Nuno Crato e as "ciências ocultas" - por desocultar...
- Este conhecido divulgador científico, descendente do professor António Manuel Baptista, autor da telescola, descobriu que já não vale a pena descobrir o que já está descoberto e inventar o que já está inventado, refazendo a história das ciências duras menosprezando as ciências sociais.
- Por este andar, qualquer dia ainda se defende que os Descobrimentos foram apenas obra de "enginheiros, físicos" e outros que tais que, de esquadro e compasso na mão, colocaram todas as pedras que fizeram o Portugal moderno. E o mar que viabilizou esse mega-projecto resultou de um espiro de Crato, no intervalo de um acesso de genialidade lusa...
- Este "génio" da divulgação científica é Nuno Crato, é professor agregado com agregação na UTL. Dizem que é muito inteligente. Tanto que defendeu o indefensável há dias nas páginas do jornal Expresso. Tudo, com a qualidade excepcional do pensamento das ciências duras, é claro. Tão duras que lhe faltou flexibilidade para ver o mais subtil, que não se mede nem com esquadro nem com compasso, nem se vê à lupa do microscópio ou do telescópio.
- A lente do cientista Crato está, porventura, suja. Especialmente, quando se põe a dissertar sobre as ciências políticas, que desconhece inteiramente. Aliás, através da sua lente - só vê uma névoa que lhe rouba o raciocínio que demonstra ter quando só fala de ciências duras. Já estou a imaginar os decuidos (mal vistos) que um dia - caso se prestassem a tanto - os profs. Jorge Miranda, Marcelo, Adelino Maltez, Boaventura Sousa santos, Sousa Lara e outros cientistas sociais e políticos - se metessem à broca a falar de física quântica e das leis da termodinâmica que, apesar de tudo, ainda fazem cair aviões, porque segundo reza a história - não há oficinas lá em cima... Pois é mesmo por não saberem, que são cautos e não falam do que desconhecem, como faz o incauto atrevido do Sr. Crato..
- A dada altura aquele discípulo de António M. Baptista, qual filho de Einstei, assevera:
- Em virtude de tanta ciência, e de tanta luz que até cega, lembro-me de ter feito uma pequena reflexão há cerca de três anos sobre essa discussão "científica" - que pôs em confronto os dois titans representantes da cultura sociológica e científica em Portugal. Enfim, uma pequena guerra cultural mui pouco científica entre António M. Baptista e o sociólogo português mais cosmopolita, Boaventura Sousa Santos. Desse qui pró quó saíram estas linhas, mais ou menos tortas que aqui partilho...
Cientifização do saber vs socialização da ciência: uma “guerrinha” de titans: António Manuel Baptista e Boaventura Sousa Santos.
- Já aqui temos partilhado a ideia de que a reorganização da vida económico-financeira à escala mundial - a par da crise dos Estados nacionais, pode ser pensada como uma consequência inevitável da globalização. No ideário dessa sociedade global, é possível notar a prevalência de conceitos organizativos como ordem, progresso, desenvolvimento, evolução, racionalização, tecnificação, modernização entre outras variantes da chamada lógica capitalista que organiza o mundo económica, política e culturalmente.
- Nessa tarefa de ocidentalização do mundo defrontamo-nos com uma série de elementos associados a lógicas não-ocidentais, e a Educação tende a ocupar um papel-chave no processo de preparação técnico, ideológico e até emocional das populações que dinamizam esta nova sociedade. Assim sendo, a discussão de conceitos ligados às Ciências Sociais e Humanas/CSH e à Ciência (pura e dura), propriamente dita, teve um importante impulso com o lançamento dum pequeno livro do conhecido professor de Física Nuclear e autor de programas de divulgação científica (e da Telescola) - António Manuel Baptista/AMB: O Discurso Pós-Moderno Contra a Ciência – Obscurantismo e irresponsabilidade - passe a pub.
- O livro, cuja capa tem Einstein, Darwin e Lavoisier com a cabeça deformada, tem um destinatário e um fim específicos: desmontar (a putativa falácia) do discurso pós-moderno (contra a ciência) proposto pelo influente e cosmopolita sociólogo da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Boaventura de Sousa Santos/BSS (no seu Discurso sobre as CS) e, ao mesmo tempo, repor rigorismo nos conceitos, maxime no que é ciência. Mas AMB - vai mais longe na sua centena de páginas que fazem o mapa da curiosidade, irritação e até divertimento do leitor: contestar a síntese entre CSH e ciências naturais proposta por BSS; revalorizar as humanidades através da ciência (o que é curioso num físico); e contribuir para que se clarifique a fronteira entre conhecimento científico e common sense.
- Como cidadão fui colhido de surpresa; mas como investigador, ou melhor, espectador comprometido, como diria Raymond Aron, que não era determinista (nem neo-marxista), achei oportuno, útil e esclarecedor o desenvolvimento deste debate (que teve ecos na TSF) e implica a (re)definição das fronteiras entre as ciências da certeza e as da incerteza.
- A estas corresponde a ciência política, a sociologia, a filosofia (tuteladas por Aristóteles, Platão, Maquiavel, Pareto, Weber, Marx, Durkheim) – produtoras de interacções sociais com uma validade localizada e temporária. Trata-se aqui de construções sociais que não podem estabelecer leis universais porque os fenómenos sociais são historicamente condicionados e culturalmente determinados. Logo, as CS não podem produzir previsões porque os seres humanos modificam o seu comportamento em função do conhecimento que sobre eles adquirem. E fazem-no reflexivamente. Sendo de natureza subjectiva (intersubjectividade, como diria Kant), não se deixam captar pela objectividade.
