- Sempre me perguntei porque razão certas pessoas não gostavam de ser chamadas pelo seu próprio nome. Ou porque não gostavam, ou porque fazia um eco flatulente ou por qualquer outro motivo.
Depois cresci, e apanhei pela vida fora outros artistas que respondiam com diminutivos mais pareciam nomes alheios, mas era assim que se sentiam bem. Eu, por acaso, tenho um apelido "Paula" no nome. E quando vou ao médico ou estou noutra qualquer repartição burocrática e a menina diz "Paula" - eu digo que é só de nome. E daí até já resultaram belas amizades. Do peito.
Mas há casos que ainda me intrigam mais. São os blogues que tendo autor escolhem uns nomes e é depois a coberto desses outros nomes que (re)constroem a sua identidade. Um pouco como o Pessoa quando criou toda aquela assembleia de heterónimos. Às tantas o tipo já nem sabia como se chamava. Mas na realidade o que o fazia ser muitos ao mesmo tempo era o vinho ali do Martinho da Arcada e os líquidos do Abel Pereira da Fonseca. Eram estas uvas - já em estado líquido - que lhe espevitavam o génio. E depois paria aquela gente toda que ele nunca conheceu fora do papel.
Mas nunca percebi verdadeiramente porque razão esta gente da internet, os cibernautas e outros astronautas - não se confessam e é a coberto da sua identidade oculta que fabricam aquilo que acham ser as essências do momento.
Vêem ser serem vistos, pois claro; ficam imunes às farpas, pois claro; dissimulam melhor, pois claro; ficam com o complexo de invisibilidade e até da ubiquidade, pois claro. Em suma, esta malta da blogosfera que assina através de uma metáfora é muito curiosa. Fazem-me lembrar aqueles mirones que dantes íam para as dunas da Costa da Caparica, armados com binóculos e punham-se a espreitar os casais de namorados que estavam a trocar carícias na praia. Só que a dada altura, os namorados paravam as suas carícias e o jogo invertia-se: então não era que os ditos mirones se descontrolavam com aquela refrega e punham-se, eles próprios, a fazer uns movimentos esquisitos e nem se apercebiam que estavam a ser observados..., justamente por quem era suposto eles observarem (sem serem observados). A prática depois generalizou-se às praias da linha do Estoril, e em certos sítios muitos desses mirones, quando descontrolados pelo que viam e sentiam, chamando a si prazeres e sensações alheios, quase caíam para linha do caminho de ferro. Não sei se algum foi parar à linha, segurando com uma mão os binóculos, e com a outra seguravam outra coisa.
Aparte aqueles energúmenos que se servem do anonimato para produzir ofensas cobardes, estes pseudónimos dão-me que pensar. Na prática, poucas são as pessoas que na blogosfera dizem: eu sou quem sou. Ao invés, muitos - senão a maior parte - prefere arranjar um eco ou um alterego para o seu nome. É como fazer um alongamento de órgão genital, para suprir um complexo que os persegue desde criança. Assim, algumas pessoas sentem-se melhor. Compreendo! Mas por mim assino pelo B.I. E assim fazem muitas pessoas que conheço.
No fundo - eu respondo por Rui Paula de Matos - e depois inventei o que já estava inventado e chamei à coisa Macroscopio. Pessoas há, porém, que compram dois biombos, e só assinam com o alongamento de órgão para, assim, se sentirem mais à vontade na sua individalidade. E à medida que o alter-ego se afirma - o sujeito que está por trás também cresce em estatuto. Tem a ilusão do poder. É um jogo interessante, simbiótico mas muito "voyeirista", quando não devorista. Respeito esses moisés que se apresentam como deuses mas, sinceramente, não vejo grande vantagem nisso. A não ser que se vá dizer coisas que coloque em perigo o emprego, o filho, a filha, a casa, o carro, o papagaio, o vaso da varanda e mais umas coisas que agora não me lembro. O cágado, o gato, o rato, etc.
