segunda-feira

"TAMBÉM EU FUI UM NÁUFRAGO" - por Jorge Trabulo Marques -

Importa, com tempo, meditar na motivação e trajectória deste português que teve a coragem de desafiar as leis que muitos de nós jamais desafiariam...














 

Tal como vós, também um dia parti de um porto,

de um indistinto porto tracei meu rumo,

perdi-me, voguei errabundo, fui náufrago!...

Vivi todas as sensações e emoções do mundo,

como só talvez as viva intensamente

quem se abra de corpo aberto

e coração fundido à pulsação

desse plangente limite,

viscoso, movediço, sorvente!

- Na tumultuosa e erma vastidão!



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domingo

Evocação do bispo Desmond Tutu

Existe uma história muito conhecida de quando os missionários chegaram a África. Tinham a Bíblia  e nós, os nativos, tínhamos a terra. Eles disseram: "Vamos rezar" e nós "fechámos os olhos respeitosamente. Quando os abrimos eram eles os donos da terra e nós tínhamos a Bíblia."

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Democracia - por Paulo Baldaia -


A presidente do Parlamento, Assunção Esteves, foi sábia quando celebrou o 25 de Abril dizendo-nos que "a democracia tem hoje a sua prova de fogo no bem-estar social e económico". Não pode haver dúvidas de que se os partidos tradicionais não souberem resolver os problemas das pessoas serão os populistas e extremistas a beneficiar do voto dos eleitores.

É verdade que também há democracia quando o voto dá vitórias aos extremistas, mas a questão é que a democracia não se pode esgotar nas urnas, tem de se consolidar na forma como quem exerce o poder governa um país. E nós já sabemos ao que levam as ideologias radicais. O que andamos agora a descobrir por toda a Europa é que se impôs o maior dos radicalismos, aquele que diz que a política não interessa para nada, que o que importa são os mercados.

Percebendo o fenómeno, estando na oposição, a esquerda estrebucha. Ameaça, em França, romper com a ideia de que a Europa deve ser liderada a partir de Berlim e ameaça, em Portugal, deixar o centro-direita a viajar sozinho. Querem mais crescimento e menos austeridade. É muito provável que esta simples vontade acabe por fazer caminho e a democracia supere a sua prova de fogo não esquecendo o bem-estar social e económico, como deseja a social-democrata Assunção Esteves.

Mas há riscos nesta desejada inversão de marcha. Os mercados que impõem austeridade e gostam de juros altos costumam ficar nervosos com pouca coisa. No caso português, são bem capazes de ver um aumento de risco caso o PS cumpra a ameaça de fazer uma "ruptura democrática" e deixe de estar no apregoado consenso que nos distingue da Grécia. No caso dos gregos, são bem capazes de entrar em histeria se os partidos do arco do poder nem juntos conseguirem uma maioria. No caso francês é ainda mais perigoso, porque os mercados adoram o directório Paris-Berlim tal como ele está.

Os eleitores dizem nas urnas o que entendem sobre os políticos e os mercados que lhes impõem as regras. A Europa vai andar a votos, mas por cá as eleições são só em 2015. PSD e CDS devem governar, tentando antecipar as mudanças de rumo na Europa para não fazerem a viagem sozinhos. O problema não é Seguro mudar de ideias, é Hollande ganhar as eleições e Merkel mudar de ideias. 

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quinta-feira

Transparência política e mais competência. Democracia participativa




O dia 25 de Abril, especialmente na última década, converteu-se num teatro nacional em que cada actor representa o seu próprio papel na encenação geral em que a política em Portugal se transformou. Ou seja, numa ciência do mais amplo fingimento, ilusão e mentira política cujo fito é perpetuar a "fábrica das ilusões" para proteger quem se encontra no poder ou em lugares de representação. Não porque os respectivos actores políticos, especialmente aqueles que ocupam as cadeiras do poder, sejam maus por natureza, mas porque, por um lado, não querem perder o poder, logo o discurso proferido visa justificar a sua permanência nele, por outro lado, se não fazem melhor é porque, de facto, não têm a capacidade política, técnica e cultural de estruturar ideias para elaborar projectos em todas e em cada uma das áreas da governação. O que se traduz numa má governação e no adiamento do desenvolvimento e da modernidade.


Dentro de cada área, educação, saúde, agricultura.., o que é que cada português sabe acerca do orçamento afecto a essas políticas públicas? Em rigor, não sabe nada, desconhece tudo. Mas como o dinheiro que cada um daqueles ministros gasta em nome do bem público é resultante dos impostos dos portugueses, estes deviam saber algo acerca da gestão desses recursos e da forma como são aplicados. 


