1.
A globalização consiste na
transformação da geografia social marcada pelo crescimento dos espaços
supraterritoriais;
2.
contudo, a globalização não
acarreta o fim das geografia; a territorialidade e a supraterritorialidade
coexistem no quadro de interrelações complexas;
3.
apesar da globalização remontar a
centúrias passadas, o seu padrão moderno de comportamento intensificou-se, sobretudo,
desde 1960;
4.
a globalização interfere na vida
de todas as pessoas, no âmbito local e à escala global, num processo
ilimitado;
5.
por outro lado, a globalização
assume um caráter multifacetado e tem causas dinâmicas, sendo que o
racionalismo do conhecimento, a produção capitalista, as inovações
tecnológicas e as medidas de regulação de natureza estatal;
6.
a natureza da globalização
convocou importantes mudanças em certos conceitos: no capital, no Estado,
na nação e na racionalidade moderna, logo, na reflexologia e na apropriação
reflexiva do conhecimento e no modo como ele (re)produz ciência e na
sociedade;
7.
complementarmente, a globalização
encorajou novas configurações sociais que vão além do Estado e das
comunidades que atualmente escapam à definição clássica da nação;
8.
a globalização tem consequências
positivas relativamente à regeneração cultural, às comunicações e ao seu
papel nas sociedades, à descentralização do poder e à eficiência económica;
9.
todavia, as políticas neoliberais
comportam inúmeras consequências negativas relativamente ao aumento da
degradação ecológica, à pobreza persistente, à degradação das condições de
trabalho, às múltiplas violências culturais, às desigualdades sociais e ao
défice democrático;
10. a
globalização, de per se, não é
boa nem má; os seus resultados dependem largamente das decisões humanas,
que podem ser debatidas e alteradas.
|
Deixámos de fora do quadro 1, porventura, o modelo
de análise mais potente da globalização, da autoria de David Held e Anthony
McGrew, assente nas formas históricas da globalização e nas suas dimensões
espacio-temporais: 1) extensão global das redes; 2) intensidade global das
interconexões; 3) velocidade dos fluxos; 4) e impacto global para a
interdependência. Ao nível da dimensão organizacional: 5) infra-estrutura da
globalização; 6) institucionalização das redes globais e exercício do poder; 7)
modelo de estratificação global; 8) modos dominantes de interação global).
Assente nessas oito variáveis, os autores
construíram o modelo de análise que avaliou a globalização, com base no qual
mapearam as configurações do mundo globalizado e, simultaneamente, derivaram o
debate para além da perspetiva económica que o tema encerrava até então.
A globalização afigura-se, assim, como um grande
debate, acelerado pela “interdependência dos fluxos” globais, pela “ação à
distância”, pela “compressão da relação espaço-tempo”. Nesta perspetiva, a
globalização emerge como um continuum
das esferas local, nacional e regional, ou seja, como uma espécie de cluster funcional de Estados,
sociedades, economias, atores não governamentais que podem ser identificados em
termos de características comuns (culturais, ideológicas, religiosas,
funcionais) e também por um elevado nível de interação relativamente ao sistema
internacional.
A globalização, expressão primeiramente cunhada por
Oliver Reiser na sua obra pioneira, Planetary
Democracy,
pode ser definida como “um processo (ou
conjunto de processos) que corporizam a transformação ao nível da organização
espacial e social de relações e transacções avaliado em termos de extensão, intensidade,
velocidade e impacto gerando fluxos e redes de actividade de âmbito transcontinental
e interegional, interacções e exercício de poder”.
No limite, aquele que impõe o padrão da norma
competitiva que estrutura a globalização diz respeito a uma expansão de escala,
na qual o poder é organizado, hierarquizado e exercido. Trata-se, assim, da
extensão global das redes e da racionalização dos circuitos do poder, que faz
dele um atributo essencial da globalização.
1.1
A crise do Estado nacional
Nesta avaliação, não se trata apenas da crise dos
poderes políticos tradicionais do Estado, embora seja essa a evidência mais
imediata notada pelas populações e pelos eleitorados. É também o resultado da
ineficácia das suas estruturas organizativas clássicas que é questionada, as
quais foram desenhadas e instaladas no seio da infra-estrutura do Estado num
contexto histórico em que as tecnologias dominantes eram muito diferentes,
ainda resultado da era industrial, que obedecia a cadeias de comando do tipo
das organizações militares, sujeitas a relações de autoridade muito
hierarquizadas.
Esse modelo verticalizado de poder no aparelho do
Estado fundamentava-se no valor da segurança para os que integravam o velho
Estado, que, por sua vez, encobria as deficiências individuais no cômputo das
estatísticas globais.
Nessas condições de escasso rigor e de opacidade, as
avaliações competitivas entre as nações ou eram inexistentes ou insuficientes,
apenas se valorizavam as rotinas nos seus processos de funcionamento, o que
também contribuiu para que o Estado fosse perdendo eficiência à medida que
atingia a fase de maturação.
Daí que a perda progressiva de poderes do Estado
nacional seja, assim, amplificada pela perda de eficiência das suas
organizações e agravada pela rigidez dessas grandes estruturas organizativas do
Estado, que são, na prática, mais consumidoras de recursos do que fatores de
modernização.
Consequentemente, o Estado perde a sua eficácia em
duas frentes:
1) na incapacidade de proteger os mercados internos
(seguindo o tradicional protecionismo) e por não dispor de meios adequados para
intervir como promotor da modernização;
2) o Estado nacional emerge como um obstáculo
efetivo ao desenvolvimento, pela sua própria macrocefalia. A sua dimensão e escala
afetam mais de metade dos recursos nacionais produzidos, sem os poder utilizar
na economia competitivamente.
