domingo

Um homem livre - por João Marcelino - dn

"Um homem livre" Ao não deixar que o PSD, melhor dizendo: Pacheco Pereira, utilizasse na Comissão Parlamentar de Inquérito ao chamado caso PT/TVI escutas de um processo penal cuja investigação ainda decorre, Mota Amaral mostrou a diferença que vai entre um político populista e demagogo e um homem de Estado. Para o primeiro, vale tudo. Para o segundo, a defesa do Estado de direito tem prioridade, mesmo que isso colida de frente contra os interesses momentâneos da própria família política.
Ao longo da sua carreira, na qual já foi presidente do Governo dos Açores e mais recentemente da Assembleia da República, Mota Amaral sempre mostrou ser alguém que não se guia por instintos primários nem cede à facilidade. Ele poderia ter optado por ganhar, como Pacheco Pereira queria, os urros de apoio dos descamisados e de todos aqueles que apenas clamam por uma justiça independente e séria quando isso lhes interessa. Ao contrário, decidiu não fazer aos outros (neste caso a José Sócrates) o que não gostaria que lhe fizessem a ele nem a democracia merecia que o Parlamento fizesse aos direitos individuais de um qualquer cidadão. (...)
Obs: João Marcelino revela lucidez nesta análise, pois perante a moral de convicção - de raiz kantiana - e a moral de responsabilidade - de raiz maquiavélica, Mota Amaral sacrificou o princípio fácil e demopopulista desta e valorizou o rule of law. Claro que pelo caminho ficaram os destroços de Pacheco pereira com base nos quais o deputado faz "pulhítica", ainda que sob um sistema intelectual de justificação, como diria Pareto, de nobres ideais que interessam à República cumprir.
Aquela Comissão de inquérito, por mais que isso custe aos seus proponentes e activos promotores, não passa duma caça às bruxas em contexto democrático e, nesse aspecto, tal revela duas coisas: o actual PSD não alterou a sua linha política, fazendo convergir PPCoelho e Ferreira leite, e é com base nesse quadro de possibilidades, que comporta uma chantagem latente, que o psd fará depender a manutenção ou queda do Governo em funções através duma moção de censura via Lapa.
Se assim for, a tal cooperação revela que o acordo que PPCoelho fez com Sócrates está eivado de má fé política e que as alternativas políticas para o actual psd serão alavancadas através do affair Moura Guedes/PT/TVI, o que, em rigor, não deixa de ser caricato, sobretudo se atentarmos que é da governação de um país com quase mil anos de história como Portugal.

