segunda-feira

O que o Estado vai comemorar no dia 25 de Abril?!


Ao longo da evolução constitucional em Portugal, desde a Constituição de 1976, fundadora do regime político democrático, a estrutura da separação dos poderes teve um papel importante, embora perturbador pela existência de um órgão transitório - o Conselho da Revolução - que, por ser temporário, tinha relevantes poderes formais, foi um factor de instabilidade, seja na execução dos seus poderes específicos, seja na forma como se refere à distribuição futura desses poderes pelos outros pólos do poder democrático. A Constituição de 1976 legitima a destruição dos centros patrimoniais privados de vocação empresarial, com a excepção dos centros de capitais estrangeiros e concentra no Estado não só a condução dos assuntos económicos, como também as próprias actividades empresariais mais relevantes. 

O exercício do poder constituinte em 1982 reformula a arquitectura da separação dos poderes através dos órgãos de soberania. A extinção do Conselho da Revolução foi a oportunidade para reduzir e limitar o poder de avaliação crítica do PR sobre o Governo. 

Em 1989, o exercício do poder constituinte, mais uma vez sob acção conjunta do PS e do PSD, estabelece o reconhecimento da iniciativa privada na área económica, mas com a necessidade de ajustamento aos efeitos de integração europeia da economia portuguesa. 

Nesta evolução, de que aqui damos uma imagem grosseira, o sistema político confirmou e consolidou a autonomia progressiva do poder executivo sobre os demais órgãos de soberania dentro do sistema político. Ou seja, nenhum outro poder na sociedade pode aspirar a competir com o poder executivo, seja no seu nível de tomada de decisão, seja ainda na sua capacidade para ser um poder de mediação entre os múltiplos interesses e os recursos do Estado - que vive duma carga fiscal verdadeiramente descomunal sobre os contribuintes: os particulares e as empresas. 

Depois de amanhã irá comemorar-se o dia 25 de Abril, ano da fundação da Liberdade e da Democracia pluralista em Portugal, mas com a particularidade de aquela Liberdade não encontrar par nas demais liberdades - económicas, sociais e de realização pessoal e profissional pela maior parte dos portugueses que hoje são obrigados a emigrar, porque no seu país as autoridades não conseguem criar condições para os fixar, e até os convidam a sair, num gesto de excepcionalidade governativa que espelha, no fundo, o reconhecimento da impotência de conseguir saber fazer melhor. 

Perante esta realidade, é lícito perguntar se o preço a pagar pela predominância do poder político, e em particular do Executivo sobre os demais órgãos de soberania, consegue compensar as perdas de direitos crescentes e todas as expectativas sociais entretanto criadas, as quais foram (erradamente) orientadas para a sua relação com o Estado - que hoje limita cada vez mais os cidadãos no acesso aos direitos sociais (educação, saúde, habitação, etc). 

Com a agravante de o mercado português, pela sua natureza monopolística e oligopolística, ser um mercado altamente protegido por regras determinadas pelo próprio Estado. Os portugueses sentem isso quando, por exemplo, pagam a factura da EDP (e outras!!!), símbolo de que não há transparência nem verdadeira concorrência em Portugal, e isso também constitui uma das razões por não saber bem o que os portugueses vão continuar a comemorar no dia 25 de Abril. 

Provavelmente, aquele que foi o Dia da Liberdade e da Democracia passará a ser o dia em que o Estado poderá comemorar as condições de encobrimento de comportamentos socialmente inaceitáveis, desde a corrupção às práticas ilegais e de arbitrariedade a que o Estado submete o cidadão e as empresas quando não lhe paga a tempo e horas, e tem a veleidade de exigir deles aquilo que o Estado não consegue cumprir. 

Enfim, pequenos exemplos que me dão a convicção de que o Estado, tal qual existe em Portugal, não saberá o que fazer no dia 25 de Abril, especialmente porque o Estado, pelas suas práticas mafiosas e coniventes com um certo empresariado (nacional e agora estrangeiro), entre as quais está a tributação crescente aos cidadãos, retendo-lhes os ordenados e subsídios de férias e de natal - poderá, num acto de verdade pura e aplicada ter a coragem de ser autêntico e passar a comemorar o dia 25 de Abril - não como o dia da Liberdade e da Democracia - mas como o dia do ESBULHO  nacional ao cidadão e às empresas portuguesas. 


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