Macro de grande, skopein de observar: observar o infinitamente grande e complexo. Tentar perceber por que razão a ave vive fascinada pela serpente que a paralisa e, afinal, faz dela a sua presa.
sexta-feira
O estranho caso de Luís Delgado - por - Eduardo Prado Coelho o fio do horizonte (e o caso da Estátua da Liberdade mal municiada...- digo eu)
É mais um cronista e um administrador de jornalistas do que um jornalista propriamente dito. Nunca o vi fazer uma reportagem ou uma entrevista. Começou a ganhar alguma presença com uma coluna no Diário de Notícias correspondendo ao ponto de vista da direita mais convictamente liberal. Era, e é, uma coluna previsível.
Luís Delgado aparece como um defensor da mais conservadora (no sentido amplo do termo) doutrina americana. Em determinada altura, assumia as funções de porta-voz, e, quando Bush começa a exercer o poder, escreve como se tivesse recolhido as suas confidências da véspera. Fala como se estivesse no segredo dos deuses - mas que deuses! Conhece números que só ele conhece.
De repente, deu-se uma metamorfose. Onde havia um discreto comentador, capaz de falar sobre as eleições americanas mas também sobre o euro, onde havia um ponto de vista que se cruzava com muitos outros, surge um potentado da imprensa portuguesa, com o mundo a seus pés. Ele é Lusa, grupos de imprensa, projectos de aquisição, retratos na comunicação social. O resultado foi um processo de comentarite aguda.
A gente acordava, ligava o rádio e lá estava Luís Delgado. A gente comprava o jornal e lá tinha a crónica de Luís Delgado. A gente ouvia um debate ao fim da tarde, e lá tínhamos, incansável e insone, a voz de Luís Delgado. A gente esperava um confronto no noticiário na televisão e Luís Delgado já tinha chegado. A gente adormecia, exausta, com a voz incessante de Luís Delgado, certa de que no dia seguinte lá teríamos a presença de Luís Delgado.
Este homem não dorme, não descansa, não faz uma sesta, não vai a um cinema? Aparentemente, não. Indómito samurai da imprensa portuguesa, cultiva o ascetismo: é uma espécie de monge da palavra escrita e da administração de empresas. Como se os seus deuses tutelares estivessem sempre do lado de lá do telemóvel a enviar mensagens que são ordens: agora diga isto, agora digo aquilo. Na inequívoca "direitização" dos comentadores portugueses, em que Mário Bettencourt Resendes aparece como um homem de extrema-esquerda, um radical da política, Luís Delgado era o centro, a luz da evidência, o lugar de equilíbrio, o alfa e o ómega. Tudo isto ganhou o seu máximo esplendor nos tempos de Santana Lopes, embora já tivesse começado com a direita de Durão Barroso.
Na noite eleitoral, nesse estendal de desastres em torno de Santana Lopes, Luís Delgado ainda tentou dizer que as primeiras freguesias eram dos pardais, mas que depois é que íamos ver. Vimos, e ele próprio viu. Tivemos, mais tarde, um momento de extrema densidade dramática. Luís Delgado despiu a máscara que ele parece supor ser do comentarista neutro, e disse que ia falar do amigo, o Pedro. Porque o Pedro era uma vítima. E então veio a grande tese: era uma vítima de quem? De Durão Barroso, que tinha mentido ao Pedro e ao país. Sentimos a voz embargada pela emoção e tivemos direito em voz e em escrita a uma espantosa condenação daquele que tinha, num momento de precipitação, feito de Santana Lopes o nosso primeiro-ministro.
Nos últimos dias, sentimos a tristeza de Luís Delgado. Teve o seu quarto de hora de glória, parece estar a amarelecer. Já não aparece, já não comenta, já não tem música na voz. Vai-nos fazer muita falta.
Eduardo Prado Coelho é Professor universitário
Nota: como nós ainda temos uns jornalistas, analistas e comentadores credíveis, sérios, competentes e cultos (que não se vendem ao capital da Estátua da Liberdade que a França deu à América) - desejaria saber o que pensam da prestação funcional do Sr. Delgado - homens como Vasco Pulido Valente, Francisco Sarsfield Cabral, Cáceres Monteiro, José António Saraiva, António José Teixeira, Marcelo Rebelo de Sousa, Miguel Sousa Tavares e mais um ou outro comentador credenciado da nossa praça. Há quem diga que as pessoas falam, falam - numa repetição do linguajar das sopeiras que vinham do Norte na década de 60 servir para as casas da classe média alta na Capital -, mas hoje, ao invés, parece que as pessoas, por medo, receio ou qualquer outra limitação - têm medo de falar e de chamar as coisas pelos nomes. Eduardo Prado Coelho - teve a coragem e o mérito - sem ser ofensivo - de dizer o que provavelmente pensam 98% dos portugueses. Os outros 2% que pensam diferente vertem-se na dupla (desfeita) de Paulinho das feiras e Santana Lopes - o homem dos submarinos e o homem dos buracos de Lisboa - que é o maior ingénuo da política à portuguesa.
Por vezes interrogo-me sobre a vergonha que Francisco Sá Carneiro teria caso pudesse voltar para assistir a todo este ambiente trágico-"cómicÚ"... Nem que fosse por 5 min., no intervalo dos discursos da referida dupla.
Portugal, de facto, precisa tanto de "jornalistas" tendenciosos, sectários, facciosos - vindo a público fazer demonstrações de carinho, lealdade - qui ça - para pagar favores que o País conhece - como de um aumento de impostos. Assim, confesso, o valor da Estátua da liberdade (e do bom jornalismo de ideias) fica mal municiado e também não cola bem na fotografia.
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