Etiquetas: , , ,

terça-feira

O alargamento do Espaço público e a (des)Informação em Portugal

A democracia trouxe a liberdade de expressão, associação, opinião mais uma catrafada de outras liberdades a que hoje não sabemos dar a melhor utilização. Mas esse facto, por si só, representou uma emancipação da liberdade individual de cada um de nós, o que permite a expressão de múltiplas opiniões em tempo real, seja por parte de agentes políticos, sociais, empresariais, judiciais, culturais, religiosos, etc. Todos hoje falam com todos em tempo real.
À partida essa circunstância deveria implicar mais e melhor democracia, mais e melhor entendimento e compreensão dos fluxos de informação debitados pelos media, mas, ao invés, parece que o espaço público, ou por burrice dos destinatários ou por incapacidade dos media, não conseguiu converter aqueles bits em conhecimento aproveitável pela sociedade, melhorando a qualidade da democracia, da sociedade e do Estado.
Primeiro aparece-nos a imprensa de opinião, em segundo a imprensa comercial, em terceiro implantam-se os media audiovisuais e, por fim, aparece o modelo das relações públicas generalizadas que atingem todas as esferas da sociedade e do Estado, incluindo as empresas, as associações, as corporações, nada escapa à influência dos media, mas nem por isso nos sentimos hoje melhor informados do que no passado recente. Daí o conhecimento inútil das toneladas de informação que hoje flui no espaço público.
Então, é lícito admitir que ao excesso de informação não corresponde a verdade, ou melhor informação, melhor democracia e melhor Estado. Assim sendo, o Estado, as oposições, no fundo, a classe dirigente também não está apta a produzir melhores decisões para a sociedade.
O caso da putativa compra da TVI pela PT – via Estado – que envolve o PM nessa alegada interferência do poder com o mundo empresarial para daí extrair um ganho político por via da libertação dum meio de comunicação social hostil, que, por acaso praticava mau jornalismo pela mão do casal Moniz/Guedes, revela como ainda vivemos numa sociedade de massas, acéfala e acrítica, passiva e objecto da comercialização das notícias, da Pub., e dum conjunto de comportamentos e de reacções automáticos decorrentes do tal comportamento passivo que Jürgen Habermas criticou no seu espaço público e na sua Esfera pública.
Vemos hoje um Portugal suspenso – através de duas Comissões - de inquérito e de ética da AR – para aferir da verdade de um agente político e, em função disso, marcar (ou não) eleições antecipadas, com os custos sociais, económicos e financeiros que tudo isso implicaria. Para, no final, supremo paradoxo, ser o PS e Sócrates a capturar o poder e, eventualmente, voltar a governar com uma maioria ainda mais folgada do que a que tem hoje.
Por outro lado, não devemos ser ingénuos a ponto de crer que os agentes do poder não tentam condicionar os media, influir no trabalho dos jornalistas, condicionar e/ou orientar a opinião a seu favor e virá-la contra os seus adversários políticos. Isto sempre se faz, faz-se e irá continuar a ser uma prática, porque é essa a natureza humana. Mas procurar deixar um país suspenso por uma questão que envolve mais suposições do que certezas, e é a moeda corrente da vida política e empresarial em qualquer paíse democrático, é abusivo.
Quantas vezes o empresário Belmiro de Azevedo já tentou condicionar o poder político a tomar a decisão A, B ou C? Quantas vezes Ricardo Salgado Espírito Santo já tentou (e)levar a ministro da Economia administradores do seu grupo económico? Quantas vezes o “velho leão” – compulsivamente reformado com uma ajudinha inteligente do Comendador Joe Berardo – o engº Jorge Jardim Gonçalves tentou meter Secretários de Estado das finanças e do Orçamento no Governo aquando da sua formação?
Estas tentativas e práticas são naturais e recorrentes em democracia e denuncia a relação dos banqueiros com os políticos. A virtude está em saber-lhes resistir escolhendo sempre os melhores, e que depois sejam os melhores a governar em prol do interesse geral, em busca do bem comum.
Ora, aquelas Comissões da AR representam mau teatro, são sessões deprimentes que ainda deprimem mais os portugueses, é um jogo mistificador, ainda que disfarçado de virtudes democráticas mui republicanas. Pois mesmo que se apure que o PM teve o ensejo de se libertar da TVI via PT o negócio, verdadeiramente, não se fez, e as pressões são naturais em democracia. Mas, de caminho, o país libertou-se daquele câncer jornalístico, e se hoje, a TVI produz melhor informação, a essa alegada pressão se deve. Por aqui se deduz um efeito não previsto (positivo) resultante da tomada de decisão dos espanhóis da Prisa junto da direcção de Informação da TVI que a oposição imputa ao PM.
Até posso presumir que o PM tentou fazer esse lance, ou alguém por ele para lhe agradar e facilitar a governação, mas os filtros e os mecanismos da sociedade impediram-no, o que prova a vitalidade da sociedade civil, a robustez da democracia mediática e, acima de tudo, que os seus adversários internos, estão vivos, vigilantes e actuantes.
Mas mais grave do que imputar uma manipulação ao PM é constatar a manipulação política e cognitiva que o PSD e BE tentam engendrar com o fito de manipular o raciocínio dos portugueses, através daquela galeria de convidados para fazer depoimentos, e que fazem as suas declarações em função dos seus ódios de estimação quer ao PM quer ao PS. E o mesmo se passando com os convidados do PS, que também convida os players que sabe antecipadamente têm declarações desfavoráveis aos partidos da oposição que são, no fundo, os proponentes desta mega-fantochada no Portugal dos pequeninos.
Por isso hoje Portugal é um país refém de si próprio, um país em que o objectivo é converter o falso em verdadeiro, e o seu inverso, deformando tantas vezes a realidade até que ela se encaixe na perfeição dos seus fautores. E o mais grave é que a esta amálgama cognitiva soma-se uma amálgama emotiva, valendo tudo para formatar o sentido interpretativo que os portugueses têm e devem dar aos materiais políticos que aquelas Comissões servem aos tugas.
Enquanto esta novela mexicana enche os chouriços mediáticos das nossas tvs, rádios e jornais, e o Mário crespo vai à AR dizer que dorme com uma T-shirt bem à medida do seu “mérito” profissional, Portugal dorme, lá fora, povoado de problemas sociais relacionados com o desemprego, a pobreza e as desigualdades sociais entre os portugueses, cuja economia pouco ou nada cresce, nem se moderniza nem desenvolve.
Circunstância macro-económica que só nos deprime mais, sobretudo se pensarmos que estamos cada vez mais distantes dos índices de desenvolvimento dos países que lideram o pelotão da frente desta nossa rica Europa comunitária. Tudo em nome da desinformação...
Nota: Há, contudo, uma grande vantagem no desenvolvimento destas comissões de inquérito e de ética na AR, que não passa duma "caça às bruxas" disfarçada de virtude democrática, apesar do verniz ser de 5ª categoria. E essa vantagem reside na possibilidade de as deputadas estagiárias terem a sua participação e o seu momento de glória mediática na fantochada que alguma Nação alimenta, o que doutro modo jamais aconteceria, ou seja, passariam verdadeiramente anónimas em toda uma legislatura. A vantagem é delas, e não da democracia nem da república, ou seja, do interesse geral.