Imagine-se, doravante, porque vivemos numa sociedade cada vez mais digital, em que os documentos governamentais (e outros) podem ser consultados com alguma facilidade, rapidez e economia - que os portugueses conseguem visualizar num imenso painel o destino a dar as todas as políticas públicas que o Governo, em cada mandato, deve executar. 


Assim, como quem visualiza as ramificações do corpo humano e dos problemas que este pode ter se as pessoas se alimentarem à base de gorduras ou beberem muito alcóol. Recorrendo a esta analogia da medicina, em que o sangue passaria a ser representado pelo dinheiro na economia, conviria que os portugueses se preocupassem mais em saber que destino dar ao seu dinheiro, questionando por que razão se gastam X milhões na saúde e Y milhões na educação, etc. 


Sendo que em cada política pública, em cada sector da governação, em cada ramificação do corpo social por onde flui o "sangue" cujo dinheiro é de todos nós, contribuintes (que alimentamos o Estado), passaria a ser escrutinada mediante conferência electrónica em que os portugueses, nas questões fundamentais, seriam chamados a participar mais activamente mediante a sua opinião. Naturalmente, o reverso desta medalha implicaria uma certa paralisação e até demagogia do processo de tomada de decisão e, no limite, até alguma anarquia de opiniões, já que o povo, por regra, não está qualificado para gerir os cada vez mais complexos negócios do Estado. Em todo o caso, esta seria uma oportunidade para que os portugueses ficassem mais iluminados do que é a arte da governação e das opções, para cada uma das políticas, que urge sempre ter a fim de resolver problemas comuns. Seria também uma oportunidade para revitalizar a nossa fraca democracia, que se limita a rotinar procedimentos e eleições de 4X4 anos, o que é manifestamente escasso na era da informação em que vivemos. 


Actualmente os cidadãos precisam de saber ao certo qual o destino do seu dinheiro e como e porquê ele é gasto, o que pressupõe fazer algumas reformas no sistema político, dada a impossibilidade de decretar que, doravante, os políticos passassem a ser gente séria, transparente e competente. Todavia, isto não significa que todos eles sejam corruptos e incompetentes, mas há uma crescente desconfiança dos eleitores relativamente aos eleitos e à forma como representam os interesses públicos. Isto é visível na elevada taxa de abstenção em Portugal. Alterar a lei eleitoral, por exemplo, tornando os deputados verdadeiramente próximos e representantes dos ciclos por onde foram eleitos, e não continuarem a ser meros avençados dos partidos que os colocam em lugar elegível. 


Outras medidas relacionadas com a transparência, poderiam conferir eficácia à relação governantes-governados para prevenir a corrupção, a economia paralela e outras situações de fraude, como o conhecido caso de polícia que é o BPN, e dar dignidade às instituições, aos políticos e à governação no seu conjunto. No fundo, governar é prestar contas aos eleitorados, prosseguindo projectos nacionais sufragados em contextos eleitorais. Assegurar estas condições é escrutinar mais e melhor a política, eleger para ela políticos mais sérios e competentes.


A Internet, a sociedade digital e a multiplicidade de dispositivos que hoje integram a chamada democracia participativa - potenciada pelo ciberespaço - podiam tornar possível essa responsabilidade/accountability na sociedade portuguesa, restabelecendo a confiança entre o povo e os políticos que aquele elege para o representar.


Caberá  aos agentes políticos dar um passo decisivo para atingir esse objectivo, começando por afirmar que fazem da transparência um padrão político a seguir e que a rede das redes será a nova Ágora para acabar com o reinado do segredo, da corrupção, das golpadas por baixo da mesa, da simulação e da mentira política que tem manipulado os portugueses nas últimas décadas em Portugal.


Acho que os portugueses têm direito, 38 anos após o 25 de Abril de 1974, de saber como são verdadeiramente tomadas as decisões em seu nome. Algo que hoje ainda não acontece com verdadeira transparência e, por regra, os programas eleitorais dos partidos comunicados à sociedade, com base nos quais ganham eleições, raramente são observados quando os líderes desses partidos capturam o poder.  


Eliminar essa distância entre eleitos e eleitores só é possível pelo reforço da participação dos portugueses na reforma do sistema político, aproveitando as potencialidades da Internet para reclamar políticos mais competentes e, por extensão, políticas públicas mais eficazes para resolver os verdadeiros problemas dos portugueses. 

