Raymon Aron - o grande mestre e pedagogo do séc. XX. Cem anos a acertar e, como o rei Midas...
- Aron de perfil, Aron de frente, mas o melhor mesmo é ler os seus livros, para compreender Aron em toda a sua profundidade tridimensional...
- Transformava numa teoria perfeita, acabada - um pouco como nos romances de Eça, tudo aquilo que pensava. Nem mais nem menos. Tudo quanto dizia respeito ao homem estava lá...
- Na década de 60 - quando Nikita batia com o sapato no microfone do pulpito onde discursava - na ONU - Aron publicara duas traves mestras do seu pensamento. Fê-lo sem copiar os autores anglo-saxónicos, indo beber tudo aos clássicos. Em 1962 publica uma obra de cariz sociológico, Dezoito Lições sobre a Sociedade Industrial; depois segui-se o seu clássico monumento sobre as relações internacionais, Paz e Guerra entre as Nações, pela Calmann-Lévy. Depois vieram obras menores, mas igualmente originais e cheios de vitalidade: (1964), A Luta de Classes (1964), Democracia e Totalitarismo (1965), As Etapas
- do Pensamento Sociológico (1967), República Imperial. Os Estados Unidos no Mundo (1973, em ediçãao brasileira), Pensar a Guerra, Clausewitz (1976), Defesa da Europa Decadente (1977), por fim, no ano da sua morte, o volumoso - Memórias (em 1983). Atravessou indiferente o Maio 68, a que dedicou um livro, A Revolução Inincontrável (1968). Morreu sem saber das intenções de Gorby e pouco antes da perestroika. Embora conhecesse bem a natureza do regime soviético, que mudara com o homem que tinha o mapa na cabeça e depois foi engolido pela revolução oportunista do Sr. Yeltsin, muito amigo do Vodka sem laranja, porque no Leste faz muito frio... Já velho, talvez não tenha a noção dos ventos da história, por isso talvez não tenha percebido o momento do grau de declínio do império soviético. Mas ninguém tinha. A queda do Muro de Berlim tê-lo-ia surpreendido, como surpreendeu o mundo inteiro! Revelando que a política é mais uma arte do que uma ciência exacta impossível de medir pelo péklise do Sr. Crato. Quando se reencontraram - os dois colegas - desavindos - Sartre e Aron - esquerda e direita - resolveram por de lado o orgulho intelectual e ambos, em 1979, lançaram uma campanha em favor dos boat people, reclamando "Um barco para o Vietname". Simbólicamente, era "a vitória de Aron por KO", como escrevera então o L"Express.
- Aron foi um intelectual, nos termos em que ele próprio o definiu. "O intelectual que dá valor à organização razoável da Polis, não se contentará em desferir os golpes, em pôr a assinatura por baixo de todos os manifestos contra todas as injustiças. Comprometeu-se, empenhou-se, foi solidário e fraterno ao invés doutros restolhos que, em Portugal, sentados à manjedoura do Estado (manipulando o sector da educação superior) o querem imitar, copiando os trabalhos, seguindo as pisadas mas... sem sucesso.
- Enquanto em França se discutiam ideias, se criavam novas teorias, se abriam pistas de investigação que frutificaram noutros, em Portugal - alguns patriarcas das Relações Internacionais -, caquéticos e repetitivos, com as mãos cheias de sangue manchadas ao tempo da guerra das colónias, citando sempre os mesmos "chardins", os mesmos papas, escondendo as verdadeiras fontes das "anarquias maduras" donde copiam os conceitos (aprefilhando-os automáticamente, como se de filhos varões se tratassem), perseguem discípulos, cortam financiamentos às escolas que viram crescer, despedem pessoas, matam esperanças, eencerram-se em gabinetes devolutos com a chapa de matrícula à entrada - para continuar a infundir medo, enfim, enquanto em França intelectuais do Calibre de Aron (e outros) eram verdadeiros democratas - em Portugal a transição para a democracia fazia-se suavemente, guardando esses (restolhos) hoje os tiques e os métodos salazarengos do Restelo, donde se avista o rio Tejo - mas cujo horizonte mostra pouco zenite.
- Defendeu o primado do político, como neomaquiavélico deu maior relevância aos factores psico-políticos, secundarizando os factores económicos na racionalização dos grandes processos. Para ele mais importante do que a propriedade estava o próprio poder, ao invés da tese marxista - para a qual a classe dominante é composta necessáriamente por grandes senhores proprietários, donos dos chamados factores de produção.