Nestes casos, muito bem. Há essa tralha toda para acautelar. Imagine-se que trabalho nos impostos e até conheço o Guilherme d'Oliveira Martins. Posso até ser simpatizante da pessoa porque o acho gémeo do Mr. Bean e desmancho-me a rir sempre que vejo aquela carcaça de pescoço ao lado, mas já tenho outra opinião sobre o personagem enquanto futuro Presidente do Tribunal de Contas. E aí já penso duas vezes antes de vilipendiar o homem na blogosfera. Que teve o desplante de se comparar a Sousa Franco. Acho que alguém terá de dizer ao sr. Guilherme que ele é um presunçoso. Qualquer dia ainda diz à turba que é o tal historiador Oliveira Martins, e o outro que morreu é que vai ser o Presidente do Tribunal de Contas. Bom, até já o historiador Saraiva nos veio dizer que o Salazar era um grande democrata; e outros ex-ministros do salazarismo dormem hoje na televisão - deitam-se e levantam-se no Prós & Contras da fatinha - e aí apoiam descaradamente ministros da Defsa do governo Socialista. Ora são da situação ora são da oposição. É assim, a política convoca estas verdadeiras meretrizes. E elas, já octogenárias, acedem e lá vão vender as ideias estafadas de sempre, ditas pelas mesma ordem, com os mesmo enquadramentos, citando o papa antes e depois numa cassete monocórdica verdadeiramente enjoativa.
Nestes casos, é que se justificaria a pseudonite. É quase um imperativo socialista. Não vá o diabo tecê-las. E as democracias nisto ainda são piores do que as ditaduras. Uma vez que também perseguem as pessoas que pensam diferente da situação, promovem os apaniguados medíocres que nunca fizeram nada na vida senão lamber as botas ao chefe, alguns até o fazem de gatas e de boca aberta, etc, etc, etc.
Mas isto é só parte do jogo da identidade e da sombra no espelho alargado e complexo que é a rede das redes. Por vezes, mais parece uma teia da viúva negra. E o pseudónimo começa quando a unidade do homem finda, é o que sucede com cerca de 80 ou 90% da blogaria de circula na net em Portugal. Espero não andar longe da verdade. Até a alcunha já perdeu para as identidades forjadas na blogosfera. Hoje vivemos povoados de duplos, homens e mulheres profundamente convencidos que são artistas, grandes criadores, alguns julgam-se mesmo geniais, outros arrogantes, outros estupidamente talentosos, outros ao contrário, enfim, na net vemos de tudo - até gays disfarçados de zebras às bolinhas amarelas. Cães de 7 patas, galos de duas cabeças e de mais uns fenómenos que remetem a narrativa para as cousas do Entroncamento.
Isto até faz lembrar uma história que alguém contava com graça. Numa dada aldeia quase toda a gente tem uma alcunha. E a maior parte delas encerra algo de obsceno: "Pachacheira", "Pintelha", "Bernarda" e outros mais lustrosos que agora não recordo, mas que são ainda mais subversivos. É claro que uma criança pronuncia toda essa tralha identitária de forma inocente. Pornográficamente inocente. Imagine-se um blog que se chama "calheta" presta-se logo a confusões. O Alentejo, o Norte de Portugal está cheio de alcunhas mais ou menos pornográficas, algumas têm até imensa piada. Lembro-me de Sócrates, por exemplo - já na região centro, mais concretamente em Lisboa. Mas em castelo Branco há mais, muitas mais.
Recordo aqui uma história de um grande escritor que um dia ainda cheguei a conhecer. Um ano antes de partir. Ali para as bandas da Av. de Roma. Isto nos tempos em que a Pastelaria Roma era uma pastelaria com boas companhias e nós, todos nós, éramos 20 anos mais novos - e 40 vezes mais afoitos. Em tudo, até na filo-Sofia... Não sei se já repararam mas as "Sofias" são sempre todas muitas especiais... Não sei se é por amor à filosofia ou se decorre do capital genético. Mas quando se conheciam as mães concluíamos que era ambas as coisas, mas o capital genético ganhava sempre.
Mas adiante. A história que recordo descreve a necessidade que um professor teve uma vez de cortar a tempo a cedilha ao nome de um aluno que se chamava Pica. E a história de uma aluna com o nome de Cagarelha. Quer num caso quer no outro, este professor foi investigar a identidade dos respectivos progenitores, e verificou que uma das senhoras se chamava Peixa Maria Cagarelha. Mas a história não ficou por aqui. E um dia um médico confidenciou a este referido professor, e grande escritor, por sinal, que no quarto de hospital onde trabalhava estavam duas doentes juntas: uma chamava-se Catarina e a outra Catarina. Mas tinham, naturalmente, apelidos distintos.
