quarta-feira

Trinimigo - Um ano depois de Atocha...

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Tri-ni-migo
  • Oportunamente referimo-nos à mentalidade filo-terrorista a que o quarteto da desgraça (bárbaros, fanáticos, piratas e profetas) recorre para potenciar os chamados sistemas da morte. Fazendo disso o seu modo de vida na nova relação de amigo-inimigo para interromper os fluxos de poder político e económico do Ocidente alicerçados na modernização via globalização competitiva.
  • Esta consideração política, sinalizada um ano após a tragédia de Atocha, em Espanha (com 200 mortos e 2000 feridos), recentra a problemática na luta anti-terrorista, que terá de ser, pela natureza das coisas, uma guerra oculta, subterrânea e suja, como afirmava Sarsfield Cabral no DN. Tal a preocupação que levou o PM, J. Sócrates, a enviar uma carta a Zapatero, demonstrando-lhe solidariedade conjunta num flagelo que é global. Supondo que a construção do futuro implica convergência na desgraça, levando até o PR a homenagear as vítimas em Madrid.
  • Uma das consequências desse esforço conjunto no combate ao terrorismo em rede (transfronteiriço), resultou na diminuição dos ataques da Al Qaeda mundo fora: interceptando as linhas de comunicação entre a cabeça da hidra e as suas células regionais, escrutinando os seus financiamentos, apertando o controlo diplomático, intensificando a vigilância civil e militar em termos de intelligence e limitando o espaço de manobra aos Estados-santuário que, directa ou indirectamente, apoiam o terrorismo.
  • É este conjunto múltiplo e simultâneo de medidas que previne novos atentados (EUA, Madrid, Bali, Arábia Saudita, Iraque, Turquia, Índia, Quénia) desvitalizando a cabeça da rede e a acção mortífera do fanatismo de certo mundo islâmico (que rejeita a modernização). Ceifando a vida de inocentes, matando a liberdade.
  • Contudo, a tragédia de Atocha a 11-M., mais do que o 11 de Setembro no outro lado do Atlântico, além de dinamizar a Conferência (anti-terrorista) de Madrid, decorreu sob o signo duma novidade estratégica: tais acontecimentos passaram a ter reflexos directos nas sociedades europeias, condicionando os seus hábitos e expectativas sociais, telecomandando até o sentido de voto e posicionamento dos partidos políticos (que beneficiou Zapatero em Espanha) modelando, cumulativamente, as doutrinas de segurança e defesa no teatro estratégico emergente. I.é, já não são apenas os EUA os alvos dos atentados, mas também os europeus, que viram aí o pretexto para realizar a reformulação das suas concepções sobre a dinâmica do sistema de relações internacionais.
  • Desde a Guerra-Fria os europeus estão dispostos a negociar mas não a combater, dado que a sua concepção de vida não justifica um confronto onde a morte seja uma possibilidade real. Hoje, a Europa sabe que o combate ao terrorismo implica não só o risco de morrer, mas também o desvio de recursos para o financiamento de forças armadas e de espionagem necessários à salvaguarda do modelo político e social europeu.
  • Ademais, a circunstância de já não existir inimigo tradicional (vigente ao tempo da Guerra Fria, tão bem estudada pelo cronista da conjuntura que agora assinala o seu centenário - Raymond Aron), revelaria, à partida, que também já não existiriam razões ou pretextos para que os poderes no Velho Continente (e até extra-europeus) aspirassem a conquistar novos territórrios entre si.
  • Sucede, porém, que o enterro da Guerra Fria, que ainda hoje apresenta sequelas, não impediu a emergência de grupos erráticos, terroristas que operam em rede com escassa tecnologia mas falando em tempo real para o mundo inteiro: acordando células adormecidas ou parcialmente desactivadas, - que estão determinados a morrer para perturbar e questionar o velho Euromundo - qual poderoso Ocidente que definiu a riqueza e a pobreza no mundo, os ritmos de desenvolvimento e de subdesenvolvimento na esfera da globalidade contemporânea. Ou seja, o conceito de inimigo continua válido, activo e muito operacional. E hoje, porque Espanha pertence à Europa, e é já ali ao dobrar da esquina, as sociedades europeias já não podem negar a existência do terrorismo. Por isso, a sua atitude passiva, de não combater ou de delegar essa tarefa de segurança e defesa ao guarda-chuva norte-americano, é um risco insustentável.
  • Resultado: a Europa pós 11 de S-M confronta-se com um triplo inimigo, que actualiza a velha fórmula de Carl Scmitt (aprofundada por J. Freund), segundo a qual a função da Política seria a de apoiar os amigos e combater os inimigos, numa oposição existencial vertida na fórmula: vita mea, mort tua.
  • O 1º inimigo é doméstico e é parte integrante do sistema. Ex., os militares querem sempre mais equipamentos e, ao mesmo tempo, crescimento económico, o que é insustentável; o 2º inimigo é integrado e resulta dos fluxos migratórios que deslocam para o interior das sociedades europeias elementos culturais diferentes, sedentos dos benefícios de prosperidade prometidos pelo modelo social europeu; e o 3º inimigo, mais grave, integra os ressentidos, formado por aqueles que não conseguindo copiar os resultados económicos, sociais e militares do Ocidente o tentam destruir através de acções terroristas, explorando operações espectaculares desencadeadas em vários pontos do planeta, de forma oculta, catastrófica e suicidária que já não tem por finalidade a conquista dos territórios mas sim a destruição das condições de continuidade dos processos de modernização no Velho Continente.
  • O facto de hoje já não existir inimigo externo faz com que esta guerra se assemelhe ao combate do cão que quer matar a carraça e morder a pulga, só não sabe como…