Etiquetas: , , ,

quarta-feira

Representação política interferida pela manipulação da opinião pública através da opinião publicada. Uma tirania sem tirano

Qualquer observador atento sabe que o fenómeno político nacional comporta duas verdades: o PM em funções é um homem reactivo, determinado, combativo e não vira a cara aqueles que, no seu entender, acha que devem ser criticados; e que o mesmo PM também é, curiosamente, aquele dirigente político que mais vezes vai ao Parlamento prestar contas às oposições e que ganha a maioria dos debates parlamentares, irritando, naturalmente, muita gente. Goste-se ou não de Sócrates os factos são estes, as opiniões cada um tem as que mais lhe convém, e até podem ser ajustadas à ideologia, gosto, afectos e cosmovisão que cada um tem para si a cada momento. Portanto, temos no PM um homem combativo, por um lado, por outro aquele que após a instauração do regime democrático em Portugal, mais vezes vai ao hemiciclo da AR submeter-se à crítica das oposições e fazer o contraditório, como manda a boa tradição da democracia deliberativa.
Isto releva para o debate público em Portugal, para as compitas políticas e para todo o desenvolvimento da retórica que se instaurou em Portugal e que, de certo modo, orienta a relação do cidadão com a sociedade e com o Estado.
Neste quadro, os dirigentes políticos fazem o seu papel: governar e responder políticamente perante o parlamento. Mas já não se passa o mesmo com os media, em particular com alguns jornais semanários pouco recomendáveis e algumas estações de tv que vivem de e para o mexerico.
O mesmo se diga das instâncias judiciais, pois juízes e tribunais e PGR são inteiramente ultrapassados pelo poder fáctico dos media, que vive sabotando o trabalho de campo do PGR e dos tribunais e conta ainda com o apoio ilegal de elementos do aparelho judicial que passam e/ou vendem essa informação aos jornais que as editam sem cuidar de saber se se tratam de verdades ou apenas suspeitas que se encontram em sede judicial. Tudo, portanto, serve para desgastar o poder, e é nisso que certos semanários pouco credíveis estão hoje apostados a fazer, além de ganhar uns euros à conta de leitores crédulos e pouco experientes na filtragem da manipulação de informação. Esses compram gato por lebre.
Esta relação pérfida arrasta consequências nocivas para o sistema político: à medida que o funcionamento das instâncias do espaço público fica mais dependente dos media, os quais, ao mesmo tempo, se organizam em torno de interesses corporativos, a comunicação social - em termos políticos - tende a perder o seu carácter livre e autónomo, passando a exprimir cada vez mais imperfeitamente as dinâmicas da sociedade civil e adquirindo características técnicas e instrumentais indesejáveis para o regular funcionamento das instituições. É como se a pior imprensa do mundo se convertesse no partido político mais radical e indigno.
É toda uma modalidade comunicacional regressiva que alguns media têm acentuado em Portugal, subvertendo as regras do sistema político, condicionando a democracia e o rule of law, e aqui chegados percebe-se que o voto torna-se inútil na medida em que os media violam as regras do direito que os tribunais deveriam salvaguardar; os leitores - com baixa cultura política - comem gato por lebre e têm de ouvir as tramóias de jornalistas e de arquitectos pouco sérios, de tudo resultando um cheque em branco que o "zé povinho" dá aos media para que estes pensem por nós - e pela verdadeira justiça (que é inexistente).
Só nos falta ver o arqº de serviço, animado pela sua cruzada anti-poder, pedir a destituição do PM porque este disse duas asneiras num telefonema de teor privado. Neste sentido, alguma imprensa deseja institucionalizar em Portugal um pequeno big brother, em que nem já um suspiro, um arroto, uma lamúria tem ou poder ter um significado meramente privado e íntimo.
Pelo que a imagem que resulta da comunicação política promovida pelo actual sistema mediático, vincado pelo espartilho das influências do mercado e de grupos neocorporativos ligados aos interesses das empresas de comunicação social, traduz-se num sórdido ataque às instituições democráticas, aos cidadãos eleitores (por via da manipulação da formação da sua vontade) e ao poder legítimo em Portugal, o que deve ser sancionado pelos tribunais deste país, se ainda houver algum estado de direito.