Daqui decorre uma evidência: as organizações do
Estado há muito que deixaram de ser modelos ou referências a seguir por outras
organizações, bem pelo contrário, qualquer estratégia de modernização, com
exceções, que subscreva os padrões das novas tecnologias e as boas práticas da
administração esbarra na condição de partida, ou seja, na necessidade de
redimensionar as organizações tradicionais do Estado, o que, em inúmeros casos,
implica o seu desmantelamento e a transferência/privatização dessas atividades
de “economia social”.
Essa passagem da economia social para uma economia
pura de negócios gera uma grande incerteza e instabilidade por via da
frustração das expetativas das populações, pelo menos, a dois níveis:
1.
Dos que integram
essas empresas públicas (que passarão a privadas) e a quem não foram oferecidas
oportunidades de adaptação à envolvente;
2.
Do lado dos
consumidores/utentes desses serviços que também não beneficiam das supostas vantagens
da livre concorrência, pelo abaixamento dos preços desses serviços. (...)
2. O problema do Estado nacional face
à evolvente: transformação dos instrumentos na antecâmara da globalização
A
validade dos modelos de análise, eficazes na identificação do desvio
relativamente ao que seria a rota de equilíbrio no contexto da estrutura da
ordem política anterior, em que o Estado emergia numa relação harmoniosa de
1+1+1, esfumou-se ou passou a ser ilusória, porque o tipo de instrumentos
políticos que tais modelos consideravam para realizar programas de correção
desses desvios também já se transformaram em resultado da mudança em curso.
Tal
significa, no plano analítico, e à semelhança das construções ideológicas que
difundem normas orientadoras para as massas sociais, que os modelos de análise
que vinham do passado, por terem desaparecido as condições anteriores, perderam
potencial explicativo.
O
exemplo mais notório dessa mudança reside na identificação das atuais condições
operatórias do Estado nacional. Esse foi o dispositivo político e institucional
de valor estratégico na orientação das sociedades desenvolvidas e foi em
relação a ele que se formaram as expetativas dos grandes agregados humanos e as
redes de interesses organizados.
Foi
notória a perda progressiva de eficácia das condições de funcionamento do
Estado nacional em relação aos mercados, à garantia dos contratos e dos equilíbrios
sociais e à soberania nacional, segundo a tradicional relação harmoniosa do modelo
weberiano.
Ora,
é esse desencontro entre o passado e o presente no funcionamento dos
dispositivos do Estado nacional que permite visualizar e densificar a crise, a
qual se agrava na medida em que ainda não foi resolvida com a configuração de
novos dispositivos que possam substituir os anteriores.
Esse
gap dá-nos a dimensão estratégica da
mudança em curso.
3.
Dimensão estratégica em curso: a globalização competitiva (GC). O analista e o
político
O
conceito de globalização tem múltiplas aceções, utilizamo-lo aqui para
referenciar a perda progressiva de relevância dos espaços nacionais e da
instituição política que os regulava: o Estado nacional.
Mas
nem o Estado nacional tradicional, nem o clássico padrão de globalização de
conjunturas anteriores podem ser aferidas apenas pela maior intensidade dos
fluxos de circulação dos capitais, serviços, mercadorias com vista à integração
das economias nacionais em mercados cada vez maiores (regionais, continentais,
globais).
Se
afinarmos por esse padrão, seria possível encontrar noutras épocas,
designadamente após a segunda metade do séc. XIX e inícios do séc. XX, fluxos
de intensidade comparável e dos quais resultou uma mudança: os investimentos
nos EUA e na América Latina, os empréstimos à Rússia, os movimentos de capitais
no seio das redes coloniais. Todos esses fluxos atingiram volumes elevados e,
não obstante, a relevância do Estado nacional manteve-se, e iria acentuar-se
durante o séc. XX, na sequência das duas guerras.
Com
efeito, após essas guerras, foi possível recuperar desses desequilíbrios e
retomar o crescimento anterior que integrou a estrutura da ordem política
precedente. A novidade traduziu-se em novas hierarquias e polaridades, dado que
o centro hegemónico do mundo transferiu-se da Europa para os EUA, vencidos que
foram os projetos imperiais alemão, soviético e japonês.
Então,
se estamos diante de uma nova configuração política, cumpre questionar: em que
reside a novidade na atual conjuntura?
Explorando
os sinais existentes da globalização em curso, caímos na formulação inicial, ou
seja, quando comparamos o estatuto e o funcionamento das condições do Estado
nacional nas duas conjunturas, verificamos que a diferença entre os processos
dos séculos XX e XIX reside na perda de eficácia do Estado nacional, o qual
controlava o dispositivo político fundamental que permitia garantir a
articulação entre a razão de Estado (Maquiavel) e a razão analítica, e que era,
simultaneamente, o quadro de legitimação do poder e servia para responsabilizar
os agentes políticos.
Naturalmente,
o peso da história geral da Europa não pode ser negligenciado nestas
articulações sobre a evolução do Estado nacional, já que as configurações de
sucessivas ordens mundiais até ao presente foram sendo realizadas quando ainda
inexistia o Estado nacional (weberiano), tal qual o conhecemos hoje, embora já
houvesse centralização do poder (dinástico).
Esta
asserção serve para sublinhar que o desenvolvimento do Estado nacional ocorreu
primeiro na Europa, porquanto se inseriu no quadro das condições de dominação
que essa primeira globalização (a expansão europeia, em boa parte dinamizada
pela gesta dos Descobrimentos
portugueses no séc. XV) partilhou com as sociedades europeias, de que resultou
a rede de relações dos impérios coloniais.