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RTP mostra a teia política e económica d'Os Donos de Portugal - Rita Guerra -


O documentário Os Donos de Portugal, que será emitido pela RTP2 esta madrugada, começa com um pedido ao espectador. E com uma inquietação que o atravessa e nos obriga a chegar ao fim. Imagine que um leitor de crónicas de negócios do século XIX regressa a Lisboa e retoma as suas leituras: "Que espanto sentiria ele ao encontrar os mesmos nomes daquelas grandes famílias que povoavam a Baixa e a Lapa? Será que ainda vão lá estar em 2150?"



Ao PÚBLICO, o realizador e dirigente do BE Jorge Costa defende que "é o Estado que faz a burguesia em Portugal", quer no Estado Novo quer na democracia. Primeiro, o documentário aponta uma elite económica que se afirma a partir de "uma relação de grande promiscuidade com o poder do Estado e sempre sob sua protecção, uma característica que atravessa os vários regimes". Depois, assinala "como a elite económica se constitui ao longo de um século como uma grande família". Por último, desmonta uma forma concreta de promiscuidade entre o poder político e económico, ao expor o "tráfego entre cargos políticos e lugares de topo nos grandes grupos económicos", sobretudo em ministérios estratégicos: Economia, Emprego e Obras Públicas.

O filme começa em finais do século XIX, revela uma burguesia que tem no Estado o seu mercado privilegiado e que sobrevive de relações estreitas com os universos da política e dos negócios, numa lógica de permanente favorecimento. Exibe-se o fracasso de uma burguesia incapaz de modernizar o país, absolutamente centrada no enriquecimento e na autopromoção social. Uma rede que é abalada com o 25 de Abril, mas que o Estado, através do processo de privatizações, coloca novamente no centro do poder económico e financeiro. 

"No centro desse centro esteve sempre a família Mello", que há-de unir-se às famílias Champalimaud e Espírito Santo. A árvore genealógica da burguesia portuguesa mostra como o casamento é passaporte para assegurar a continuidade da direcção dos negócios e como o país económico é refém de "uma grande família", afirmam. Já no Estado Novo, o documentário revela "uma amizade única" entre Salazar e Ricardo Espírito Santo, que se "reúnem ao domingo" e se "correspondem regularmente". As famílias Champalimaud e Mello são à época, por exemplo, protegidas por regras alfandegárias que garantem mercados exclusivos. 

Atravessa toda a película a ideia de que as grandes fortunas foram construídas sempre de mão dada com o Estado, com recurso a medidas de protecção concreta ou através de indemnizações ou empréstimos. Fernando Rosas, historiador e dirigente do BE, defende no decorrer d'Os Donos de Portugal que "a cultura da burguesia industrial portuguesa é uma cultura de chapéu na mão em relação ao Estado". Rosas explica ainda que "a elite política do país era muito pequena", o que fez com que a circulação entre os negócios e a política fosse mais intensa. "O Estado foi o construtor da burguesia, até que um dia, como no célebre conto do aprendiz do feiticeiro, o aprendiz tomou conta do feiticeiro", defende.

Sectores de "acumulação mais rápida" emergem no século XX a par dos impérios familiares. Américo Amorim, Belmiro de Azevedo e Jerónimo Martins passam a fazer parte desse núcleo duro, segundo o relato. Mas também a "elite angolana" é apontada como uma dona de Portugal. Pelo menos da banca. "Mais de 10% do BPI e do BCP, 25% do BPN" e empresas com Mota-Engil, PT, Zon, grupo Espírito Santo e Unicer.

Analisados 115 currículos de governantes do último século, o documentário conclui, com especial relevância para o PSD, que "entre política e negócios o trânsito é permanente e muito intenso". E que "esta promiscuidade cria um sistema de enriquecimento rápido e uma ascensão social vertiginosamente rápida", nas palavras de Jorge Costa. 

Duas afirmações no documentário explicam quase tudo. A primeira é que "o lugar num ministério é hoje trampolim para uma vertiginosa ascensão social através de remunerações com que muitos quadros partidários nunca sonharam, nem no partido nem nas suas profissões". E a segunda vai ao âmago da corrupção: "Quem dirigiu a privatização passa a dirigir o que privatizou, quem adjudicou a obra pública passa a liderar a construtora escolhida, quem negociou pelo Estado a parceria público-privada passa a gerir a renda que antes atribuiu ou vice-versa."

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terça-feira

Evocação de Miguel Portas: um homem de carácter, um político transparente


Excepcionalmente inteligente, devotado à causa pública, um homem de carácter, frontal, combativo que acreditava nos ideais que defendia. Não andava na política para receber promoções, ter status e subir os degraus do poder sem ganhar eleições (i.é, com muletas via coligações) ou ainda fazer golpadas com o erário público...

