Apuramento de responsabilidades na fase pós-catástrofe ou ir morrer à mata
Sabe-se que os fenómenos meteorológicos extremos são, por definição, inesperados, súbitos e altamente destrutivos, exigindo uma reacção rápida e efectiva. Sempre que necessário urge proceder à evacuação compulsória de uma zona de perigo, sendo que a ordem deve ser dada o mais cedo possível e as autoridades devem disponibilizar meios de transporte e alojamento temporário para todos aqueles que fiquem nessa condição.
Mas também se sabe, pelo menos em Portugal, dado que o fenómeno dos incêndios se repete com os mesmos erros grosseiros há mais de duas décadas, que não se trata dum evento extremo verdadeiramente surpreendente, pois basta olhar para a forma como o Estado português faz o ordenamento do território e gere as florestas para compreender o barril de pólvora que se encontra de norte a sul de Portugal, especialmente mais para o interior do país.
Por outro lado, as equipas de protecção civil e os primeiros-socorros devem ser mobilizados. E, nos casos mais extremos, a ajuda internacional deve ser solicitada e colocada no terreno no mais curto espaço de tempo. Estas são algumas regras básicas a observar numa situação de incêndio ou de outra natureza similar que envolva um risco natural extremo de consequências imprevisíveis.
A fase da reabilitação segue-se logo que os problemas estejam controlados e as operações de emergência estejam concluídas. No caso dos incêndios que têm devastado centenas de milhar de hectares de floresta ardida, importa perguntar o que fazer desses terrenos, agora um rasto de destruição; que tipo de culturas plantar para reflorestar as áreas queimadas que ficaram.
Será igualmente necessário reconstruir alguns edifícios e equipamentos afectados, repor por via de indemnizações o valor de animais perecidos, base do sustento de muitos agricultores e ainda estabelecer as linhas de comunicação e redes de água, energia, telecomunicações e o mais, assim como realojar as populações desalojadas.
Seguramente, estas operações requerem um elevado esforço financeiro, o qual deverá, especialmente nos países menos desenvolvidos, como é o nosso, ser apoiado pela chamada comunidade internacional.
É ainda nesta fase pós-catástrofe que podem colocar-se questões relacionadas com o apuramento de responsabilidades. E estas, como é bom de ver pelo espírito de missão, de serviço e de abnegação da generalidade dos bombeiros portugueses, não são da sua responsabilidade, até porque a linha de comando é de natureza política, e é nesta esfera de decisão, de facto, que os problemas nesta área em Portugal se inscrevem há décadas.
Porque falamos de fenómenos de origem natural ou fortuita, exceptuados aqueles que têm mão criminosa e, em regra, imprevisíveis, o instituto da responsabilidade não é de fácil mobilização. Contudo, isto não significa que não possa ocorrer, de todo, responsabilização pelos danos resultantes deste tipo de eventos. Na prática, se não houver cobardia e hipocrisia política, podem eventualmente apurar-se situações de responsabilidade por omissão de deveres de prevenção ou de vigilância.
Todavia, a imputação subjectiva dos danos é mais problemática no caso de eles terem resultado de um fenómeno meteorológico ou de um comportamento atípico do clima.
Por fim, importa sublinhar que têm sido patentes alguns problemas de coordenação de meios e dos diversos intervenientes nos fogos em Portugal que não chegam aos destinos afectados, a mobilização dos meios necessários no timing mais adequado, a maximização das ofertas da assistência externa (espanhola e francesa), enfim, tudo aquilo que podemos designar por governação do risco de catástrofes. Governação essa que é, progressivamente, mais uma questão de natureza política e menos uma questão de índole técnica ou burocrática.
A avaliar pelo estado da arte, é lamentável constatar, salvo raras e honrosas excepções, que a culpa em Portugal continuará a morrer solteira, razão por que aqueles heróis que já perderam a vida em nome dum valor que visa salvaguardar um bem comum, foram morrer à mata.
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