Sucede
que a articulação entre a primeira grande corrente de globalização, aqui associada
à expansão europeia e acompanhada do desenvolvimento do Estado nacional, não
foi inteiramente intuída pelos agentes políticos da época.
A
segunda globalização resultou da inovação tecnológica com o domínio da energia,
aberta com a revolução industrial que transferiu para o Ocidente a
superioridade na produção, que antes se localizava a Oriente, e também a
superioridade militar, justamente porque também os meios de guerra se
industrializaram.
Daqui
resultou que o domínio da energia e da industrialização, no campo tecnológico,
ficou associado ao domínio colonial, que permitiu aos Estados um poder efetivo
de proteção dos mercados nacionais e coloniais em que assentavam as relações
económicas internacionais.
Contudo,
atualmente, a Europa já não está confrontada com uma guerra religiosa nem
empenha todos os seus recursos na busca duma vitória do catolicismo.
A
liquidação dos impérios coloniais também já se operou e a dominação mundial
deixou de ser bipolar, como foi durante quase meio século de Guerra Fria, explicado
por Raymond Aron no seu magistral Paix et
Guerre, e passou a ser multipolar.
Com
esta breve digressão à história geral da Europa, sublinhamos o ponto proposto:
o Estado (weberiano), centro de relações coloniais e delimitador de territórios
onde impunha as suas normas de regulação, é questionado após a II Guerra Mundial;
primeiro através da descolonização, depois com o processo de globalização
emergente, que neutraliza as possibilidades de regulação dos poderes nacionais,
de Ocidente a Oriente.
Dito
isto, é útil inquirir se é possível atribuir à fase ulterior da globalização a
característica da vitória do capitalismo?!
Não
deixa de ser irónico que a atual globalização, mais do que capitalista ou
socialista, é anti-nacionalista, dado que é contrária à delimitação dos
territórios em espaços nacionais.
Também
aqui a globalização, por via da comunicação instantânea proporcionada pelas
novas tecnologias da comunicação, dissolveu as diferenciações de base
territorial, como a primeira globalização da circulação de pessoas e bens, e
anulou as distâncias que preservavam o isolamento cultural e biológico de
grandes regiões da fase pré-Descobrimentos, em que demos novos mundos ao Mundo, como narrou Camões, um dos pioneiros,
sem querer, da globalização (competitiva).
Presentemente,
ao modelo de Estado nacional, habituado a gerir os seus recursos com base nos
valores da segurança, da proteção e dos equilíbrios sociais numa lógica
distributivista garantida pelo Estado social, sucede um outro modelo de Estado,
obrigado a gerir o risco, a competição, a dominação.
São
esses dois conjuntos de valores políticos em conflito que estruturam o novo
campo de ação política do sistema internacional em contexto de GC.
Contudo,
essa mudança afigura-se mais complexa para os agentes políticos, que têm de
comunicar com os interesses organizados e, simultaneamente, comunicar decisões
problemáticas à sociedade.
4. Globalização entre espaços
competitivos, fragmentação dos territórios nacionais e dissolução dos
protecionismos. Os mapas cromáticos.
Os
historiadores não precisaram mais de inventar o mundo, a fim de estudar a
história mundial. O mundo existe como facto material e como prática diária na
organização global da produção e da destruição.
C.Bright e M. Geyer
Vimos
que um dos efeitos mais imediatos da globalização é a dissolução das
fronteiras, a perda de diferenciação do que antes era garantido pelas intervenções
estatais, de tipo protecionista, num processo de permanente competição
internacional que culminou na criação dos impérios coloniais.
Constatou-se
também que a tecnologia da mobilidade gerou um novo tipo de dinâmica política
com repercussões espaciais, mormente ao nível da contração da relação
espaço-tempo, o que permitiu a formação de espaços atrativos para o
desenvolvimento de atividades e fixação de capitais, indispensáveis aos processos
de modernização nas sociedades.
Pelo
contrário, a ausência daqueles fatores no interior das sociedades torna esses
espaços nacionais e essas economias patamares repulsivos de fatores de
modernidade, onde se acumulam fatores de risco e incerteza e, consequentemente,
intensificam pressões por parte dos grupos sociais descontentes que esperam (em
vão) proteção do Estado.
Ao
verificar que o Estado, por crescentes dificuldades de “viabilidade” e de
“sustentabilidade” económica, não consegue mais garantir esses equilíbrios
sociais, tais grupos sociais passam a assumir-se como vítimas da modernização
relativamente a um Estado que os abandonou e não os consegue mais ajudar ou
integrar na sociedade, que seria suposto devolver-lhes a dignidade através do
emprego e do salário condignos.
Esta
é, de certo modo, uma novidade na conjuntura e na reorganização política do Estado
na sua relação com os seus cidadãos/eleitores inédita nos tempos modernos,
representada numa dupla incapacidade:
1)
a limitação de o Estado reorganizar a estrutura produtiva da economia nacional,
a fim de a tornar ajustada às novas condições competitivas;
2)
e a incapacidade de o Estado – pela via política e normativa – adaptar as
economias nacionais à fragmentação dos espaços nacionais que tinham sido
tradicionalmente organizados no quadro do processo de centralização do poder.
Aliás,
é curioso notar que a atual configuração de poder gerado pela GC, que se
intensificou com os desafios internacionais na dobra do milénio, numa lógica de
complexidade crescente, não deixa de apresentar similitudes com a estrutura
espacial da Idade Média, dado que em ambos os casos, salvaguardadas as devidas
especificidades, a tal garantia de proteção concedida pelo Estado passou a ser
assegurada, em inúmeros casos, por uma economia paralela, leia-se, por
economias clandestinas e também por instituições privadas legítimas, como
seguradoras, bancos, fundos de pensões.
