Morrer em vão por VIRIATO SOROMENHO-MARQUES
No distante dia 27 de Abril de 1971 subia à tribuna da Assembleia Nacional um deputado de 44 anos, integrado na chamada Ala Liberal da Primavera marcelista, de seu nome José Correia da Cunha. Licenciado em Agronomia (1949) e Geografia (1963), colaborador de Orlando Ribeiro, Correia da Cunha não saberia que ao ler o seu discurso intitulado "O Ordenamento do Território, Base de uma Política de Desenvolvimento Económico e Social", estava a inaugurar a política pública de ambiente, tentando transformar Portugal num país mais civilizado. Recordo Correia da Cunha, felizmente ainda entre nós, como homenagem aos corajosos bombeiros caídos na luta contra os incêndios que atingem o país. Como visionário e homem de acção, Correia da Cunha sabia que Portugal iria ficar desequilibrado demograficamente nas décadas seguintes. Milhões de portugueses sairiam das zonas rurais em direcção ao litoral. Era de interesse nacional ordenar o território, proteger a paisagem, a capacidade produtiva dos solos, preservar o capital natural para as gerações futuras. Nada disso aconteceu. Os interesses particulares prevaleceram sobre o interesse geral. Os incêndios que devastaram 426 000 e 256 000 hectares, respectivamente, em 2003 e 2005, fazendo de Portugal o campeão europeu de áreas ardidas, são o sinal de um país doente. Um país que ao fugir das chamas foge de si próprio. Uma das causas principais reside no desordenamento florestal. As reportagens televisivas mostram-nos, sistematicamente, bombeiros e populações cercados por eucaliptos em chamas. Chegado a Portugal em 1829, esta espécie exótica ocupa agora 26% do espaço florestal, e é o grande combustível dos incêndios florestais. Quando vejo ministros, com ar pesaroso, lamentarem a morte dos bombeiros, apetece-me perguntar-lhes: "Onde estavam os senhores no dia 19 de Julho de 2013?". Nesse dia foi aprovado, em Conselho de Ministros, o ignóbil Decreto-Lei n.º96/2013, que, debaixo da habitual linguagem tabeliónica usada para disfarce, estimula ainda mais a expansão caótica da plantação de eucaliptos, aumentando o risco de incêndio, e fazendo dos bombeiros vítimas duma política de terra queimada ao serviço dos poderosos.
Obs: Apraz-me registar duas notas (e meia): uma, é que é sempre terrível ter razão antes do tempo; a outra consiste em notar que o "eucalipto" é aquela espécie política que seca tudo em seu redor, pelo que deve ser removido.
A meia restante é para felicitar o articulista pela eficiente lembrança de Correia da Cunha, um dos pioneiros da política pública de ambiente (hoje inexistente) no XIX Governo Constitucional.
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