Mudança sem controlo na Europa. Semântica em trânsito
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Mudança sem controlo na Europa. Semântica em trânsito
- A Europa entrou mal no III milénio. Durante 50 anos os factores de hegemonia radicaram na arma nuclear, que colocou novas condições ao exercício do poder militar, factor hegemónico durante toda a história mundial (da Guerra Fria). Depois foi a implosão da União Soviética, hoje lembrada como um efeito de ilustração em BD em que os bonecos revelam as mudanças estratégicas.
- Paralelamente, a Europa também se desagrega na sua textura política, sobretudo após o NÂO da França e da Holanda ao novo Tratado Constitucional. Questionando todos os investimentos feitos no passado, todas as linhas de orientação e de mobilização dos recursos humanos e financeiros. Tudo parece perder razão de ser, uma vez que as promessas sociais que foram garantidas já não podem hoje ser respeitadas. As consequências são catastróficas, e a sociedade é obrigada a reconhecer que a estrutura política europeia do passado é velha, mas também se desconhece a estrutura do futuro: o velho não morre e o novo não emerge. É uma Europa projectada sem plano nem autor.
- Eis o impasse: mudaram as condições de exercício do poder quando o factor de hegemonia passa a ser a hiper-mobilidade dos factores produtivos para obtenção das melhores remunerações e normas de competitividade. Relegando para 2º plano o valor da identidade nacional, que era um factor estruturante da formação e do exercício do poder estatal. Ex.: ao patriotismo do sr. Durão sucedeu-se o cosmopolitismo dos seus noveis amigos bilionários que não ajudam a Europa a crescer, e onde são mais intensas essas identidades nacionais também são mais fortes as resistências às mudanças impostas pela globalização, aqui identificada pela hipermobilidade dos factores de saber e de poder.
- Na prática, o poder deixa de ser garantista e distributivista para passar a ser estratégico e competitivo. Todavia, não se pode fazer essa transição, justamente porque as expectativas sociais continuam centradas no garantismo e no distributivismo. Mesmo quando os agentes do poder político o reconhecem.
- Alguns ex.: quantas vezes a palavra “banco” aparece no novo tratado de constituição? 176; a palavra “mercado” 78; “concorrência” 174; “progresso social” 3 vezes apenas. E a palavra “fraternidade”? zero; ao invés, os conceitos “livre concorrência” e “livre empresa” são sacralizados. “Serviço público” é substituído por “serviços económicos de interesse geral”. O “direito ao trabalho” e “rendimento mínimo” são maltratados. Em matéria de segurança e defesa a referência europeia também não se centra, como seria suposto, no enzima de um exército único europeu, mas filia-se na NATO e ao alinhamento à máquina de guerra da República Imperial (Aron). A “inflação” sobreleva ao “desemprego”. E o Banco Central Europeu também não tem freio (nem do PE nem da Comissão). É esta anomia política que culmina na anarquia – que leva o sr. Durão a falar no plano “D” (debate e diálogo).
- Eis o estatuto ambíguo da Europa no séc. XXI. Agravado com as incompatibilidades das suas orientações ideológicas com a evolução das sociedades. No plano cultural, é dominante a ideia de que a evolução das sociedades é controlada por uma racionalidade política; no plano tecnológico e económico, ao invés, são sinalizadas mudanças sem controlo, comandadas por processos cíclicos desencadeados por efeitos imprevistos e não intencionais que alteram os padrões estratégicos estabelecidos.
- Eis o contraste entre as promessas de um futuro de progresso continuado, e a evolução caótica e descontrolada da economia e da sociedade. De facto, saímos do séc. XX com as tragédias do Holocausto nazi e do Gulag soviético, descontando o peso das construções ideológicas nesses contextos (é útil ler O Último Príncipe de Fernando Dacosta, Visão nº 641). Todavia, se essas foram as grandes tragédias do passado são elas que revelam hoje o gap entre os valores culturais e as realidades políticas, dado o extraordinário aumento das desigualdades entre (e dentro) das sociedades, apesar de ser dominante o discurso da igualdade. Neste caso, de Europa falhada, explicada pela semântica em trânsito, a superioridade dos mais competitivos é, por natura, uma aposta na desigualdade. E nem sempre a capacidade competitiva anda associada à possibilidade de obtenção de rendimentos crescentes.
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