Esta
alteração da perceção do risco resultou da circunstância de os cidadãos reconhecerem
que o Estado, a partir de certo momento, deixou de ser uma pessoa de bem e não
se encontra mais em condições de honrar os seus compromissos.
Daí
resultou uma desconfiança progressiva que afastou o cidadão do Estado,
justificada pela invocação da crise de viabilidade e de sustentabilidade, o que
configura um quase regresso primitivo às formas pré-estatais e pré-capitalistas
da civilização moderna.
Por
contraponto, e na sequência do paralelo entre o modo de funcionamento dos
dispositivos do Estado moderno com os seus equivalentes
funcionais na Idade Média,
as condições pós-estatais e pós-industriais das sociedades contemporâneas
obedecem a regras diferentes.
Quer
dizer, a formação dos espaços competitivos emergentes confere ao Estado nacional
preocupações acrescidas na definição das suas políticas públicas, as quais passam
a ser elaboradas mediante uma nova cartografia, onde o problema das fronteiras
territoriais, delimitadoras dos níveis de modernização e desenvolvimento,
perdeu grande parte da sua anterior relevância.
A
consequência dessa mudança é que os novos mapas políticos, que ditam o sucesso
(Estados globlizantes) ou insucesso (Estados globalizados),
subscrevem outro tipo de mapas, desafios e prioridades.
Estes
são compostos por uma paleta de cores no caleidoscópio das relações de poder,
elaborados em função dos níveis de concentração ou dispersão dos tais fatores
de competitividade e de atratividade que conferem importância estratégica a um
dado espaço nacional, por oposição a outro espaço nacional que não disponha desses
fatores de poder.
Temos
assim os grandes Estados, de dimensão continental, como os EUA e alguns Estados
da União Europeia. Noutra latitude, o Brasil, a Rússia, a China, que poderiam prefigurar
na tipologia de Estados poderosos, ricos e influentes, identificados com uma só
tonalidade, porquanto concentram em si recursos e fatores de poder que os
tornam atrativos e competitivos e, nessa medida, poderiam ser tipificados como
Estados globalizantes, impondo a terceiros os seus padrões e ritmos de
modernização e desenvolvimento.
A
esta luz, em vez dos velhos mapas geográficos, que sinalizaram o índice de
desenvolvimento das nações em função do seu peso populacional e dimensão
territorial, o sistema de poder atual desenha mapas políticos de natureza
cromática, cabendo às cores a definição da hierarquia de cada ator dentro da
nova ordem de poder no sistema de relações internacionais.
Desta
feita, os novos mapas de desenvolvimento conhecem uma variação no seu
ordenamento interno; em função não já de critérios de identidade nacional
clássicos, mas em função da capacidade que cada Estado nacional tem para atrair
os fatores de competitividade.
Pelo
que a integração dum Estado nacional num espaço politicamente identificado como
espaço cultural comum, por força da convergência de identidades de religião e
de instituições políticas comuns, já não constitui um fator de identidade ou
mesmo de referência patriótica que garantia direito de proteção e de
solidariedade do Estado.
Nesse
sentido, a cartografia emergente com a GC, sinalizadora dos índices de
desenvolvimento e de competitividade, constitui-se, simultaneamente, no alfa e
ómega das diferenciações sociais, económicas e financeiras do sistema
internacional, tendo como consequência acentuar a diferenciação e a polarização
entre grupos e classes sociais: os integrados e competitivos por oposição aos
excluídos e dependentes do sistema.
Essa
dependência é agravada pelo fiasco do ultraliberalismo, denunciado por autores
como J. Stiglitz e Viviane Forrester. Ambos criticaram esse sistema e programa
ideológico que empurrou milhões de pessoas para o desemprego em todo o mundo,
baseado no dogma (ou na ilusão) de que o capitalismo se auto-regularia. Porém,
a economia não obedeceu a essas profecias neoliberais e os mercados demonstraram
a sua incapacidade de se gerir a si próprios, de controlar as expetativas que
suscitam nas sociedades e de dominar as reações que desencadearam.
Noutra
passagem do livro, L´Horreur Économique,
Forrester, afirma: (..) Multidões de
seres que lutam, solitários ou em família, para não se degradar, ou pelo menos
só em parte, ou só a pouco e pouco. Sem contar, na periferia, com os que,
incontáveis, temem cair nessa situação e correm esse risco.
Concomitantemente,
esta reorganização dos espaços nacionais pela envolvente da GC, que decorre dos
efeitos da tecnologia da mobilidade, não traduz apenas as clássicas
diferenciações territoriais, ela espelha também uma reorganização dos espaços
urbanos no seio das grandes cidades europeias, aquilo que se designa por
isomorfia na escala de relações sociais contemporâneas.
Ao
nível societal, a reorganização das cidades e dos espaços urbanos em razão do
grau de integração das populações residentes em função do seu posicionamento na
escala da competitividade reconhece que os tradicionais poderes do Estado
nacional, assente na igualdade e na universalidade de direitos, só muito
dificilmente poderá continuar a validar tais valores e a garanti-los às
populações, na senda da princípio da solidariedade.
É com
base nesse constrangimento que o Estado nacional deixou de conseguir assegurar o
apoio às populações mais desfavorecidas nos moldes em que o fazia no passado
recente, na medida em que tinha uma economia a crescer a um ritmo crescente.
A
não ser que o Estado, para realizar aquelas políticas de solidariedade, aceite
o risco de compensação social, com manifesto prejuízo dos indicadores de
competitividade das suas cidades mais competitivas?!
Esta
equação suscita uma sub-questão não menos importante, a de saber como se
assegura a gestão democrática dos espaços nacionais, com uma economia dual e
assimétrica, quando o Estado nacional já não é o único promotor da convergência
das condições de modernização, de transferência e de distribuição de recursos
enquanto fatores de correção das desigualdades sociais no quadro dos espaços
nacionais.