Se nada disto funcionar, o zé povinho fica literalmente entregue à bicharada de alguns jornais pouco dignos, desvanecendo-se irremediavelmente a ideia de que a política é uma actividade nobre e que a formação da vontade do eleitorado já não é uma questão de cada cidadão eleitor, mas uma imposição, indução e manipulação de alguns media pérfidos que, por causa dos seus ódios de estimação, decidem desenvolver uma linha editorial anti-poder, que é, na prática, o que ocorre hoje em Portugal com certos semanários de vãos-de-escada, autores do chamado jornalismo-pitbull.
Naturalmente, neste processo emergem situações de crise que acabam por questionar o próprio princípio da representação democrática, um princípio fundamental da democracia. Ou seja, e retomando uma reflexão de Jurgen Habermas, o véu de ignorância que cai entre o sistema e o mundo da vida deixa que o primeiro desenvolva imperativos de funcionamento independentes dos interesses do segundo, induzindo a uma coexistência de dois níveis autónomos de sociedade. Quando isto ocorre no âmbito da comunicação política, deixa de ser possível mobilizar a normal convicção democrática, bem como a ética da responsabilidade pública que lhe é associada.
E é por causa de abusos de imprensa, como aqueles que certos semanários alimentados por capitais de proveniência anti-democrática desenvolvem, é que os sistemas políticos entram em crise estrutural de legitimidade, e ou são arrasados por escândalos financeiros, sexuais (nas sociedades mais puritanas, como nos EUA) ou ainda porque certos jornalistas, ou grupo deles que se organizam, com o fito de desgastar o poder legítimo em funções no sentido de o fazer cair.
Este deslocamento do centro de gravidade do poder democrático cuja vontade assenta nas decisões dos cidadãos, para o poder do dinheiro e do poder neocorporativo de alguns media, conduz a que o processo político passe a estruturar-se não (já) em função de um programa político, uma ideologia e uma vontade popular que os apoia e vota nas urnas (em consciência e com inteira independência), mas em função duma linha editorial do jornal A, B e C que procura obter apoios e "armas" junto da opinião pública para - a partir daí, gerar uma onda anti-poder capaz de destituir um PM e depor todo um governo.
Em Portugal já campeia alguma imprensa mafiosa que anima as suas linhas editoriais em função dessas motivações e desses esquemas.
De modo que uma das grandes questões que hoje se coloca em Portugal, consiste em saber se alguns media estão em condições desenvolver um papel de consolidação do sistema democrático ou, ao invés, comportam-se como o ladrão de bicicletas que, de súbito, passa a roubar motos, carros de alta cilindrada e depois passa para os diamantes e quer, no fim da linha desse esbulho cumulativo, começar a explorar jazidas petrolíferas. Comprometendo, com essa conduta, o funcionamento da democracia representativa em Portugal, a tal que tem um PM acossado, determinado, rezingão, mas que dá provas semanais no hemiciclo de S. Bento quando se submete ao contraditório das oposições.
Subverter o funcionamento da democracia pluralista em Portugal parece configurar uma solução radical de provocar uma democracia directa, em que Portugal seria governado por algum arquitecto frustrado que um dia queria ser prémio nóbel da literatura, mas que após ser despedido pelo dono do maior jornal semanário português, curiosamente um fundador do psd, passou a dirigir um jornal da concorrência pouco recomendável e alimentado com capitais provenientes de um país africano - que também tem petróleo - mas que não se afirma pelo respeito dos direitos humanos e onde crianças, jovens e velhos morrem que nem tordos nas valetas que fronteiram as luxuosas vivendas dos ministros corruptos que ocuparam o aparelho de Estado e o aparelho militar em Angola - e que daí olham para a antiga metrópole (de um império que já não há) julgando-se com o direito de querer destituir o poder político legítimo em Portugal - por via editorial dirigido por um arquitecto frustrado.
Se formos mais longe na análise, ainda somos forçados a concluir, ensandecidos pelas vantagens do ouro negro e dos diamantes, que tudo isto resulta duma vingança da "estória" e do recalcamento colonial, em que a antiga colónia deseja ardentemente vingar-se da exploração que o império - sedeado em Lisboa - fez com todo aquele continente esquecido, e para esse efeito os novos colonialistas escolheram um testa-de-ferro medíocre e ressentido capaz de implementar esse macabro plano de abate a um poder legítimo por via editorial.
Vingando-se, por extensão, do principal semanário da concorrência cujo fundador do PSD - hoje fragmentado - o despediu em tempos. Em rigor, trata-se, portanto, dum duplo ressentimento: um para com Balsemão, outro para com Sócrates, pelo que é natural que a tentativa de vingança também comporte uma dupla componente.

Etiquetas: , , , ,