- O Miguel, sendo um fervoroso adepto da transparência política, era a antítese do político de duas faces, do Conde de Abranhos: que publicamente assume uma moral, na intimidade professa exactamente o contrário. 

- A morte é sempre um escândalo, e, em certos casos, devia ser proibida pelos estragos que deixa na sociedade. O Miguel faz falta ao país (e à Europa que fica privada duma ultra-Vox credível). Por isso, como cidadão, aqui lhe rendo a minha sincera homenagem. 

- R.I.P.

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O Estado português: interventor e esbulhador em vésperas de 25 de Abril

Os  factóides do dia remetem a turba para a resistência simbólica de o poeta Alegre e Mário Soares  boicotarem as cerimónias  do 25 de Abril através da sua ausência. Faz lembrar as técnicas da resistência passiva de M. Gandhi, na Índia, antes da independência. Aqui, o simbolismo também conta e, por vezes, é eficaz. 

Se bem que entenda que desse boicote nada de prático resulte para o país real, mas talvez os dois antigos amigos, depois contendores eleitorais, se voltem a reencontrar na esquina da história, até porque a taxa média de vida em Portugal não aumentou tanto assim, por isso o melhor mesmo é procurar fazer as pazes em vida antes que a vida, ela própria, se encarregue de fazer das suas surpresas. 

Com isto explicito que a maior vantagem do boicote de ambos às cerimónias do 25 de Abril de 2012 é, de facto, a feitura das pazes entre Alegre  Soares, desavindos desde a penúltima eleição presidencial em que Soares foi eleitoralmente humilhado ante o milhão de votos de M.Alegre.  Votos esses que depois se evaporaram, o que prova que em política nada permanece estático, é tudo dinâmico. 

Mas o facto essencial  no Estado português que temos, é doutra natureza. Tal implica reconhecer que o nosso Estado ainda não é liberal, como o actual poder quer fazer crer, é antes um Estado interventor e prestador de serviços ou fornecedor de produtos, muitos deles de duvidosa qualidade. Mesmo perante as autarquias e outras organizações pública e privadas (ou mistas), o Estado é o último "mercado interno" protegido que o imuniza das regras da competição internacional que ele clama deverem existir para os demais actores sociais. Por essa razão, não nos podemos admirar que, ao longo das décadas, o Estado fosse o pólo de atracção de todas as actividades socioprofissionais e económicas que não encontravam viabilidade fora da sua esfera de protecção, e até o único centro de remunerações  e preços garantidos às pessoas e organizações com quem tratava. Pode pagar atrasado, como lamentavelmente faz, mas há sempre a garantia de que paga. O Estado como prestador de serviços, desde a saúde à educação, passando pelo policiamento nas estradas, o Estado determina padrões de qualidade, combinando com as oportunidades de lucro nas suas actividades privadas. 

Como fornecedor de produtos, desde a energia  às comunicações, o Estado (mesmo não sendo o fornecedor directo) permite e promove que, para financiar investimentos de elevado risco, essas empresas cobrem tarifas excessivas (vide, EDP...), ou, se não fizerem esses adequados investimentos de inovação e manutenção, penalizam a competitividade externa da economia nacional e bloqueiam a penetração de sectores económicos fundamentais. É nesse impasse que caímos: por um lado, o Estado permite o que permite às grandes empresas para fazer inovação e desenvolvimento, mas isso comporta um custo social brutal às populações; por outro lado, o mesmo Estado sabe que se não der essas facilidades às grandes empresas o desenvolvimento, a inovação e a modernidade podem ficar comprometidos. 

Neste carrefour de opções de políticas públicas, o Estado português, - e a coberto do discurso racionalizador, e cada vez mais neoliberal, cego e injusto, porque tomando medidas draconianas que não acautelam a coesão nem a equidade sociais, e o resultado é a recessão e o empobrecimento galopante dos portugueses, - é o único que está investido da prerrogativa de identificar, definir e promover o chamado interesse público que, por definição, e aqui reside um mal terrível, só o Estado pode tipificar e concretizar. O que abre caminho às maiores arbitrariedades, como temos testemunhado na história política nacional neste último ano de governação ultra-liberal, com base numa filosofia de contabilidade pura.