5. Gestão democrática em espaços de
desenvolvimento diferenciados. A dualização das sociedades.
De
modo que, após passar a minha vida estudando e lutando para modificar o meu
país, quando enfim chego à Presidência, agora me dizes, Manolo, que o Estado
perdeu a sua capacidade de acção. Obviamente, não posso aceitá-lo.
(Fernando
Henrique Cardoso, in Seminário da Fundação Alexandre Gusmão, anteriormente
à sua posse como Presidente do Brasil, 1º de Dezembro de 1994, e referindo-se a
Manuel Castells).
É
sintomática esta declaração do ex-Presidente da República Federativa do Brasil,
o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, que se dirige ao seu colega Castells,
cuja obra revolucionou a forma de pensar o Estado e as organizações em contexto
de globalização competitiva.
Feita à época, aquela formulação assume, simultaneamente, um caráter
inconformado e premonitório, como que antecipando o risco, a incerteza e a
turbulência posteriores.
Com
efeito, constata-se que o Estado nacional deixou de ser o único promotor das
condições de desenvolvimento, facilitadas mediante políticas de transferência
de recursos das regiões mais ricas para as regiões mais pobres.
Na
prática, quando uma das regiões do país sofria de maior índice de
subdesenvolvimento relativamente às demais regiões, o Estado, através do seu
planeamento, implementava políticas e medidas de correção com vista à
compensação social dessas assimetrias.
Sucede,
porém, que essas opções de política de desenvolvimento regional implicam que o
Estado tivesse que assumir a responsabilidade de penalizar indicadores de
competitividade das suas cidades e regiões mais desenvolvidas, onde residem os
grupos sociais mais dinâmicos e modernizados da sociedade, de modo a que assim
protegessem e compensassem aquelas regiões mais pobres, que não se conseguiram
ajustar à sociedade da informação.
Contudo,
para que o Estado assumisse essa responsabilidade desenvolvimentista e de
correção das assimetrias regionais e evitasse a dualização da economia, com uns
grupos sociais a ficarem pelo caminho e outros a obterem sucesso na hierarquia
social, os responsáveis políticos tinham que resolver uma contradição:
1)
por um lado, atender à satisfação de
necessidades legítimas dos grupos sociais mais dinâmicos da sociedade, que têm
uma capacidade competitiva, estão abertos ao risco e criam riqueza;
2)
por outro, saber em que medida o apoio do
Estado deve ser dirigido para aqueles grupos sociais menos dinâmicos da
sociedade, que não têm uma vocação competitiva e não contribuem para a
modernização da sociedade e da economia.
Este
tipo de opções protecionistas tomadas pelos agentes do poder, que querem sempre
ser reeleitos para mais um mandato, tem como vantagem recolher o apoio
eleitoral das multidões desprotegidas, que compensam os agentes políticos que
socialmente os protegeram, ainda que à custa de oportunidades de modernização.
Se,
ao invés, os agentes do Estado decidirem proteger os setores mais dinâmicos e
competitivos da sociedade, com sentido de risco e de empreendedorismo, o Estado
estará, por um lado, a reforçar as condições de modernização e desenvolvimento,
mas, por outro lado, essa aposta comportará um risco de maior instabilidade
social, reforçando a dualidade social nesse espaço nacional, agravando o
desnível das condições de vida entre os grupos sociais mais ricos e os mais
pobres da população. São esses grupos que, frustrados nas suas expetativas
sociais, tendem a transferir a sua base de apoio social para as oposições.
Ou
seja, o contexto de globalização competitiva impõe aos decisores políticos do
Estado nacional o seguinte dilema: ou promovem a competição e o risco na
economia, ou apostam na proteção social.
A
escolha dos responsáveis políticos por uma ou outra opção não é simples e,
mesmo quando uma das prioridades é assumida publicamente, não há garantias de
que essa aposta estratégica seja consistente.
A fragmentação
dos territórios do Estado (weberiano) em espaços competitivos e em espaços de
proteção social, consoante a decisão que o poder político em exercício tomar,
implica, necessariamente, um espartilho do próprio sentido de unidade nacional,
que, no quadro do processo constitutivo do poder e de consolidação do Estado
nacional, tinha sido uma variável crucial na estabilidade social interna,
apesar da afirmação do nacionalismo das nações, em inúmeras circunstâncias, ter
originado guerras civis e conflitos internacionais.
6. Vulnerabilidade da Europa em
contexto de globalização competitiva. A política e o cinismo.
Nestas
condições, e no quadro da União Europeia (UE) em que estamos inseridos, importa
notar que estas contradições não são resolúveis mediante argumentos de
autoridade, posto que o Estado nacional já não consegue garantir qual vai ser a
trajetória de modernização e desenvolvimento de cada unidade política no seu espaço
interno, nem no seio do grande espaço
da UE.
Mas
o que é curioso notar na atual estrutura de decisão comunitária, e em concreto
no diretório franco-alemão que vingou durante os últimos anos, até à chegada ao
poder em França de François Hollande a 15 de maio de 2012, em que esse
diretório (mantido por Sarkosy e Merkel) teoricamente implodiu, é que a Europa
não tem sido bem sucedida ao procurar garantir o equilíbrio do conjunto dos
interesses dos Estados membros, porque a sua interrelação ou as oscilações dos
seus interesses e expetativas conjuntas os transformam e alteram em relação às
suas posições iniciais. Dum projeto solidarista passou-se a um projeto egoísta.
