Macro de grande, skopein de observar: observar o infinitamente grande e complexo. Tentar perceber por que razão a ave vive fascinada pela serpente que a paralisa e, afinal, faz dela a sua presa.
terça-feira
Uma família de vacas.. Gente Feliz com Lágrimas
Reflexão dedicada a todas as pessoas que já deixaram de ser pessoas. São as pessoas-vacas.
Isto é uma família de vacas. Só que são uma categoria nova de vacas geradas pela economia e pela sociedade do nosso tempo: as vacas-pessoas. Hoje há mihões delas mundo fora...
A actual globalização, já banalizada mas de difícil apreensão, generaliza, universaliza e torna iguais para todas as pessoas, empresas, sociedades, Estados e regiões as condições de viabilidade e de sustentabilidade, já que permite e promove a comparação directa das competitividades entre aquelas diversas categorias.
Assim, em lugar das tradicionais diferenciações através das cores das bandeiras e do traçado (sempre móvel) das fronteiras e da nacionalização das normas políticas, jurídicas e administrativas, passa a haver uma comparação directa entre os diversos centros competitivos. Sendo certo que as novas desigualdades, aferidoras das condições globais de desenvolvimento, se estabelecem entre centros competitivos e já não entre capitais administrativas. O abandono predatório da multinacional inglesa do sector do calçado – C. J. Clark - de Castelo de Paiva, representa um frustrante sinal dessa triste e dramática realidade. Depois dessa mais de uma dezenas de multinacionais lhe seguiram o rasto. todas em busca do mesmo: obtenção de melhores factores de remuneração e de lucro fácil e mais rápido.
Mais do que uma realidade diferente, trata-se de um processo radicalmente novo, (genericamente apelidado de globalização), que não tem comparação com o modo como se formaram e garantiram os apoios sociais tradicionais e, ao mesmo tempo, se fizeram os contratos políticos entre as populações e os Estados nacionais.
Nestas novas condições estratégicas, sem paralelo com as do passado, ganha particular relevância um outro vector perturbador da conjuntura. Esse processo de mudança acelerado remete para a alteração das tendências demográficas nas sociedades desenvolvidas, com particular enfoque para os países da Europa (que agora se vai alargar) permitindo uma maior extensão e comparação directa dos centros de racionalidade económica e de decisão estratégica.
Isto significa que o envelhecimento demográfico traduz uma perda de vitalidade global das sociedades e das economias e até das elites políticas, provocando implicações graves ao nível da circulação de capitais (já que as sociedades envelhecidas são pouco atractivas para os fluxos de capitais) e na geração de capitais dentro dessas sociedades, na medida em que as reformas e pensões são poderosas consumidoras de capitais acumulados e não acumuladoras de novos capitais. Neste caso o dinheiro pode ser comparado a uma pasta dentífrica: sai com facilidade mas custa a entrar..
Por outro lado, esta tendência para o envelhecimento demográfico das sociedades avançadas pode conter um efeito paradoxal. Já que terá sido a eficácia dos sistemas de segurança social que terá desvalorizado o papel dos filhos e do núcleo da família como factores fundamentais de garantia e protecção na velhice. Pois é o Estado, através de normas e dispositivos que controla, quem garante individualmente a protecção dos idosos em contexto de dependência. Neste sentido, também diminuem os descontos para os fundos de pensões e de reformas comparativamente ao que era antes o rendimento do agregado familiar que servia de suporte para a acumulação privada de capital tendo em vista a segurança com o risco na velhice.
São, pois, estes dois processos - envelhecimento demográfico nas sociedades desenvolvidas e perda progressiva dos poderes tradicionais do Estado nacional, que vão interrelacionar-se de forma dramática e imprevista nos próximos tempos.
O drama que esta realidade representa só encontra algum contraponto em piadas que actualmente circulam na Net e que com ironia ajudam a clarificar algumas medidas do governo que aqui sumariamente damos conta: a) o aumento do IVA é positivo porque a população portuguesa estava a engordar substancialmente; b) a redução do poder de compra leva a uma dieta globalizada, contribuindo para o bem estar de todos; c) o fim do crédito bonificado é uma medida positiva, porque os jovens vão passar a pensar com mais calma no casamento, esse passo tão importante que muitas vezes acaba em divórcio e com os filhos a chorar; d) o aumento da gasolina é positivo, já que diminui a frequência dos passeios de carro, contribuindo para um ambiente mais saudável e, consequentemente, para uma redução da taxa de sinistralidade nas mortíferas estradas nacionais; e) o serviço público de saúde leva-nos cada vez mais ao auto-tratamento e auto-medicação, contribuindo para a cultura do país em termos de farmacologia e dispensa dos serviços médicos; f) temos, por outro lado, auto-estradas com portagens elevadas, contribuindo para o aumento do trânsito nas estradas nacionais (e secundárias) fomentando a difícil sobrevivência dos restaurantes e cafés de beira de estrada; g) a diminuição do n.º de funcionários públicos leva a que em cada instituição os funcionários possam trabalhar mais à larga, conversem menos de modo a que um funcionário passe a desenvolver o trabalho de três; h) a má figura no mundial de futebol é positiva (apesar das tentativas frustradas de impor por decreto a ética no sector) na medida em que temos a possibilidade de dar a conhecer ao mundo (mal ou bem, não interessa), que somos um país e não uma província espanhola.
Com estas medidas, seremos muito em breve, um país de gente elegante, com um bom planeamento familiar, sem poluição, sem sobrecarga dos serviços de saúde, com um serviço público eficaz e seremos finalmente independentes aos olhos do mundo, tal como Timor..
A propósito, passarão a ser emitidas pelo único canal público de televisão, todas as séries de humor constantes na tabela de programação do canal 2. O resto da grelha, como é do conhecimento de todos, não interessa a ninguém. Assim, todos os desempregados poderão ocupar o seu precioso tempo à frente de um televisor a assistir a um canal onde lhes será prestado um excelente serviço público de televisão.
Seremos tudo isto, mas idosos. E o mais grave é que tudo isto acontece justamente quando o Estado perde a sua (clássica) capacidade para artificializar as condições de viabilidade e de sustentabilidade das actividades e relações sociais domésticas que será chamado a honrar perante compromissos assumidos com os dispositivos de segurança social que foram concebidos no quadro duma estrutura demográfica muito diferente da que existe hoje nas sociedades (ditas) avançadas.
É, em suma, na mutação destes processos – políticos e demográficos – que os novos desafios se colocam aos decisores. É também da sua articulação que estas realidades podem ser comparadas com o que aconteceu durante as primeiras fases da globalização, i.é, na época da gesta das Descobertas (em que não temíamos o risco e desenhávamos linhas nos mapas de água) e na fase posterior do fenómeno que coincidiu com a 2ª metade do séc. XIX e se intensificou nas últimas décadas do séc. XX findo.
Então parecia que as pessoas arranjavam emprego, não se endividavam tanto para comparar casa, matavam-se menos umas às outras e casavam-se mais cedo e aí permaneciam durante uma eternidade, e até tinham (mais) filhos. Seria por causa disso que pareciam mais felizes? Ou será que estamos hoje apostados a fazer como João de Melo? A criar Gente Feliz com Lágrimas!?
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