Significa isto que quando pretendemos definir o Estado português, nas sua dimensão política (e/ou politológica, se quisermos) o que encontramos é um Estado regulador, mas num sentido perverso, dado que ele impõe padrões comparativos que nivelam por baixo, e não por alto, como seria suposto. Creio, contudo, que se o Estado procede assim não é por maldade pura, mas porque não soube, nestes últimos anos, situação agravada neste último, organizar centros de excelência verdadeiramente competitivos, com base nos quais depois pudesse estabelecer verdadeiros padrões competitivos e em que a sociedade, no seu conjunto, já liberta do Estado interventor, beneficiasse no seu conjunto. 

Mas para que tal ocorresse era necessário que o nosso Estado não fosse, como lamentavelmente é, o último "mercado interno" protegido, que se apropria das vantagens, dos recursos, das normas e dos processos de funcionamento para seu benefício exclusivo (como se fosse um verdadeiro monopólio), ainda que racionalize todo o seu discurso em nome da metáfora do interesse público que, hoje, até já passou a penalizar os seus próprios funcionários públicos, não só em remunerações como no esbulho aos subsídios de férias e de natal, como garantia de segurança de que o Estado é, de facto, "esbulhador-mor" institucionalizado, que age em nome dum interesse maior cujos pressupostos se desconhecem e ninguém sabe para que servem. 

É, creio, este o Estado a que chegámos, em véspera do 25 de Abril, e logo pela mão dum Estado cujo poder em funções é (des)orientado pelo mais ultraliberal que já ocupou as cadeiras do poder democrático em Portugal desde 1974. 

E isto, obviamente, representa um retrocesso não apenas social e económico, mas também civilizacional. Perante o reconhecimento desta desgraça política, a resistência simbólica da "brigada do reumático" às cerimónias do 25 de Abril, em 2012, não passa já duma metáfora sem potencial explicativo.  



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Al Jarreau

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segunda-feira

O que o Estado vai comemorar no dia 25 de Abril?!


Ao longo da evolução constitucional em Portugal, desde a Constituição de 1976, fundadora do regime político democrático, a estrutura da separação dos poderes teve um papel importante, embora perturbador pela existência de um órgão transitório - o Conselho da Revolução - que, por ser temporário, tinha relevantes poderes formais, foi um factor de instabilidade, seja na execução dos seus poderes específicos, seja na forma como se refere à distribuição futura desses poderes pelos outros pólos do poder democrático. A Constituição de 1976 legitima a destruição dos centros patrimoniais privados de vocação empresarial, com a excepção dos centros de capitais estrangeiros e concentra no Estado não só a condução dos assuntos económicos, como também as próprias actividades empresariais mais relevantes. 

O exercício do poder constituinte em 1982 reformula a arquitectura da separação dos poderes através dos órgãos de soberania. A extinção do Conselho da Revolução foi a oportunidade para reduzir e limitar o poder de avaliação crítica do PR sobre o Governo. 

Em 1989, o exercício do poder constituinte, mais uma vez sob acção conjunta do PS e do PSD, estabelece o reconhecimento da iniciativa privada na área económica, mas com a necessidade de ajustamento aos efeitos de integração europeia da economia portuguesa. 

Nesta evolução, de que aqui damos uma imagem grosseira, o sistema político confirmou e consolidou a autonomia progressiva do poder executivo sobre os demais órgãos de soberania dentro do sistema político. Ou seja, nenhum outro poder na sociedade pode aspirar a competir com o poder executivo, seja no seu nível de tomada de decisão, seja ainda na sua capacidade para ser um poder de mediação entre os múltiplos interesses e os recursos do Estado - que vive duma carga fiscal verdadeiramente descomunal sobre os contribuintes: os particulares e as empresas. 

Depois de amanhã irá comemorar-se o dia 25 de Abril, ano da fundação da Liberdade e da Democracia pluralista em Portugal, mas com a particularidade de aquela Liberdade não encontrar par nas demais liberdades - económicas, sociais e de realização pessoal e profissional pela maior parte dos portugueses que hoje são obrigados a emigrar, porque no seu país as autoridades não conseguem criar condições para os fixar, e até os convidam a sair, num gesto de excepcionalidade governativa que espelha, no fundo, o reconhecimento da impotência de conseguir saber fazer melhor. 

Perante esta realidade, é lícito perguntar se o preço a pagar pela predominância do poder político, e em particular do Executivo sobre os demais órgãos de soberania, consegue compensar as perdas de direitos crescentes e todas as expectativas sociais entretanto criadas, as quais foram (erradamente) orientadas para a sua relação com o Estado - que hoje limita cada vez mais os cidadãos no acesso aos direitos sociais (educação, saúde, habitação, etc). 