Ora,
para que uma estrutura política sui
generis e complexa funcione, como é a União Europeia, e que transcende a
clássica confederação de Estados mas que também não é uma federação política
perfeita à norte-americana, é necessário que as trajetórias individuais de cada
Estado membro, ainda que inscritas em grupos e núcleos de interesse estratégico
específicos em razão da sua grandeza, sejam flexíveis, adaptando-se com rapidez
à alteração do padrão e hierarquia de poder das relações internacionais
vigentes.
Sucede
que o ajustamento a esse novo padrão de poder, que dita a norma competitiva a
seguir pelo sistema internacional e que corresponde ao que designamos
globalização competitiva (GC), é, precisamente, desigual entre as nações, circunstância
geradora de fricções e de conflitos, na medida em que os grupos sociais alemães
têm, seguramente, ritmos de modernização e desenvolvimento muito diferenciados
dos ritmos grego, português ou espanhol.
Essa
diferenciação gera, necessariamente, diferentes ritmos de adaptação à mudança
por parte dos grupos sociais que integram as sociedades dos Estados membros da
UE.
Mais
do que sociedades dualizadas no espaço europeu, em que uns são ricos, rápidos e
incluídos na sociedade e outros dela são marginalizados e excluídos, a Europa
conta, doravante, com outro constrangimento, outra dualização: os Estados mais
ricos procuram o risco, a competição, a dominação e a capitalização; enquanto
que os países menos desenvolvidos, ou intervencionados pelas instituições
europeias, definem os seus interesses numa perspetiva de segurança, de
continuidade e de estabilidade, a fim de assegurarem a proteção dos equilíbrios
sociais segundo a lógica distributivista do Welfare
state.
É
deste ponto de inflexão entre estes dois grupos de países com interesses e
ritmos de crescimento diferenciados no seio da UE que nasce a mudança de
paradigma que reconhece ao Estado nacional a perda de eficácia dos dispositivos
de crescimento rápido e continuado das suas economias, de que dependem os programas
de modernização duma nação.
Esse
desiderato de crescimento constante deixou de ser possível, até pela alteração
do padrão demográfico, com as pessoas a viverem mais tempo,
e a passagem duma sociedade de capitalização para uma sociedade de progressivo
endividamento (privado e público), justificado pela incapacidade de viabilidade
e de sustentabilidade daqueles sistemas sociais que foram garantidos durante a
segunda metade do séc. XX pelo Welfare
state.
Este
anacronismo veio demonstrar que os responsáveis políticos que procuram ser
apoiados e eleitos com base em propostas políticas que nem sempre cumprem
culmina na chamada “mentira política institucionalizada”, na medida em que os
agentes políticos recorrem às “contabilidades criativas” dos respetivos
programas eleitorais para mascarar as estatísticas e os índices de
desenvolvimento dos países, acabando, mais tarde ou cedo, por ser desmascarados
pelas opiniões públicas (e publicadas).
Lamentavelmente,
esse trabalho de desocultação pela verdade só ocorre ao fim de anos, de décadas
de desenvolvimento perdido ou adiado e com manifesto sacrifício das populações
que viram os seus projetos de vida pessoais, familiares e empresariais
destruídos pela incompetência, corrupção, má gestão e incúria daqueles que,
supostamente, tinham a obrigação de zelar pelo bem comum de que falava Aristóteles.
Com
efeito, este alerta, que configura um jogo de espelhos e encerra a enorme
perversidade da política, é uma extensão natural da mentira política, que
representa, em rigor, uma reinterpretação interessada dos factos, mas que acaba
por ter uma vantagem para as opiniões públicas e os eleitorados, que consiste
em aguçar a sua atenção para dois aspetos cruciais da política contemporânea:
1)
as promessas feitas pelos agentes políticos em contextos eleitorais;
2)
e a monitorização daquelas promessas pelos eleitorados sobre os legítimos
titulares de cargos políticos .
Todavia,
não podemos esquecer que a qualidade das instituições e da definição das políticas
públicas, mormente no contexto competitivo da União Europeia da qual dependemos,
e em cujo regime de “protetorado de tipo neocolonial” hoje nos encontramos por
força da vigência do memorando da Troika, depende, em larga medida, da visão,
da experiência e da qualidade das elites europeias que têm as “chaves” do poder
na Europa.
Como
esses resultados não são animadores, ao nível das ideias e dos projetos
comunitários das elites políticas europeias e dos resultados práticos esperados
em cada um dos Estados-membros, quando se faz um paralelo entre o legado dos
fundadores da Europa (após a Segunda Guerra Mundial) e os resultados atuais, o
contraste não podia ser mais frustrante.
Tomando,
naturalmente, por referência os fundadores e os líderes da Europa no pós
Segunda Guerra Mundial. A saber: Robert Schuman e Jean Monnet, K. Adenauer,
Churchil (de forma sui generis),
Sicco Mansholt, Paul Henri Spaak, Alcide De Gasperi, Altiero Spinelli, mais
recentemente, na Alemanha, Helmut Schmitd e Kohl, e, em França, Miterrand e
Jacques Delors, só para citar os mais influentes. Tudo nomes que contrastam com
os atuais personagens e burocratas que dirigem os destinos da UE.
Todos
eles, duma forma ou doutra, preconizaram a criação dos “Estados Unidos da
Europa” e uma integração de políticas acelerada, especialmente após 1945 (e nas
décadas seguintes), porquanto acreditavam que só uma Europa unida e partilhando
de ideais, de valores e de desígnios comuns poderia garantir a paz no Velho Continente. Em rigor, o seu objetivo
era erradicar definitivamente as “doenças” europeias patentes no nacionalismo e
no belicismo que atravessou o séc. XX.
