sábado

A manta do Bocage e a nova responsabilidade política. O poema a Água -

Sempre ouvi dizer que em matéria de gestão de dinheiros aplica-se a metáfora da manta do Bocage, já que quando tapamos a cabeça destapamos os pés, e quando cobrimos os pés destapamos a cabeça. Com isto se prova que não há almoços grátis e que temos sempre de tomar opções, seguir prioridades dado que que os recursos são finitos. Raramente conseguimos tapar a cabeça e os péssimultaneamente.
Por maioria de razão esta equação se aplica ao Orçamento de Estado - até pelas elevadas verbas em questão e pelas necessidades de financiamento das políticas sociais, económicas, financeiras e ambientais que esse instrumento de política global tem que salvaguardar, sob pena de a máquina do Estado e de toda a administração congelar a sua actividade, com a agravante de que em Portugal o sector privado também se encontra muito dependente dos investimentos públicos. D
e modo que quando estes não avançam o sector privado retrai-se automáticamente. O sector da construção é um desses casos paradigmáticos.
Sucede que, e este é ponto que pretendemos frisar, num espaço público e numa economia pequena, volátil e profundamente clientelista como é a economia portuguesa, altamente pedinchona relativamente às adjudicações do Estado, é difícil que em redor das negociações deste OE possam estar representados os interesses das gerações futuras, daí que o que esteja em causa - cumulativamente - é também o conceito emergente de responsabilidade social - que deverá passar a contemplar no seu seio uma dimensão de futuro que hoje, manifestamente, não tem.
E nisso é que Sócrates falhou, como, aliás, referem jornais como o The Economist e o Finantial Times (via jn), jornais insuspeitos.
Numa palavra: o conceito emergente de responsabilidade política com este Orçamento altamente problemático -, talvez o pior desde a fundação do regime democrático nesta III República (envergonhada!!!) - suscita à comunidade dos investigadores em CSH um alargamento do seu âmbito jurídico, social, moral e, naturalmente, político.
Pelo que o conceito de responsabilidade será revisto na sua base, doravante terá que alterar a sua base temporal e normativa, sob pena de continuar a produzir danos sociais graves mediante a sobrecarga de impostos às populações por erros de gestão macroeconómica, esbanjamento no funcionamento das instituições e empresas do Estado e o resto de derrapagens que [já] conhecemos.
E com isto regressamos à manta do Bocage: quando tapamos a cabeça...
E por falar em Bocage, valerá a pena recuperar o boião de cultura e relembrar este belo poema do proficiente represente representante do arcadismo lusitano, figura que fez a transição do estilo clássico para o estilo romântico e que teve uma forte presença na literatura nacional em todo o séc. XIX.
Vejamos esta pérola: Água - a que subtrai o vernáculo para não melindrar nenhuma alminha que por aqui passe.
Água - Poema de Bocage "A Água", - de Manuel Maria Barbosa du Bocage.
Um clássico da literatura portuguesa
"A Água"
Meus senhores eu sou a água
que lava a cara, que lava os olhos
que lava a rata e os entrefolhos
que lava a nabiça e os agriões
que lava a piça e os colh...
que lava as damas e o que está vago
pois lava as mamas e por onde ca..
Meus senhores aqui está a água
que rega a salsa e o rabanete
que lava a língua a quem faz m.....
que lava o chibo mesmo da raspa
tira o cheiro a bacalhau rasca
que bebe o homem, que bebe o cão
que lava a c... e o berbigão.
Meus senhores aqui está a água
que lava os olhos e os grelinhos
que lava a c... e os paninhos
que lava o sangue das grandes lutas
que lava sérias e lava p....
apaga o lume e o borralho
e que lava as guelras ao c......
Meus senhores aqui está a água
que rega rosas e manjericos
que lava o bidé, que lava penicos
tira mau cheiro das algibeiras
dá de beber ás fressureiras
lava a tromba a qualquer fantoche e
lava a boca depois de um b....

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quinta-feira

"Salvem os Ricos". A responsabilidade política

Contemporâneos - Videoclip: "Salvem os Ricos"

Salvem os Ricos, por Manuela Ferreira Leite

Com tantos meios, burocracia, impostos, máquina legislativa - pergunta-se como falham os políticos em governar uma sociedade?!

A questão é legítima e decorre do reconhecimento da dificuldade hoje existente em articular publicamente a responsabilidade à dificuldade política de governar uma sociedade complexa, como a nossa. Ou seja, falham hoje os meios tradicionais de intervenção e os incentivos morais são manifestamente marginalizados. Ninguém hoje é capaz de controlar os problemas de regulação que se colocam à economia e à finança, à falta de transparência dos mercados e dos processos, daí as tensões sociais crescentes que vemos amíude pela Europa.

A velha responsabilidade política do Estado já não unifica as diferenças nem dissolve as tensões no corpo social, razão por que haverá que estabelecer imputações que responsabilizem os casos mais indeterminados. Precisamos hoje de algo que suceda à velha mão invisível de Adam Smith e que há muito está disfuncionada, mas também precisamos de algo que previna a astúcia da razão hegeliana da história - que também deixou de ser um indicador credível pela falta de sentido estratégico da (própria) história.

Hoje já não há exemplos ou referências de futuro. É tudo tão novo que o corpo político, com os mecanismos de que dispõe, se vê completamente surpreendido com a evolução da actual civilização que vamos criando, de tal modo que os efeitos não desejados por ela se nos apresentam como mais conflituosos do que vantajosos, com reflexos económicos e sociais gravíssimos.

Neste aspecto, creio que nem Teixeira dos Santos sabia em Maio aquilo que em Outubro as estatísticas vieram desocultar, e por maioria de razão as oposições - pela falta funcional de informação técnica e especializada - ainda vegetam numa maior incerteza e ignorância macroeconómica. A ser assim, não há culpados, não há responsáveis, são todos inimputáveis, são todos loucos, porque ninguém, em rigor, sabe o que anda a fazer.

Hoje, em Portugal, governo e oposição parecem estar quase ao mesmo nível de responsabilidade pelo desastre económico, financeiro e social a que chegámos, ou seja, só um terramoto parece poder ultrapassar e desculpar a responsabilidade diluída entre governo e oposições, mas o terramoto também não iria ajudar à questão do défice nem dos problemas a montante e a jusante que a grave crise do país coloca a todos, decisores e zé povinho.

Numa palavra, esta nossa complexidade civilizatória já não consente um governo centralizado, pelo que desta crise que afecta Portugal se deverá meditar em esquemas de auto-governo - com o nome de regionalização ou outra forma de reforma administrativa do país - capaz de aplacar esta ingovernabilidade do sistema político reinante entre nós.

Já vimos até à exaustão que têm falhado as velhas formas de intervenção centralizada de responsabilidade política do velho Leviatão. E se assim é, terá que se pensar em novas formas políticas para gerir a complexidade crescente trazida com os processos civilizatórios que, por vezes, de "civilização" nada têm!!!

Talvez a mensagem - "salvem os ricos" - seja, na actual conjuntura, a mais adequada, ao menos salva-se alguém, e assim talvez esse "alguém" queira ir para o poder a fim de dar o seu contributo ao restabelecimento da confiança nos mercados, atraindo investimento directo estrangeiro, potenciando o emprego e o bem-estar e aumentando a procura interna e potenciando o tecido produtivo e intensificando as exportações.

Com sorte, ainda serão os ricos, após a debacle, que irão salvar este Portugalório da recessão que temos pela frente.

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