Representação política interferida pela manipulação da opinião pública através da opinião publicada. Uma tirania sem tirano
Qualquer observador atento sabe que o fenómeno político nacional comporta duas verdades: o PM em funções é um homem reactivo, determinado, combativo e não vira a cara aqueles que, no seu entender, acha que devem ser criticados; e que o mesmo PM também é, curiosamente, aquele dirigente político que mais vezes vai ao Parlamento prestar contas às oposições e que ganha a maioria dos debates parlamentares, irritando, naturalmente, muita gente. Goste-se ou não de Sócrates os factos são estes, as opiniões cada um tem as que mais lhe convém, e até podem ser ajustadas à ideologia, gosto, afectos e cosmovisão que cada um tem para si a cada momento. Portanto, temos no PM um homem combativo, por um lado, por outro aquele que após a instauração do regime democrático em Portugal, mais vezes vai ao hemiciclo da AR submeter-se à crítica das oposições e fazer o contraditório, como manda a boa tradição da democracia deliberativa.
Isto releva para o debate público em Portugal, para as compitas políticas e para todo o desenvolvimento da retórica que se instaurou em Portugal e que, de certo modo, orienta a relação do cidadão com a sociedade e com o Estado.
Neste quadro, os dirigentes políticos fazem o seu papel: governar e responder políticamente perante o parlamento. Mas já não se passa o mesmo com os media, em particular com alguns jornais semanários pouco recomendáveis e algumas estações de tv que vivem de e para o mexerico. O mesmo se diga das instâncias judiciais, pois juízes e tribunais e PGR são inteiramente ultrapassados pelo poder fáctico dos media, que vive sabotando o trabalho de campo do PGR e dos tribunais e conta ainda com o apoio ilegal de elementos do aparelho judicial que passam e/ou vendem essa informação aos jornais que as editam sem cuidar de saber se se tratam de verdades ou apenas suspeitas que se encontram em sede judicial. Tudo, portanto, serve para desgastar o poder, e é nisso que certos semanários pouco credíveis estão hoje apostados a fazer, além de ganhar uns euros à conta de leitores crédulos e pouco experientes na filtragem da manipulação de informação. Esses compram gato por lebre.
Esta relação pérfida arrasta consequências nocivas para o sistema político: à medida que o funcionamento das instâncias do espaço público fica mais dependente dos media, os quais, ao mesmo tempo, se organizam em torno de interesses corporativos, a comunicação social - em termos políticos - tende a perder o seu carácter livre e autónomo, passando a exprimir cada vez mais imperfeitamente as dinâmicas da sociedade civil e adquirindo características técnicas e instrumentais indesejáveis para o regular funcionamento das instituições. É como se a pior imprensa do mundo se convertesse no partido político mais radical e indigno.
É toda uma modalidade comunicacional regressiva que alguns media têm acentuado em Portugal, subvertendo as regras do sistema político, condicionando a democracia e o rule of law, e aqui chegados percebe-se que o voto torna-se inútil na medida em que os media violam as regras do direito que os tribunais deveriam salvaguardar; os leitores - com baixa cultura política - comem gato por lebre e têm de ouvir as tramóias de jornalistas e de arquitectos pouco sérios, de tudo resultando um cheque em branco que o "zé povinho" dá aos media para que estes pensem por nós - e pela verdadeira justiça (que é inexistente). Só nos falta ver o arqº de serviço, animado pela sua cruzada anti-poder, pedir a destituição do PM porque este disse duas asneiras num telefonema de teor privado. Neste sentido, alguma imprensa deseja institucionalizar em Portugal um pequeno big brother, em que nem já um suspiro, um arroto, uma lamúria tem ou poder ter um significado meramente privado e íntimo.
Pelo que a imagem que resulta da comunicação política promovida pelo actual sistema mediático, vincado pelo espartilho das influências do mercado e de grupos neocorporativos ligados aos interesses das empresas de comunicação social, traduz-se num sórdido ataque às instituições democráticas, aos cidadãos eleitores (por via da manipulação da formação da sua vontade) e ao poder legítimo em Portugal, o que deve ser sancionado pelos tribunais deste país, se ainda houver algum estado de direito.
Se nada disto funcionar, o zé povinho fica literalmente entregue à bicharada de alguns jornais pouco dignos, desvanecendo-se irremediavelmente a ideia de que a política é uma actividade nobre e que a formação da vontade do eleitorado já não é uma questão de cada cidadão eleitor, mas uma imposição, indução e manipulação de alguns media pérfidos que, por causa dos seus ódios de estimação, decidem desenvolver uma linha editorial anti-poder, que é, na prática, o que ocorre hoje em Portugal com certos semanários de vãos-de-escada, autores do chamado jornalismo-pitbull.