Uma chamava-se Catarina Cagau Vermelhuda e outra Catarina Rabada Marmelada. Portanto, concluía quem sabia, em estilo hemerroidal. É óbvio que isto vale o que vale. Uma gargalhada de estilo duvidoso. Um pouco como as políticas públicas do dito engº Sócrates. Quanto ao estilo não me pronuncio. E aqui adopto uma postura "jumental": silêncio ensurdecedor.
Mas o núcleo da questão deste blog ainda não despontou. E esse visa saber a razão mais profunda pela qual aquela percentagem de blogueiros chama a si o lugar da representação das máscaras para as substituir pela precariedade das essências?! Esse é que é o nó górdio. De qualquer maneira, um nome acaba sempre por se identificar sempre connosco. Posso não ter cara de Rui mas a força da repetição faz com que esse nome se identifique comigo. Mas como também sou Pedro - não raro olho para trás - quando assim me chamam, só para ver se é comigo que falam. Mas o que às vezes dá vontade é um homem mandar este postiço às urtigas e dizermos, tão só, - "Eu sou quem cá estou" - para significar apenas que os nomes, Rui, Pedro, Paula, Matos, José, Aguiar, Oliveira, Maltez, Sócrates, Aristóteles não são suficientemente abrangentes para definir a pessoa que nomeiam.
Quer dizer, os nomes são conceitos, aparências que jamais traduzem essências. É como querermos dizer que Sócrates é um grande nabo, apesar de nos ter enfeitiçado a todos. Nabos somos todos nós. Mas o Santana, Não, pfv. É óbvio que ele é muito mais do que isso. Ele representa os hectares de terra em que os nabos florescem e se desenvolvem como cogumelos. A CGD, a GALP, Bruxelas, agora também o Tribunal de Contas - todas essas searas se convertaram em grandes nabais. Ou como diria o nosso amigo Jumento - tudo se acerta na "pia baptismal" do OGE, não é verdade!!? Pois, então. É aí que todos se sentam e repartem o banquete e ficam, naturalmente, com a melhor parte do bolo. Por vezes, ficam com o bolo todo.
Mas a essência da essência é uma cereja que ainda está oculta. E é do exercício dessa desocultação que, porventura, encontraremos o fundamento para que muita gente use o biombo na bogosfera para proteger a cara que tem. Por mais histórias, narrativas, recursos à heteronímia pessoana - tudo não passa duma grande treta. Uns mostram o trombil - como eu e alguns como eu - muito mais talentosos; e outros, qui ça, a maioria, põe uma másara na testa e assim pensam proteger as zonas erógenas e mais vulneráveis para, desse modo, praticarem a ginástica do fulanos dos binóculos que assentavam arraiais nas dunas da Costa da Caparica vendo os casais de namorados a trocar mimos com ele à distância a fazer mímicas estranhas que punha meia a praia a rir.
Porque a dada altura essa malta dos binóculos cegava, e dava-se um fénómeno estranho: aquele que supostamente estava escondido para espreitar os outros passava à posição de urso no meio da arena que todos avistavam.
Em suma: valerá a pena assinar blogues de cara destapada, como eu? ou valerá a pena subscrever textos com máscara, como muitos outros na blogosfera? Creio que era o Lobo Antunes que dizia que a partir dos 35 anos já somos responsáveis pela cara que temos... É nessa linha facial que me situo. E que prazer me dá só fazer a barba ao quarto dia...
Haverá um tempo em todos nós podemos responder: Eu sou quem cá estou... Seria muito bom isto ocorrer. Bom para a Humanidade, naturalmente. E quando isso acontecesse o povo se encarregaria de ampliar esse chamamento, como que imitando Deus num desígnio maior do que o próprio nome ou o conceito do nome. No fundo, o nome não é mais senão para sermos nós à nossa face e à face de quem nos nomeia. Mas em ambos os casos esse nome não espelha a nossa essência. Muito menos o retrato da nossa alma.
Talvez por essa razão muitos dos nossos avós, os antigos, detestavam tirar retratos. Além da perda de tempo, pensavam eles que alguém, com uma máquina estranha, lhes roubava a alma na tiragem desse retrato.
E eu estou a pensar sériamente passar a fazer tudo sem nome. Armar-me astronauta, filósofo de almas, poeta, jurisconsolto da galp, administrador da CGD, engenheiro de qualquer coisa e passar a não assinar nada.
Mas depois pensei: se eu não assino nada como é que eu vou descobrir que sou o autor das coisas que escrevo? Ou penso que escrevo...