Com a agravante de o mercado português, pela sua natureza monopolística e oligopolística, ser um mercado altamente protegido por regras determinadas pelo próprio Estado. Os portugueses sentem isso quando, por exemplo, pagam a factura da EDP (e outras!!!), símbolo de que não há transparência nem verdadeira concorrência em Portugal, e isso também constitui uma das razões por não saber bem o que os portugueses vão continuar a comemorar no dia 25 de Abril. 

Provavelmente, aquele que foi o Dia da Liberdade e da Democracia passará a ser o dia em que o Estado poderá comemorar as condições de encobrimento de comportamentos socialmente inaceitáveis, desde a corrupção às práticas ilegais e de arbitrariedade a que o Estado submete o cidadão e as empresas quando não lhe paga a tempo e horas, e tem a veleidade de exigir deles aquilo que o Estado não consegue cumprir. 

Enfim, pequenos exemplos que me dão a convicção de que o Estado, tal qual existe em Portugal, não saberá o que fazer no dia 25 de Abril, especialmente porque o Estado, pelas suas práticas mafiosas e coniventes com um certo empresariado (nacional e agora estrangeiro), entre as quais está a tributação crescente aos cidadãos, retendo-lhes os ordenados e subsídios de férias e de natal - poderá, num acto de verdade pura e aplicada ter a coragem de ser autêntico e passar a comemorar o dia 25 de Abril - não como o dia da Liberdade e da Democracia - mas como o dia do ESBULHO  nacional ao cidadão e às empresas portuguesas. 


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sábado

From the American Century to the Competition Century



Globalist Bookshelf > Global GovernanceFrom the American Century to the Competition Century
 
 

 
The rise of emerging powers like China, Brazil, Turkey and India will bring an eventual end to the era of Western dominance. But because these nations all have competing interests and strategic visions, writes Charles A. Kupchan, author of "No One's World," what comes next will not be the Chinese century, the Asian century or anyone else's century.

f the world's emerging powers enjoyed a consensus among themselves about the nature of the post-Western world, they could drive the debate about the shape of the coming era. But rising powers are far from arriving at a shared view of the rules of the next order.

China may eventually become a democracy — but, if so, it will surely do so well after its emergence as a country of the top rank.
They know what they do not want — a world under the continued hegemony of the West. But they do not have a coherent vision of what should replace the Western order. Indeed, with the exception of China, which has well-funded ministries and think tanks tasked with mapping out the country's grand strategy, other rising powers are just getting in the game.

India's diplomatic service is still less than 1,000 strong. By way of comparison, the United States employs roughly 12,000 diplomats. Brazil is fast seeking to expand its diplomatic presence abroad (it has recently opened some 16 embassies in Africa alone). Turkey's more assertive foreign policy and its deepening engagement in the Middle East are new and still evolving.

Rising nations need additional time and resources to develop the ambitions and institutions that will mark their arrival as major powers.

As power becomes more broadly distributed across the globe, the diverging interests and strategic visions of emerging powers will ensure that the next world will be "no one's world." The global turn will bring to an end the era of the West's material and ideological dominance. But what comes next will not be the Chinese century, the Asian century, or anyone else's century.

Rather, "no one's world" will exhibit striking diversity. Alternative conceptions of domestic and international order will compete and coexist on the global stage.

For the first time in history, an interdependent world will be without a center of gravity or global guardian. Previous eras were, of course, home to a multipolar landscape and a broad array of approaches to governance and commerce. But prior to the advance of globalization during the 19th century, centers of power rarely interacted with one another.


Rising nations need additional time and resources to develop the ambitions and institutions that will mark their arrival as major powers.
In the 1600s, for example, the Europeans, Ottomans and Chinese had little to do with each other. Forging a common set of rules across Christian, Muslim and Confucian societies was thus not an issue.

Not so today. In a world in which both markets and security are global in nature, the Washington Consensus (to the degree it still exists), Brussels Consensus, Beijing Consensus, New Delhi Consensus, Brasilia Consensus — and other developing conceptions of order — will regularly interact with each other.

The globe's main centers of power are highly interdependent, meaning that developments in one region have a major effect on developments in many others. Indeed, economic policies arrived at in Beijing can sometimes have a greater impact on the U.S. economy than decisions taken in Washington. As a consequence, global governance will require compromise and consensus among competing conceptions of political and commercial life.

The spread of democracy and economic interdependence, some analysts contend, has the potential to ensure that this coming transition in global order will be pacific and cooperative. But such arguments do not hold up under scrutiny.

The next world will be populated by major powers of many different regime types, not just by democracies. China may eventually become a democracy — but, if so, it will surely do so well after its emergence as a country of the top rank

Moreover, emerging powers that are democracies may well align themselves with their rising compatriots rather than with the West. And even if all the world's countries were democratic, it cannot be taken for granted that the relationships among them would be reliably cooperative.


