quarta-feira

Democracia digital e o reforço da participação cívica dos cidadãos na polis: em busca da boa governação


 
É já um lugar comum afirmar que a internet viabilizou a democracia digital e esta, por sua vez, tem favorecido as interacções das pessoas, dos movimentos sociais e dos demais actores com relevância social que passaram a intervir na economia, na sociedade e na política. Ou seja, a intervir no conjunto das instituições políticas que consubstanciam o Estado e vão muito para além dele.  
 
Assim, a internet fomentou vários aspectos: o envolvimento cívico e a participação dos cidadãos na política, reforçou o chamado capital social - que passou a ser mediado através das máquinas que são os computadores e, desse modo, o conjunto dos cidadãos passou a ter uma voz que não tinha no passado recente, circunstância que lhes permitiu moldar os temas objecto de discussão na esfera pública, pressionar actores políticos corruptos e incompetentes a sair de cena, e, grosso modo, assegurar aquilo que a doutrina tem vindo a designar a deliberação política on-line, já que cada um de nós tem acesso acesso imediato às informações podendo republicá-las, comentá-las e enriquecer pontos de vista em tempo real e a baixo custo, operações que jamais seriam desenvolvidas se a democracia digital não tivesse sabido tirar partido da internet e das plataformas criadas para multiplicar os elos de comunicação global.
 
Amanhã o país, um pouco sem saber o que fazer, irá de novo observar o ritual que já dura quase há 4 décadas: comemorar Abril e o seu significado no presente. E será neste ângulo que importará medir que melhorias ou incremento houve no país real em resultado de as pessoas, as famílias, as empresas passarem a dispor da oportunidade de interface entre elas e o Estado, colocando os cidadãos no centro da atenção pública e no nervo da decisão.
 
Ou seja, que alterações ocorreram nos últimos anos na sequência da confrontação das realidades sociais e económicas do passado recente com as configurações digitais emergentes e da sua repercussão ao nível das instituições da democracia. Seja em sentido restrito (cidades, autarquias, parlamentos, etc), seja em sentido lato (partidos políticos, sociedade, economia) bem como o conjunto das iniciativas institucionais no espaço que vai do Estado aos cidadãos, como a prestação de serviços públicos on-line e aquilo que se convencionou chamar governo electrónico. Sem descurar, naturalmente, as iniciativas institucionais que caem no âmbito da participação ou de oferta de informações tendentes à escolha dos agentes políticos através de actos eleitorais. O que pressupõe a relação das sondagens, das discussões políticas em torno dos seus resultados, dos fóruns electrónicos, etc.
 
Temos assim, aparentemente, uma democracia informada, uma economia vigiada, uma sociedade mais participada em que o poder de decisão passou a estar, tanto quanto posssível, mais descentralizado para comunidades de cidadãos activos que passaram a intervir nas suas áreas de competência.
 
Este quadro deveria, à partida, revelar um contraste dos antigos sistemas, em que as massas escolhem governantes distantes em eleições periódicas de uma pessoas-um-voto, mas onde a voz do cidadão verdadeiramente não tem importância. Sucede, porém, que o mundo mudou, a forma de funcionamento e de comunicação global das nossas sociedades também se alterou drásticamente e, apesar de tudo isso, a qualidade da nossa democracia ainda não nos permitiu escolher melhor os governantes, contribuir para formatar políticas públicas mais acertadas e realistas que vão ao encontro do bem-estar das populações, combater eficazmente as múltiplas formas de corrupção nas sociedades contemporâneas, ter melhores instituições sociais, enfim, governar apresentando melhores resultados económicos, financeiros e sociais.
 
Este contraste também enfileira num dos grandes paradoxos do nosso tempo: dispomos de recursos tecnológicos ímpares na nossa história da evolução económica e tecnológica, mas não conseguimos progredir na qualidade das elites políticas que escolhemos para governar as nações.
 
Este impasse só poderá ser resolvido através do reforço da sociedade transparente dos nossos dias, partilhando amplamente a informação entre o público ligada em rede, na tal - democracia electrónica vigilante - a qual proporcionará um controlo adicional da meritocracia nos vários campos do saber, da técnica à política tocando todos os domínios socioprofissionais.
 
Desta feita, e na antecâmara da comemoração de mais um 25 de Abril, e à falta de melhor ideia, talvez devêssemos pensar que o principal desafio na concepção de um sistema de boa governação, há quase 40 anos democrático, finda a ditadura conservadora e branda de Salazar, consiste em proteger o sistema que temos da influência e da penetração de interesses especiais e das políticas e dos actores (corporativos) que costumam sequestrar os recursos do Estado mediante a feitura de contratos ruinosos para o erário público, os quais produzem um efeito nefasto na economia, ou seja, em todos e em cada um de nós.
  
Considerando o desafio proposto, assente em eleger um sistema de boa governação, talvez fosse relevante apostar mais e melhor na revalorização da chamada democracia digital a fim de ampliar a democracia directa em tempo real coadjuvada pelas redes sociais, atraindo, para o efeito, mais participação pública de molde a garantir a responsabilização dos agentes políticos e, ao mesmo tempo, filtrar melhor a natureza do consentimento dos eleitorados que, como é sabido, em Portugal, nos últimos anos, não tem sabido escolher os melhores para a complexa e exigente tarefa da governação.
 

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