- Com isto desmontou o poderoso edifício marxista, demonstrando que era a teoria maquavélica que tinha razão, já que por toda a parte, era sempre uma minoria de pessoas que acabavam por dominar os fluxos do poder, nem sempre as mais ricas. Ora esta teoria neomaqquiavélica aplicava-se admiravelmente bem ao esquema soviético (marxista), que tomoara o poder através duma minoria liderada por Lenine - que não era, como se sabe, nem detentora dos meiso de produção nem representativa das grandes multidões, nem exprimia o sentir da classe socialmente dominante, mas que havia sido capaz de organizar férreamente o partido, um pouco como hoje vemos nos jotinhas partidários em vista a angariarem empregos, apoderando-se, de seguida, do aparelho do Estado.
- Por isso, Aron era tão odiado à esquerda: desmontou admiravelmente o esquema marxista, um pouco como fez ax Weber - de quem era discípulo - meio século antes.
- Portanto, Aron concedeu como ninguém, autonomia e personalidade à categoria do político relativamente às condicionantes da infra-estrutura económica.
- Por outro lado, percebeu a convergência das sociedades ocidental e soviética...Ambas caminhavam para um modelo de sociedade industrial progressiva, convergindo mais do que divergindo, com excepção apenas de um vector que as distinguia: a organização política . Enquanto o Ocidente era livre, pluralista e democrático o Leste - telecomandado pela então URSS era centralizada, totalitária e sanguinária - que resolvia as suas diferenças intelectuais por recurso aos Gulags corajosa e admiravelmente contados por Soljenitzine...
- É impossível sintetizar o legado de Aron, disperso pelos clássicos contemporâneos, cada livro seu era uma síntese da conjuntura, uma imagem fiel da realidade, um traço intemporal da própria condição humana, uma vez que os seus mestres foram T. Hobbes, Maquiavel, Montesquieu, Tocqueville, Weber, Morgenthau - e, mais recentemente, foi o próprio até o próprio Henry Albert Kissinger, também um teórico das relaçaões internacionais, quem disse o seguinte de Aron: foi o teórico que mais me influenciou. Escutava-o com toda a atenção, mesmo quando me criticava com benevolência e cumplicidade".
- Aron foi, de facto, um dos mais consagrados autores na área das RI, sendo necessário ter presente que se tratava de um académico, de nacionalidade francesa, e que a sua obra principal é um dos mais bem sucedidos produtos de um determinado período histórico, o da Guerra Fria.
- Relendo o Pax e Guerra - é natural que, na lógica aactual, não se pode deixar de notar a sua inserção num dado contexto histórico, superado pelas circunstância emergentes e que, por isso, eram impossíveis de conceber tudo aquilo que veio depois. A derrocada das placas tetcnónicas de todo o sistema e padrão das relações internacionais contemporâneo.
- Hoje já não vivemos a dialéctica do soldado e do diplomata - que abre logo o livro, nem a questão do condomínio nuclear, mas Aron deixou-nos todas as sementes para podermos continuar a pensar com sucesso. O seu método foi verdadeiramente revolucionário, catalizando os factos da História às teorias da Sociologia. Depois, com conceitos seguros, atingiu a praxeologia. Aron, ensinou meio mundo a pescar..os factos que fazem hoje os materiais políticos da contemporaneidade.
- Além de grande jornalista, Aron - como Weber - dominava eficientemente a teoria económica, Walras, Pareto - todos esses monstros da economia e da sociologia moderna foram integrados na sua socioogia das relações internacionais - que o Publico ontem comemorou - e o IPRIS desenvolveu através de uma conferência sobre o centenário da sua vida e obra. O que é de louvar.
- Como Adelino Maltez, que também fez uma tão oportuna quanto diversificada síntese no seu blogue, também aqui digo, embora de forma mais modesta: presente!
- Mas faço-o de forma especial, ou seja, com uma dedicatória feita pelo próprio Aron no livro que o consagrou e ainda hoje é um monumento das relações internacionais contemporâneas.
- Esse nota - que só tardiamente descobri numa das páginas amareladas do Paix et Guerre - adquirido em Lyon há precisamente uma década - apesar de hoje se comemorar o seu centnário - diz o seguinte:
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