For the first time in history, an interdependent world will be without a center of gravity or global guardian.
Unable to direct their competitive energies against nondemocracies, democratic great powers may engage in geopolitical rivalry with each other. After all, great-power rivalry is often the product of competition for prestige and status — a yearning from which democracies are hardly immune.

The peace-causing effects of commercial interdependence are similarly illusory. Economic interdependence among Europe's great powers did little to avert the hegemonic war that broke out in 1914. Geopolitical competition made short shrift of economic ties. And when lasting peace does break out, deepening economic ties are usually a consequence rather than a cause of political reconciliations.

The stability afforded by Western predominance will slip away in step with its material and ideological primacy. Accordingly, the West must work with emerging powers to take advantage of the current window of opportunity to map out the rules that will govern the next world.

Otherwise, multipolarity coupled with ideological dissensus is likely to bring back to global politics balance-of-power competition and dangerous jockeying for position and prestige. 

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sexta-feira

Seguro ultrapassa Passos Coelho nas intenções de voto


Passos e Governo caem, Seguro e PS sobem


Ler mais: http://expresso.sapo.pt/passos-e-governo-caem-seguro-e-ps-sobem=f720423#ixzz1scONOMxK

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L’année de Hannah Arendt !


  • Sugestão amiga deixou aqui este diamante intelectual. Bem haja L.M.C.

L’année de Hannah Arendt !