Por
último, importa reter neste ponto a atenção que os
cidadãos/eleitores/contribuintes passaram a dedicar àquilo que são os
interesses e as informações encobertas pela crónica indeterminação dos
comportamentos dos agentes políticos.
Aliás,
Peter Sloterdijk, filósofo germânico, foi talvez quem mais eficientemente reformulou
a questão do cinismo político na modernidade. Fê-lo através da sua Crítica da razão cínica ao estabelecer
as condições do cinismo dos agentes políticos, pois quem exerce o poder e
conhece as suas ilusões e consequências não o pode (ou deve) fazer fingindo que
desconhece tais condições no exercício do poder, com o fito de ocultar a sua
verdadeira perversão.
Uma
relação disfarçada numa imagem de ingenuidade, inocência e compaixão,
qualidades que facilitam a relação psicológica dos governantes com os
governados, crucial na fase de captação de votos racionalizada pelo sistema de
promessas eleitorais.
É
essa opacidade voluntária e deliberada por parte dos responsáveis políticos que
distorce os mecanismos de regulação do poder democrático. O resultado dessa
deliberada perversão é impedir uma avaliação objetiva dos governantes por parte
dos eleitores e, ao mesmo tempo, induzir nos eleitorados a perceção de que as
suas escolhas eleitorais são indiferentes, porque os resultados práticos são invariavelmente
os mesmos.
No
próximo programa de análise, procuramos compreender por que razão os mecanismos
decisórios das atuais democracias representativas privilegiam os personagens em
detrimento dos protagonistas políticos, cujas referências aos fundadores da
Europa ilustrámos acima.
7. Personagens e protagonistas perante
a modernização, a crise e a globalização
Do
exposto ficou claro que o que torna as questões políticas trilemáticas (em
contexto de GC), muito diversas do que eram as questões dilemáticas clássicas
que se colocavam aos Estados nacionais em sistemas delimitados por fronteiras
territoriais e subordinados a uma contraposição bipolar (entre ricos vs pobres,
dominantes vs dominados, nacionalistas vs cosmopolitas) ou ainda no plano das
orientações políticas (conservadores vs progressistas, modernizadores vs
tradicionalistas, esquerda vs direita), converge com o mesmo processo que
conduz à alteração dos poderes políticos nacionais.
Entre
os atributos nucleares do poder do Estado nacional, inscreve-se não só o
controlo do território pelo exercício da soberania, o domínio do espaço, mas
também o controlo sobre essa variável crucial que é o tempo, variável que marca
o ritmo da mudança.
Esse
ritmo da mudança, marcado pelas reformas previstas nos programas políticos
comunicados à sociedade, insere-se na ordem do político e do estratégico, que
regula a coordenação dos processos de mudança, das correntes de inovação e o
sistema de relações entre os atores na esfera da globalidade.
Significa
que esta lógica de domínio sobre os ritmos dos processos de mudança na vida das
nações já não depende de decisões tomadas dentro dos territórios, eles decorrem
do que for a coevolução das dinâmicas das outras sociedades e dos outros
núcleos estratégicos de decisão, posto que é desses outros fatores que irá
depender a estruturação e a intensidade, velocidade e impacto, para retomar a terminologia
de Held e McGrew, das novas correntes e movimentos de mudança que interferem
com a vida das nações.
Quando
o Estado nacional deixa de poder controlar essa dinâmica social interna perante
a pressão das correntes de inovação originadas no exterior, e que são forças
globais que o Estado não consegue regular, deixa de ser possível controlar o
tempo histórico da mudança e, com isso, os equilíbrios internos também passam a
ficar dependentes do risco e da incerteza resultantes das forças e das pressões
externas.
Nessa
interação de forças, de processos e de relações, é improvável que os sistemas
políticos se interrelacionem de tal modo com vista a corrigirem esses
diferentes ritmos de mudança automaticamente. Pois, cada país, em função das
suas capacidades económicas e sociais, reage de modo diverso aos choques de
modernização impostos pela GC. Tais choques geram, nuns casos, trajetórias de
desenvolvimento e expansão, noutros casos, trajetórias de estagnação e recessão
na vida das nações.
Neste
contexto, verifica-se que, nas sociedades europeias atuais, o campo eleitoral está
condicionado por uma relação perversa entre eleitores e candidatos ao poder,
que impede que os mecanismos de seleção democráticos assegurem uma seleção mais
eficaz dos melhores governantes.
O resultado
dessa perversão assenta na atribuição do prémio àqueles que conseguem
estruturar a opinião pública em função de critérios de popularidade, em
prejuízo daqueles que estruturam a opinião em função de critérios de
responsabilidade.
Aqueles
prometem aquilo que sabem não poder cumprir (populistas); estes prometem apenas
aquilo que sabem poder realizar (responsáveis).
Nesta
espiral de processos no interior dos espaços nacionais, a modernização duma
economia vai acentuar as desigualdades em função dos critérios de
competitividade/atratividade.
Mais
uma vez, o valor estratégico de um Estado nacional, perante o sistema
internacional globalizado, é identificado mediante um raciocínio tão simples
quanto inevitável, que consiste em contrapor os dois padrões em conflito:
1)
o padrão estrutural onde foram instalados os velhos mecanismos de segurança e
de distribuição da economia keynesiana;
2)
e o padrão de modernização competitiva em condições de mobilidade (legado
schumperiano da destruição criadora),
que há muito deixou de estar vinculado a um território nacional.
Diante
deste conflito de modelos de análise e de realidades distintas, a passagem para
contextos de sociedades abertas à globalização, em ambientes tecnológicos que
asseguram um elevado nível de mobilidade, vem inviabilizar a configuração
política anterior do Estado nacional delimitado pelos territórios, porquanto
lhe vai retirar a capacidade para sustentar os equilíbrios sociais internos.
