quinta-feira

Transparência política e mais competência. Democracia participativa




O dia 25 de Abril, especialmente na última década, converteu-se num teatro nacional em que cada actor representa o seu próprio papel na encenação geral em que a política em Portugal se transformou. Ou seja, numa ciência do mais amplo fingimento, ilusão e mentira política cujo fito é perpetuar a "fábrica das ilusões" para proteger quem se encontra no poder ou em lugares de representação. Não porque os respectivos actores políticos, especialmente aqueles que ocupam as cadeiras do poder, sejam maus por natureza, mas porque, por um lado, não querem perder o poder, logo o discurso proferido visa justificar a sua permanência nele, por outro lado, se não fazem melhor é porque, de facto, não têm a capacidade política, técnica e cultural de estruturar ideias para elaborar projectos em todas e em cada uma das áreas da governação. O que se traduz numa má governação e no adiamento do desenvolvimento e da modernidade.


Dentro de cada área, educação, saúde, agricultura.., o que é que cada português sabe acerca do orçamento afecto a essas políticas públicas? Em rigor, não sabe nada, desconhece tudo. Mas como o dinheiro que cada um daqueles ministros gasta em nome do bem público é resultante dos impostos dos portugueses, estes deviam saber algo acerca da gestão desses recursos e da forma como são aplicados. 


Imagine-se, doravante, porque vivemos numa sociedade cada vez mais digital, em que os documentos governamentais (e outros) podem ser consultados com alguma facilidade, rapidez e economia - que os portugueses conseguem visualizar num imenso painel o destino a dar as todas as políticas públicas que o Governo, em cada mandato, deve executar. 


Assim, como quem visualiza as ramificações do corpo humano e dos problemas que este pode ter se as pessoas se alimentarem à base de gorduras ou beberem muito alcóol. Recorrendo a esta analogia da medicina, em que o sangue passaria a ser representado pelo dinheiro na economia, conviria que os portugueses se preocupassem mais em saber que destino dar ao seu dinheiro, questionando por que razão se gastam X milhões na saúde e Y milhões na educação, etc. 


Sendo que em cada política pública, em cada sector da governação, em cada ramificação do corpo social por onde flui o "sangue" cujo dinheiro é de todos nós, contribuintes (que alimentamos o Estado), passaria a ser escrutinada mediante conferência electrónica em que os portugueses, nas questões fundamentais, seriam chamados a participar mais activamente mediante a sua opinião. Naturalmente, o reverso desta medalha implicaria uma certa paralisação e até demagogia do processo de tomada de decisão e, no limite, até alguma anarquia de opiniões, já que o povo, por regra, não está qualificado para gerir os cada vez mais complexos negócios do Estado. Em todo o caso, esta seria uma oportunidade para que os portugueses ficassem mais iluminados do que é a arte da governação e das opções, para cada uma das políticas, que urge sempre ter a fim de resolver problemas comuns. Seria também uma oportunidade para revitalizar a nossa fraca democracia, que se limita a rotinar procedimentos e eleições de 4X4 anos, o que é manifestamente escasso na era da informação em que vivemos. 


Actualmente os cidadãos precisam de saber ao certo qual o destino do seu dinheiro e como e porquê ele é gasto, o que pressupõe fazer algumas reformas no sistema político, dada a impossibilidade de decretar que, doravante, os políticos passassem a ser gente séria, transparente e competente. Todavia, isto não significa que todos eles sejam corruptos e incompetentes, mas há uma crescente desconfiança dos eleitores relativamente aos eleitos e à forma como representam os interesses públicos. Isto é visível na elevada taxa de abstenção em Portugal. Alterar a lei eleitoral, por exemplo, tornando os deputados verdadeiramente próximos e representantes dos ciclos por onde foram eleitos, e não continuarem a ser meros avençados dos partidos que os colocam em lugar elegível. 


Outras medidas relacionadas com a transparência, poderiam conferir eficácia à relação governantes-governados para prevenir a corrupção, a economia paralela e outras situações de fraude, como o conhecido caso de polícia que é o BPN, e dar dignidade às instituições, aos políticos e à governação no seu conjunto. No fundo, governar é prestar contas aos eleitorados, prosseguindo projectos nacionais sufragados em contextos eleitorais. Assegurar estas condições é escrutinar mais e melhor a política, eleger para ela políticos mais sérios e competentes.


A Internet, a sociedade digital e a multiplicidade de dispositivos que hoje integram a chamada democracia participativa - potenciada pelo ciberespaço - podiam tornar possível essa responsabilidade/accountability na sociedade portuguesa, restabelecendo a confiança entre o povo e os políticos que aquele elege para o representar.


Caberá  aos agentes políticos dar um passo decisivo para atingir esse objectivo, começando por afirmar que fazem da transparência um padrão político a seguir e que a rede das redes será a nova Ágora para acabar com o reinado do segredo, da corrupção, das golpadas por baixo da mesa, da simulação e da mentira política que tem manipulado os portugueses nas últimas décadas em Portugal.


Acho que os portugueses têm direito, 38 anos após o 25 de Abril de 1974, de saber como são verdadeiramente tomadas as decisões em seu nome. Algo que hoje ainda não acontece com verdadeira transparência e, por regra, os programas eleitorais dos partidos comunicados à sociedade, com base nos quais ganham eleições, raramente são observados quando os líderes desses partidos capturam o poder.  


Eliminar essa distância entre eleitos e eleitores só é possível pelo reforço da participação dos portugueses na reforma do sistema político, aproveitando as potencialidades da Internet para reclamar políticos mais competentes e, por extensão, políticas públicas mais eficazes para resolver os verdadeiros problemas dos portugueses. 

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