MICHAËL DE SAINT-CHERON

Hannah Arendt, philosophe allemande
Hannah Arendt, philosophe allemande
Ces deux derniers volumes Écrits juifs et L’Humaine conditionnous donnent à la fois des textes célèbres en France et des inédits nombreux comme De la Révolution ou ses pages juives.
Après son Eichmann à Jérusalem, L’Humaine condition est sans doute son livre le plus connu. On peut regretter avec les éditions Gallimard que Calmann Lévy, sans raison, ait refusé que leur traduction reprise dans ce volume le soit sous ce titre, qui pour évoquer Montaigne, n’en est pas moins fidèle à l’originel, faute bien sûr de pouvoir reprendre celui rendu célèbre par Malraux. D’emblée, nous sommes frappés de voir que le livre sorti l’année où Levinas publia Totalité et infini, 1961.
L’Humaine condition (que nous préférons à son titre français usuel) analyse quelques-unes des problématiques capitales de l’être humain : la vita activa, le travail, le commun et le public, à partir de quoi Hannah Arendt aborde le bios, les grandes questions morales comme la liberté, la nécessité, la bonté, le marxisme, la parole, la solitude, la pauvreté… Les pages sur le travail témoignent de la puissance de sa pensée. L’œuvre (= la fin), écrit-elle, « justifie les moyens ; mieux encore, elle les produit et les organise. La fin justifie la violence faite à la nature […] le bois justifie le massacre de l’arbre, la table justifie la déstruction du bois » (p. 182).
Tout sur terre, depuis que l’homme l’a dominée avec l’ère industrielle, a une fonction de moyen. Tout sauf l’humain, comme Kant le proclama dans sa célèbre formule : « L’homme ne peut servir de moyen en vue d’une fin, tout être humain est une fin en soi » (184). Pas une époque où ce principe n’ait été foulé au pied. À la dernière page de son avant-dernier chapitre « L’Action », H. Arendt écrit cette parole capitale, aussi importante que celle de Kant : « les hommes, bien qu’ils doivent mourir, ne sont pas nés pour mourir, mais pour innover » (259). Sa philosophie de l’action est tout entière inscrite dans ces mots.
Au premier chapitre de On Revolution (De la Révolution), Arendt se livre à une analyse sémantique autant qu’historique du mot en lui-même montrant l’incroyable détour accompli depuis De revolutionibus orbium coelestiumde Copernic (1543) jusqu’à sa première acception moderne puis son sens contemporain. La grande dame de la philosophie du XXe siècle montre la longue évolution du substantif pour acquérir enfin sa signification moderne avec la Révolution française. Philippe Raynaud, maître d’œuvre du volume, a voulu y adjoindre La Crise de la cultureHuit exercices de pensée, 1961 qui s’ouvre avec Char (« Notre héritage n’est précédé d’aucun testament ») et se clôt avec Heisenberg et Einstein. Arendt y développe ses analyses sur l’autorité, la liberté ou la crise de l’éducation.
Hannah Arendt
Hannah Arendt
Abordons ses Écrits juifs, car un sujet aussi immense demanderait un ou plutôt des livres et un colloque entiers. On sait que la philosophe éleva le principe d’indépendance de l’esprit au-dessus de toute appartenance politique, idéologique, communautariste, mais comme tout principe, il faut savoir s’en détacher. Dans une lettre datée de 1963, par laquelle elle répondait à Gershom Scholem (qu’elle appelle de son prénom allemand « Cher Gerhard ») qui voyait en elle une « fille de notre peuple », elle écrivait : « La vérité est que je n’ai jamais prétendu être autre chose, ni être autre que je ne suis […] ». Mais elle ajoute tout de suite après : « Vous avez tout à fait raison : je ne suis animée d’aucun « amour » de ce genre, et cela pour deux raisons : je n’ai jamais de ma vie ni « aimé » aucun peuple, aucune collectivité […], ni rien de tout cela. J’aime « uniquement » mes amis et la seule espèce d’amour que je connaisse et en laquelle je croie est l’amour des personnes. En second lieu, cet « amour des Juifs » me paraîtrait, comme je suis juive moi-même, plutôt suspect1. »
Deux essais retenus pour l’édition actuelle sont des inédits de poids, « L’Antisémitisme » datant sans doute de 1938 ou 39, puis un texte de 1944 The Jew as Pariah (Le Juif comme paria). Par ailleurs, qui savait que la jeune philosophe avait voulu constituer une armée juive internationale dès 1941 ? En 1944, elle consacre un magnifique texte, une sorte d’appel, intitulé « Pour l’honneur et la gloire du peuple juif », à l’occasion du 1er anniversaire du soulèvement du ghetto de Varsovie. Elle ne sait pas encore sans doute l’étendue du massacre. En décembre 1943, elle intitula l’un de ses tout premiers écrits, sur la question de la Palestine qui occupe la plus grande partie du volume : « La question judéo-arabe peut-elle être résolue ? »
Si Hannah Arendt fut si souvent douée d’une vision et d’une compréhension des situations que l’on ne peut que saluer, il lui arriva de se tromper gravement aussi, tout spécialement à propos du cas Eichmann en forgeant le concept de Banalität des Bösen, la « banalité du mal », qui serait d’ailleurs dû à son mari Heinrich Blücher. S’il n’y a pas en soi de « banalité » du Mal, il y en a moins encore dans tout ce qui touche au nazisme. A-t-on pu être Eichmann ou Himmler ou Mengele par hasard, par accident ? Eichmann ne savait-il pas qu’il conduisait des millions d’êtres à la mort ? Est-on banalement le pourvoyeur des chambres à gaz ? On sait que la philosophe suscita une massive controverse en Occident après son Eichmann à Jérusalem. Aujourd’hui le pourfendeur ou plutôt l’inquisiteur de l’orthodoxie de la Shoah, Claude Lanzmann, monte en première ligne contre H. Arendt, en préparant un nouveau film consacré justement au cas Eichmann à partir du témoignage de Benjamin Murmelstein qu’il filma à Rome en 1975 mais l’écarta de Shoah. Dans leurs entretiens, Murmelstein, qui côtoya l’Obersturmbannführer SS à Rome de longs mois durant, affirmait son fanatisme antijuif, sa haine radicale du Juif qu’il fallait détruire.
Au final, Hannah Arendt témoigne avec hauteur que si c’est l’Homme lui-même qui l’intéresse par-dessus tout, l’histoire juive, le peuple juif, ne la laissent pas indifférente, loin de là. Malgré ses quelques erreurs de jugement, ces deux volumes attestent une fois encore de la force de sa pensée métaphysique et politique, qui n’a rien perdu de sa prégnance.
[1] Traduits de l’anglais et de l’allemand par Sylvie Courtine-Denamy, qui a déjà accompli par ses traductions et ses études un énorme travail sur la philosophe
[2] Cf. Les Origines du totalitarisme, trad. Sylvie Courtine-Denamy, Quarto, Gallimard, 2002, pp. 1353-1358.

bio-ardendt-pluriel
Elisabeth Young-Bruehl, Hannah Arendt, Hachette Pluriel, novembre 2011, 768 pages, 12 euros, ISBN : 28185030






ecrits juifsHannah Arendt, Écrits juifs, traduits de l’anglais et de l’allemand par Sylvie Courtine-Denamy, Fayard, novembre 2011, 752 pages, 28 euros, ISBN : 2213642583






l'humaine conditionHannah Arendt, L’Humaine Conditionsous la direction de Philippe Raynaud, Quarto Gallimard, mars 2012, 1300 pages, 26 euros, ISBN : 2070122395

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