Ninguém desconhece que há um conjunto de razões imediatas ligadas aos desastres (pouco) naturais que anualmente iluminam dramaticamente os verões portugueses, destruindo o que de mais precioso Portugal tem: a sua floresta, o seu património ambiental. A crónica falta de prevenção e gestão do território e o abandono dos baldios, a ausência de adequados meios técnicos e humanos (os bombeiros têm escassa formação), o literal abandono da terra por motivos económicos (desemprego, emigração e envelhecimento da população), todos esses factores conjugados com a combustão das temperaturas de verão, que vão além dos 40º - constituem o caldo ideal para colocar Portugal a arder.
Mas será que - por contraponto - sucedem os mesmos dramas às florestas e matas cuja gestão é feita por privados?! - e que se destinam, maioritariamente, à produção de pasta de papel, de que a Portucel parece ser o paradigma(?); ou outras culturas destinadas à produção de cortiça, em que somos, é bom lembrar, os principais produtores mundiais (!?). É claro que não.
Aqui a gestão é profissional, eficiente, eficaz e muito lucrativa. Aqui, como é bom de ver, há prevenção das florestas e matas, há acessos próprios e há, naturalmente, o retorno desses investimentos - que o Estado não sabe ou quer assegurar, pelo que todos os anos, religiosamente, tem que pagar mundos e fundos para que tudo fique na mesma, com a agravante de se perderem as vidas daqueles que, em rigor, são, abnegadamente, os heróis do nosso tempo: os bombeiros.
Por outro lado, por causa das emissões de CO2 lançadas para a atmosfera, o ecossistema sai fortemente penalizado desta incúria que deveria colocar o Estado português no banco dos réus pelo crime reiterado de negligência. Já pouca indústria temos que produza riqueza e postos de trabalho, mas, paradoxalmente, temos uma floresta e matas que ardem todos os anos poluindo o ecossistema contribuindo negativamente para o aquecimento global do planeta, mudando o clima. Com isso os cientistas estimam que esse aumento - agora no plano mundial - pode ter implicações muito relevantes ao nível do derretimento dos glaciares, da subida do nível médio das águas do mar, da erosão costeira, da produtividade das colheitas agrícolas, da escassez de água potável, do recrudescimento de certas doenças, do comportamento das espécies migratórias, etc.
Acresce que a subida, presumida, das temperaturas pode trazer consequências económicas não negligenciáveis, como por ex., a diminuição dos índices de turismo nalgumas estâncias de prática de desportos de inverno (por falta de neve) ou decréscimo de produção hidroeléctrica nalguns rios. Com isso, altera-se a forma como vivemos, alterando-se também as actividades a que nos dedicamos, as infraestruturas que construímos, a ocupação que fazemos do solo, a energia que consumimos, aquilo que comemos, os cuidados de saúde que temos e até, no fim da linha deste ciclo, os locais onde passamos férias.
Tal adaptação exige, primeiramente, uma atitude proactiva no sentido de nos prepararmos para as transformações do clima. Ou seja, os incêndios em Portugal não podem (e não devem) ser avaliados isoladamente, i.é, no plano estritamente sectorial, já que a emissão destes gases para a atmosfera aquece o planeta e isso obriga-nos a não ficar de braços cruzados, o mesmo é dizer e/ou fazer aquilo que todos os anos os titulares da pasta do Ministério da Administração Interna (MAI), fazem: enviar meios e bombeiros para o poço da morte no fogo desta falta de políticas de floresta e uma gestão estratégica do território que abandonou o seu interior à sua sorte.
Contudo, creio que toda esta falta de planeamento na gestão da floresta não surpreende, pois vemos na pasta da Agricultura pessoa(s) sem qualquer experiência na área, e essa inexperiência pode ajudar a explicar grande parte da inércia e até da incompetência que graça na área da gestão do território em Portugal. Uma área que carece de medidas que que assegurem a adaptação ao novo paradigma climático. Tais medidas abrangem os mais variados domínios, podendo assumir distintas configurações: desde a mudança de culturas e práticas agrícolas até à construção de represas, albufeiras ou outras formas de armazenamento de água, passando pela vacinação contra novos tipos de vírus e doenças.
Pelo que os incêndios em Portugal devem ser o alarme que deverá conduzir a uma inadiável discussão pública acerca do que se pretende fazer com as nossas florestas e matas, e que sistemas de gestão e protecção das florestas contra incêndios devem desenhar-se como medidas de adaptação a um clima cada vez mais imprevisível e extremado.
Embora admita que este grande debate nacional acerca da gestão do território não deva ser feito por "couves", porque, segundo reza a história, as couves nunca deram origem a rosas. Portugal, um país pobre, sem recursos e cada vez pior governado, não se pode dar ao luxo de adiar este debate, sob pena de qualquer dia já não termos mais um pedacinho de mata para arder, e quando esse momento chegar (já) não fará sentido fazer esse debate.
Para cumprir esse desiderato talvez não fosse má ideia seguir o mote do Pinhal de Leiria, revisitar a sua história, prática e gestão até aos nossos dias - para, com base nele, extrair algumas lições para o nosso futuro colectivo. Até pela grandeza que a sua importância estratégica teve na identidade nacional de Portugal.
Etiquetas: Para além dos INCÊNDIOS...