Contudo,
isto não responde ao destino do Estado nacional. Presumindo que ele não
desaparece por força da globalização, urge perceber em que configuração
política se transforma.
É o
objetivo do nosso último programa de análise.
8. O Estado-rede: a configuração
política emergente
O
globalismo, enquanto configuração histórico-social abrangente no seio da qual
se movem pessoas e coletividades, nações e nacionalidades com as suas formas de
vida e trabalho, com as suas instituições e valores, não implica a morte do
Estado nacional, mas pressupõe uma evolução decorrente da adaptação do Estado à
GC.
Daí
a formulação da seguinte interrogação:
E
se o Estado-rede, essa nova configuração política, que cresce e se desenvolve
com o globalismo, não for, de facto, uma utopia da era da sociedade informação?
Verificámos
que o vetor competitividade passa a ser independente, estruturado em contexto
de mobilidade e operando em espaços sem delimitação do Estado nacional,
revelando que a lógica das relações políticas internas deixou de ser
suficientemente autónoma, porquanto deixou de estar protegida pela membrana da
soberania.
Neste
sentido, a configuração política emergente deverá ser reconhecida como um
produtor de racionalidade com potencial de adaptabilidade, ou seja, capacidade
de ajustamento ao processo de mudança das condições estratégicas na economia e na
sociedade. A ser assim, trata-se duma configuração estratégica que envolve o conjunto
da sociedade, e não só o Estado.
Sendo
certo que onde não houver atratividade, não haverá apenas carências de
capitais, também se registará um afastamento das principais tendências de
inovação tecnológica, o que implica a perda de oportunidades de modernização na
sociedade.
À
luz destes encadeamentos, mais importante do que declarar a fatalidade da morte
do Estado nacional e mais útil do que prosseguir a utopia de buscar um governo
universal junto do qual se possa transferir uma responsabilidade que não se
consegue fixar com precisão, será útil perspetivar os dispositivos de avaliação
das trajetórias de desenvolvimento e das correntes de modernização, com base nos
quais se poderá aferir se uma dada sociedade caminha em direção ao desenvolvimento
sustentado ou em direção ao abismo.
Naquele
caso, como vimos acima, o Estado privilegia o risco, o empreendedorismo e a
competitividade, neste caso protegem-se as multidões de vítimas.
Todavia,
a história do Estado e da teoria política que o procura racionalizar, desde
Maquiavel (1517), no dealbar da Idade Moderna, é o reflexo da violência e da
coação. Na tradição aristotélica, o Estado definia-se como um conjunto de objetivos
racionais da associação humana e, mais tarde, na perspetiva do idealismo
alemão, influenciado pela racionalidade técnica do início do séc. XX, o Estado
sublinha a importância crescente da burocracia, que foi o contributo maior dado
por Max Weber, na sua obra Economia e
Sociedade, em 1921.
Em
qualquer uma destas perspetivas da teoria política, houve a preocupação de
correlacionar o Estado à racionalidade, sem a qual o exercício do poder e da
aplicação do conhecimento e da autoridade não faziam sentido.
Foi
essa interdependência crescente entre o Estado, a racionalidade técnica e as
práticas transnacionais que passou a qualificar o Estado como um novo ator, agora
mais adaptado à GC e ajustado às práticas que o envolve na esfera da
globalidade.
Auxiliado
por Albrow, explicitamos essa nova categoria que transcrevemos no original:
Whether in law, or in collaborative transnacional practices, or in the
new social technology, the rationality of the state reveals what was always its
potencial, namely its objective and universalizable quality distinct from any
particular nationhood. Even as the nation-state developed, state pratices
transcended the boundaries which Hegel erect around it. The state´s roots are
no longer in the nation; its extent is worldwide. It does not belong to a
particular set of people at a particular time, though it may have arisen from
their needs. The state in Global Age has been uprooted. Governments find that
the deracinated state they administer does not belong to themselves, or even to
their own people. The origin of its rules are multilocal, polycentrically
administered. From that point of view it is now possible to think of the state
as a worldwide web of practices, with no one centre. (…) The state has become a
globally extended sphere of meaningful activities. Multiple agencies engage
constantly in defining the nature and limits of their respective jurisdictions.
(…) The state withdraws into a realm of techonology, law and transnational
organization. But in a world where individual activities have so long been
energized by the aspirations of the nation-sate, where the state has colonized
so much of daily life, where social life has been framed and regulated by
state, the consequences of its transformation for individuals and groups are
profound.
Do
exposto resulta que, perante o fator de ineficiência da configuração
tradicional das sociedades europeias, a competitividade já não pode ser
alimentada pelo protecionismo do Estado e a configuração do poder já não pode
ser determinada só pelos interesses internos, sem relevar a evolução da GC, que
obriga as sociedades modernas a adaptarem-se a uma nova realidade, à formação
de sociedades múltiplas, com referenciais de identidade complexos.
Nessa
evolução, a globalização é o conceito que assume uma posição-chave no léxico
das CSH. A circulação desses saberes permite ao conhecimento reflexivo ser
aplicado às condições de reprodução do sistema e, simultaneamente, alterar
intrinsecamente as circunstâncias a que originalmente se reportava.
O
objetivo é duplo: diminuir o risco e potenciar a confiança no mundo social
contemporâneo.
BIBLIOGRAFIA
- Giddens, A. The
Consequences of Modernity, Cambridge, Polity, 1990.
- Held, D., McGrew, A., Goldblatt &
Perraton, Global Transformations – Politics, Economics and Cultures,
Polity Press, Cambridge, 1999
- Hirst, P. e
Thompson, G. Globalization in Question, London, Polity Press, 1995