- Ao invés, as ciências da certeza (repetibilidade, experimentação, mensuração, heurística e consiliência), tão do gosto e aprumo do Sr. Crato, porém, conduzem a um conhecimento objectivo exterior ao pensamento, não dependente dele, ou seja, fora da mente, integrando a realidade que é necessário qualificar como realidade científica. Pelo caminho o físico (AMB) deixa ao sociólogo (BSS) um derradeiro desafio: presumindo que as funções das teorias científicas são prever resultados em situações emergentes, quais foram as descobertas feitas pela nova ciência, de modo a que através dos conceitos de revolução social, violência, escravatura, democracia, dominação – se conseguissem avanços comparados aos realizados pela insuficiente ciência? (p.85).
- Apesar da desejável interdisciplinaridade (que Crato parece desconhecer), a geno-estrutura deste debate, ou Guerras da Cultura ou da Ciência, decorre do equívoco de não se ter percebido que existem fronteiras e limitações, pelo que nunca uma verdade sociológica pode ter a robustez de uma verdade científica, e nunca esta pode afectar tanto os valores e comportamentos de indivíduos e de comunidades como uma verdade sociológica, ainda que menos robusta, e ainda mais incompleta do que a verdade científica. Talvez em observância a este distinto é que Adam Smith, Ricardo, Lavoisier, Darwin são catalogados entre os cientistas e, ao invés, Weber, Marx, Pareto e Durkheim arrumados como sociólogos.
- Aposto que Crato não sabe a distinção entre um resíduo e uma derivação no sistema intelectual paretiano...; ou o que é a sociologia compreensiva weberiana; ou a diferença entre a teoria e a ciência em Weber - conexionando os termos ao Político e ao Cientista nas categotias weberianos; ou ainda porque é que as moscas batem sempre com a cabeça no vidro várias vezes - obstinadas em querer passar aquela fronteira - independentemente do vidro ser transparente - continua lá!? Ou ainda as descobertas de A. de Tocqueville quando visitou a América do Norte...! Provavelmente, não foi para estudar a estupidez obstinada das moscas que ainda hoje continuam a bater com o seu pequeno cérebro nos mesmos vidros, até serem esmagadas pelo peso da barreira do vidro - que é transparente.
- Sendo impossível resumir o espírito do livro de A. Baptista importa, contudo, explicitar que se trata aqui de compulsar o debate intelectual entre o grupo de sociólogos e politólogos que têm procurado relativizar o conhecimento científico – Sociologia do Conhecimento Científico – como se este fosse um mero corpo de regras convencionalmente aceites pelos cientistas numa dada época e cultura sócio-política.
- Isto porque na base dessa “negociação” ou convenção - radica um receio estrutural que pode comprometer o futuro do país: o de evitar, como defende AMB, os efeitos de uma sócio-filosofia pós-modernista instalada nos centros de decisão política (p.11). AMB, num misto de irritação e divertimento, ironiza ao citar BSS: fusão das ciências naturais e CS... Não há natureza humana porque toda a natureza é humana. Nem Rosseau, julgo, chegou tão longe... (p.77).
- Ora - é nesta encruzilhada de titans lusos, que cabe perguntar como se posiciona o politólogo? e o historiador? Fazemos como Edward Wallet Carr (que Crato, seguramente, nunca ouviu falar) – distinguindo os factos dos valores, evitando cair em falácias na crença de que os fenómenos centrais existam objectiva e independentemente da interpretação do cientista social. Daí que o nosso papel seja convergente com o de Carr - sistematizado em What Is History? (1961). Historian Approaches the facts like fish on fismonger’s slab. O historiador selecciona-os, leva-os para casa, cozinha-os e serve-os conforme melhor lhe parece.
- Um pouco, aliás, como faz o supra-Crato nos programas de divulgação científica que regularmente co-apresenta. Muitos deles fazem-me lembrar as aulas de física que tinha há 20 anos no liceu de Abrantes. Espero, com tanta ciência, que o dito hiper-cientista, para quem as ciências políticas não passam de ciências ocultas praticadas por bruxos e outros fáquires, não nos venha dizer que desafiou as leias da gravidade e nos apresente a sua proeza...
- Seria desejável, em nome da verdade nas ciências da certeza e da incerteza, que o físico (do social) e o sociólogo (da ciência), e respectivas comunidades epistémicas, cruzassem perspectivas numa óptica de cross-fertilization e esclarecessem o conteúdo da asserção de Einstein: Os que faltam à verdade nas pequenas coisas, não merece confiança nas coisas importantes. A Academia e a sociedade civil agradeciam...
- Tudo isto - sob pena de um dia, ao ligarmos o televisor, depararmos com um cientista a fazer uma pirueta com o seu dedo mindinho, afirmando às massas desordenadas que o dito génio, soprado pelas teses do seu pais espiritual, AMB, descobriu a pólovora. Uma pólvora que lhe permitia construir pontes totalmente suspensas no ar, como afirmava um aldeão da terra onde vivi metade da idade que tenho.
- Desidério Murcho
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