Perplexidades na Casa Global por Eugénio Almeida. E Tentar Perceber (o Escândalo) por Francisco Sarsfield Cabral
Escrever sobre as desordens e as fúrias das forças naturais é uma profecia que nunca me atreveria a fazer. Escrever sobre os materiais políticos já é um vendaval terrível, quanto mais pôr-me no meio do furacão debitando bites e bytes..., levados pelo vento.
Resumindo: a minha preocupação e sensibilidade pelos furacões (e pelas mesmas versões, mas no feminino) é um pouco como a do Marquês de Pombal sobre o terramoto de mil setecentos e troca o passo.. Depois da coisa ter acontecido é que..., pois claro!! Mas o que eu queria mesmo significar era que a minha sensibilidade pelos furacões é a mesma que a do engº Sócrates pelo desemprego: zero.
Ainda assim, há quem se lamente que a Katrina não tenha visitado o Mr. Bush na White Wouse, enquanto ele estava com as calças em baixo, fazendo as suas necessidades pela América. E mais não digo para não estragar a reflexão brilhante do Ensaísta de Política Internacional que é também um especialista em questões lusófonas - como poderão constatar.
Ainda estive para fazer um artigo sobre as enchentes de Abrante de 1984, que meteu a malta toda de férias e muitos de nós depois íamos de barco para a Escola. Foram os anos mais felizes da minha vida. De barco para a Escola... Ainda pensei estar em Veneza... Veneza de Abrantes.. Depois o gelo, quer dizer veio a Neve - que arremeçavamos uns aos outros. E assim convivíamos com as forças da Natureza. Mas parece que lá fora a coisa é pior. Ele é Katrinas, Ritas, Tsunamis e, entre nós, temos o Sócrates. E antes dele tínhamos o Santana, e antes do Santana tínhamos o Vasco. O Vasco Santana. É por tudo isto que nunca consegui escrever sobre furacões. Emociono-me fácilmente e converto-me numa lágrima. E eu não gosto de ficar inundado em mim mesmo.
Mas confesso já ter saudades das enchentes de há 21 anos, lá para as bandas de Abrantes... Quer dizer, Veneza de Abrantes. Nesse ano até os piores cábulas passaram de ano. Era um fartar, vilanagem... Bons tempos. Muita adolescência, muita irreverência e muitas "bilhas" partidas sem autor reponsável. Era uma época em que já havia alguma crise, mas a natalidade era maior...
Era mesmo um fartar, vilanagem...
Era uma alegria
- Por Eugénio Costa Almeida
Perplexidades na Casa Global
O furacão Katrina que inundou, e quase devastou, 80% da cidade-capital do Jazz, New Orleans, pôs a nu as debilidades estratégicas dos EUA no que toca à prevenção de catástrofes naturais.
As grandes chancelarias interrogaram-se como foi possível a única superpotência global mostrar uma inabilidade tão grande perante a catástrofe que foi a passagem do furacão no Estado da Louisiana, em particular na cidade de New Orleans.
Só se surpreende quem não conhece a política ambiental norte-americana. Só se surpreende quem se esquece que a administração norte-americana não só não ratifica o Protocolo de Quioto e não aceita a sua existência como, mais grave ainda, não admite que os norte-americanos, a par da Rússia, China e Índia, sejam os maiores poluidores da Casa Global e da atmosfera que a envolve. Daí que não seja de estranhar esta a grande catástrofe do Katrina e que quase iria ter paralelo com o tufão Rita, caso as autoridades texanas não tivessem tomado as medidas imediatas que se impunham.Não foi um aviso de Deus como já alguns – interna e externamente – quiseram fazer projectar.Também não foi só incúria que a falta de uma política clara de defesa ambiental fez emergir.Foi, primeiramente, a imbecilidade e o cretinismo Humano.
Foi o subdesenvolvimento incompreensível de uma região – a de mais baixo rendimento per-capita norte-americano – que, para alguns, é tão-somente a genésica de uns quantos tipos que criaram uma das mais belas sonoridades musicais com raízes afro-americanas: o jazz.
Foi a ideia peregrina que a grande maioria dos norte-americanos têm de que coisas destas só acontecem aos outros, aos subdesenvolvidos, aos desditosos, àqueles a quem o Criador não ampara; ora esse tem sido um dos grandes fundamentos da vivência social norte-americana: Deus protege a América. Mas, a continuar nesta linha de desprezo ambiental, quem nos protege a nós e à Casa Global dos norte-americanos, dos russos e dos chineses. Porque não são só os filhos do Tio Sam os principais causadores das mutações que o clima vem sofrendo nos últimos 50 anos. Não. Nada disso.
Temos de recordar as grandes calamidades naturais na China, e muito recentemente; o abandono de inúmero material radioactivo na Rússia e seus antigos países-satélites ao livre arbítrio de quem melhor e mais perto lhe chega para dele se usufruir; a profunda devastação por que passam os grandes pulmões desta Casa Global: Amazonas, África Central, Europa meridional, a região indochinesa; não esqueçamos Mururoa e as experiências nucleares subterrâneas francesas nas idílicas paisagens polinésias.Ou seja, não podemos esquecer o aquecimento global resultante das nossas absurdas experiências e continuarmos como se nada fosse. Porque as coisas só acontecem aos outros.
Katrina mostrou que não. O tsunami de Dezembro de 2004 provou também que não. E todos devemos estar preparados para o pior. Será que estamos? Será que pensamos?As estrelas também têm uma duração de vida. Nascem, vivem e… morrem. E depois?
(*)Ensaísta/ Política Internacional
e-mail, Lobitino@hotmail.com
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- Mais um artigo de FSC - de entre as dezenas, centenas de reflexões que o autor nos deixa a todo o tempo.
Tentar perceber
Escândalo
Francisco
Sarsfield Cabral
(in DN, 27 Set./05)
Os furacões nos EUA deram pretexto para renovar a controvérsia em torno do anti e do pró-americanismo, com as banalidades do costume. Mas muita gente ficou chocada ao descobrir que o país mais poderoso do mundo alberga afinal tanta miséria. Uma miséria largamente ignorada. O Terceiro Mundo em plena América surgiu como um escândalo. Os furacões tornaram os pobres subitamente visíveis, como se lia no Washington Post de quinta-feira.
E, de facto, há motivo para escândalo - como pode haver tanta miséria numa sociedade tão rica? Não seria de esperar que o crescimento económico acabasse com a pobreza, ao menos nos países mais desenvolvidos? Ora, o extraordinário crescimento económico a partir do fim da II Guerra Mundial fez ascender à chamada classe média desses países a imensa maioria do proletariado. Mas não acabou com a miséria. E não apenas na América. Em França, tão ciosa do seu modelo social, há hoje um milhão de crianças a viver abaixo do nível da pobreza. E não faltam os sem-abrigo nas cidades europeias, a começar por Lisboa. Sociedades com um altíssimo nível de prosperidade global toleram a persistência da miséria no seu interior. Não é supreendente. É que, hoje, os pobres são minorias. Muitos deles nem votam, logo não contam.
A surpresa de alguns prende-se com a crescente tendência para não ver essas minorias de marginalizados. Muitos não querem recordar um passado familiar de pobreza. E convém afastar os pobres da vista, porque incomodam as consciências (daí, também, a moda dos condomínios fechados). Os pobres teimam em existir nas sociedades ricas. Para as maiorias que comandam essas sociedades, a solução é ignorá- -los. É a estratificação em classes própria do antigo regime, anterior à revolução industrial, que, de algum modo, está de volta.
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