Naturalmente, neste processo emergem situações de crise que acabam por questionar o próprio princípio da representação democrática, um princípio fundamental da democracia. Ou seja, e retomando uma reflexão de Jurgen Habermas, o véu de ignorância que cai entre o sistema e o mundo da vida deixa que o primeiro desenvolva imperativos de funcionamento independentes dos interesses do segundo, induzindo a uma coexistência de dois níveis autónomos de sociedade. Quando isto ocorre no âmbito da comunicação política, deixa de ser possível mobilizar a normal convicção democrática, bem como a ética da responsabilidade pública que lhe é associada.
E é por causa de abusos de imprensa, como aqueles que certos semanários alimentados por capitais de proveniência anti-democrática desenvolvem, é que os sistemas políticos entram em crise estrutural de legitimidade, e ou são arrasados por escândalos financeiros, sexuais (nas sociedades mais puritanas, como nos EUA) ou ainda porque certos jornalistas, ou grupo deles que se organizam, com o fito de desgastar o poder legítimo em funções no sentido de o fazer cair.
Este deslocamento do centro de gravidade do poder democrático cuja vontade assenta nas decisões dos cidadãos, para o poder do dinheiro e do poder neocorporativo de alguns media, conduz a que o processo político passe a estruturar-se não (já) em função de um programa político, uma ideologia e uma vontade popular que os apoia e vota nas urnas (em consciência e com inteira independência), mas em função duma linha editorial do jornal A, B e C que procura obter apoios e "armas" junto da opinião pública para - a partir daí, gerar uma onda anti-poder capaz de destituir um PM e depor todo um governo. Em Portugal já campeia alguma imprensa mafiosa que anima as suas linhas editoriais em função dessas motivações e desses esquemas.
De modo que uma das grandes questões que hoje se coloca em Portugal, consiste em saber se alguns media estão em condições desenvolver um papel de consolidação do sistema democrático ou, ao invés, comportam-se como o ladrão de bicicletas que, de súbito, passa a roubar motos, carros de alta cilindrada e depois passa para os diamantes e quer, no fim da linha desse esbulho cumulativo, começar a explorar jazidas petrolíferas. Comprometendo, com essa conduta, o funcionamento da democracia representativa em Portugal, a tal que tem um PM acossado, determinado, rezingão, mas que dá provas semanais no hemiciclo de S. Bento quando se submete ao contraditório das oposições. Subverter o funcionamento da democracia pluralista em Portugal parece configurar uma solução radical de provocar uma democracia directa, em que Portugal seria governado por algum arquitecto frustrado que um dia queria ser prémio nóbel da literatura, mas que após ser despedido pelo dono do maior jornal semanário português, curiosamente um fundador do psd, passou a dirigir um jornal da concorrência pouco recomendável e alimentado com capitais provenientes de um país africano - que também tem petróleo - mas que não se afirma pelo respeito dos direitos humanos e onde crianças, jovens e velhos morrem que nem tordos nas valetas que fronteiram as luxuosas vivendas dos ministros corruptos que ocuparam o aparelho de Estado e o aparelho militar em Angola - e que daí olham para a antiga metrópole (de um império que já não há) julgando-se com o direito de querer destituir o poder político legítimo em Portugal - por via editorial dirigido por um arquitecto frustrado. Se formos mais longe na análise, ainda somos forçados a concluir, ensandecidos pelas vantagens do ouro negro e dos diamantes, que tudo isto resulta duma vingança da "estória" e do recalcamento colonial, em que a antiga colónia deseja ardentemente vingar-se da exploração que o império - sedeado em Lisboa - fez com todo aquele continente esquecido, e para esse efeito os novos colonialistas escolheram um testa-de-ferro medíocre e ressentido capaz de implementar esse macabro plano de abate a um poder legítimo por via editorial. Vingando-se, por extensão, do principal semanário da concorrência cujo fundador do PSD - hoje fragmentado - o despediu em tempos. Em rigor, trata-se, portanto, dum duplo ressentimento: um para com Balsemão, outro para com Sócrates, pelo que é natural que a tentativa de vingança também comporte uma dupla componente.
Etiquetas: Democracia representativa, Estado, imprensa, media, sociedade
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