com esse momento e que não o deseje.
Mas do desejo e do sonho à realidade, vai uma distancia enorme... infelizmente muito maior do que os quilómetros que nos separam dos nossos.
Não basta V/ Ex.cia dizer que nos quer de volta, que iremos ter todas as condições para o fazer… É preciso muito, mas muito mais!!!
Nestes últimos anos, a única coisa que Portugal quis de nós foi que partíssemos, dando a nossa contribuição para a redução estatística da taxa de desemprego e redução dos custos com o subsidio de desemprego (éramos quase um "lixo social" que punha nódoas nas estatísticas). A única coisa que Portugal quis até hoje de nós... são as nossas remessas.
Somos um país "excessivamente" rico!... que até nos damos ao luxo de desbaratar o pesado investimento feito na formação de uma geração, e atirar fora essa imensa riqueza que é o capital humano e o talento. Às vezes, pergunto-me a mim próprio o que irá ser do nosso país daqui a 20 anos, quando se começar a sentir a falta da renovação do mercado de trabalho qualificado - todos este jovens licenciados que fogem para onde lhes acenam com um trabalho mais reconhecido e um futuro melhor. Percebo-os... aliás sinto-me tentado a empurrar as minhas próprias filhas para que no futuro não venham elas também engrossar as fileiras dos "novos escravos". Sim, porque o que o nosso país oferece neste momento às gerações mais jovens é uma sociedade "neo-esclavagista", "onde para ser escravo é preciso estudar".
Tiraram-nos muita coisa... as nossas famílias, a nossa casa, os nossos amigos... Mas há coisas que nunca nos conseguirão tirar: a nossa dignidade, os nossos princípios, a nossa vontade de viver e de lutar por um futuro melhor.
Hoje estamos gratos a todos esses povos do mundo que nos receberam e acolheram de braços abertos. Povos e países que viram em nós não um estorvo, mas sim, uma oportunidade e uma mais-valia. Somos condignamente remunerados; somos bem remunerados para falar francamente. Mas não somos mercenários. Demos, e continuamos a dar diariamente o melhor de nós.
Não será o seu simples apelo que nos fará voltar e abandonar aqueles que nos deram a mão. Não será o seu simples apelo que nos fará voltar como se nada se tivesse passado. Somos íntegros, não somos mercenários. Criámos laços, empatias. Somos reconhecidos e admirados. E estou certo de que todos esses povos e países sabem apreciar e nos agradecem o contributo que lhes demos.
Temos pois, para com eles, uma divida de gratidão eterna; e sabemos ser gratos. Não os descartaremos, sejam eles alemães, ingleses, luxemburgueses, angolanos, moçambicanos, cabo-verdianos...
Como diz a sabedoria popular, “ para quem não quer… há muito”. Estes povos e estes países que nos acolheram quiseram-nos e querem-nos, ao contrário do nosso país. Não sou ingénuo ao ponto de dizer que nos querem e admiram só pelos nossos lindos olhos. Não! Querem-nos porque viram em nós um potencial de contribuição para o seu desenvolvimento, para a sua economia e para o seu enriquecimento. E nós demos… e continuaremos a dar o nosso “know-how”, a nossa experiência, o nosso reconhecimento, a nossa amizade e o nosso agradecimento.
Paulo Baldaia,- Director da TSF, no comentário ao seu discurso dizia, ”Não basta dizer que os queremos de volta. Não basta dizer que nos vamos esforçar para criar condições para o seu regresso. Há que demonstrá-lo e fazê-lo”
Efectivamente, não basta criar empregos. Há que criar empregos condignamente remunerados e onde a dignidade profissional seja respeitada. Todos os que infelizmente tivemos que sair, usufruímos nos países de acolhimento de condições socioeconómicas e de trabalho muito vantajosas, que não se coadunam com os salários de miséria que hoje se praticam em Portugal, fruto da desvalorização do trabalho levada a cabo e apresentada como a solução para todos os males e problemas do país, por aqueles cuja curteza de vistas leva a defender e praticar as tais políticas neo-esclavagistas, disfarçadas de neoliberais.
Tem que nos transmitir e dar-nos confiança de que se voltarmos amanhã, não teremos que voltar a sair depois de amanhã … Palavras leva-as o vento!!!
O nosso regresso não se faz a troco de um mundo de ilusões e promessas vãs; tem que nos demonstrar e garantir que teremos nós e os nossos uma vida digna.
Que não morreremos de gripe numa urgência de um hospital, ou porque temos um aneurisma que se lembrou de se manifestar a um fim de semana, à espera de cuidados médicos de um medico que não trabalha porque não lhe querem pagar.
Tem que nos demonstrar e garantir que não viveremos mais num país de corruptos, onde meia dúzia enriquece ilícita e inexplicavelmente à custa dos restantes 10 milhões, e onde a justiça, após umas manobras de diversão, os manda para casa impunes. Que acabaram os tempos e os privilégios dos vários donos disto tudo com que nos cruzamos dia após dia. Que os nossos impostos, sejam eles altos ou baixos, são efectivamente usados em benefício de todos e não de meia dúzia de usurpadores. Que nós, os nossos filhos e os nossos pais tenhamos como horizonte um futuro digno e que aqueles que se aproximam do fim da vida o possam fazer sem mais sobressaltos, e sem terem que ser eles ainda a garantir a subsistência dos filhos e netos com as suas parcas reformas sucessivamente reduzidas.
Tem que nos demonstrar e garantir que jamais voltaremos a ser acusados de sermos piegas e de vivermos acima das nossas possibilidades, em nome de desmandos de outros. Tem que nos demonstrar e garantir que não pagaremos o preço das irresponsabilidades dos outros; não queremos voltar a ter que pagar por aquilo que não fizemos…..
Tem que nos demonstrar e garantir que teremos à frente dos destinos do nosso país, verdadeiros estadistas devotados à causa publica, e não um bando de indigentes e inúteis que têm na politica a sua boia de salvação porque não sabem fazer NADA, e cujo único “mérito” e serviços reconhecidos são a quantidade de cartazes políticos colados e o facto de serem caixa de ressonância de propaganda politica manipuladora delineada e pensada em gabinetes de comunicação.
Quando nos demonstrar e garantir tudo isto nós pensamos em voltar. Como deve calcular, neste momento a nossa confiança encontra-se num nível muito, muito baixo. É a si que lhe compete fazer com que isso aconteça - FAÇA-O!... por si, por nós e por Portugal.
Se o fizer, nós estamos prontos a voltar e a ajudá-lo na (re)construção de um Portugal a sério e contribuir para a riqueza nacional.
A bola está no seu meio campo. Nós entretanto… vamos ficando por cá.
Não lhe roubo mais tempo, e certo de que esta terá da sua parte a melhor das atenções subscrevo-me com a mais elevada consideração
António Onofre
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