sexta-feira

O presidente - por Francisco Seixas da Costa -



Todos os presidentes da República inaugurada com a Constituição de 1976 encaminharam os seus segundos mandatos na tentativa de deixarem uma marca própria. Independentemente das suas agendas políticas pessoais, do esquiço de auto-retrato para a História que todos procuraram deixar pendurado nas paredes de Belém, cada um, a seu modo, contribuiu claramente para a estabilização do regime e para o reforço da matriz funcional do cargo, deste semi-presidencialismo atípico que os nossos constituintes desenharam, com uma ambiguidade muito à portuguesa.

Cavaco Silva terminará a sua década de uma forma muito diferente. O seu segundo mandato foi uma incrível sucessão de "trapalhadas" - e estou a ser diplomaticamente eufemista ao escrever isto. Poder-se-á dizer que não foi ajudado pela crise financeira, mas o que o país já reteve, para sempre, é que o chefe de Estado teoricamente mais bem preparado para transmitir segurança a uma sociedade em quebra de confiança económica demonstrou, muito simplesmente, uma flagrante incapacidade para ser útil a Portugal. 

Quero com isto dizer uma coisa muito clara: a meu ver, Aníbal Cavaco Silva, pelo modo como geriu a função presidencial, pela maneira como se deixou enlear no que, agora iniludivelmente, se evidencia como uma subserviência à maioria que governa o país, deu sólidos argumentos a quantos entendem, como há semanas Pedro Bacelar de Vasconcelos defendeu, que, de futuro, deverá ser revista a Constituição por forma a ser o parlamento a escolher o chefe de Estado, como hoje acontece na Grécia, em Itália ou mesmo na Alemanha. Com efeito, Cavaco Silva, com o seu comportamento enquanto Presidente, mostrou que pode não fazer sentido continuar a eleger alguém por sufrágio direto, quando essa personalidade, em lugar de utilizar essa forte legitimidade para se colocar acima das forças políticas e representar o sentimento profundo do país, se torna num instrumento dócil das maiorias de turno, preocupado apenas em garantir uma saída airosa para o seu pé-de-página na História pátria. Embora defensor do sistema atual, creio que haveria vantagem em que o assunto fosse abertamente discutido, quanto mais não seja para evitar que o exemplo do atual presidente venha a contaminar a imagem futura da função presidencial.

Um dia, ao tempo em que era primeiro-ministro, Cavaco Silva teve a deselegância institucional de dizer que era preciso "ajudar o dr. Mário Soares a acabar o seu mandato (presidencial) com dignidade". Com sincera pena, como cidadão que acredita que o prestígio das instituições e dos seus titulares é um bem público precioso, temo que Cavaco Silva tenha arruinado já as hipóteses de ver aplicada a frase a si próprio.

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Obs: Lamente-se o mandato presente e pretérito do sr. Silva. Era fácil governar ao tempo da CEE com dinheiro a rodos. Nesse tempo era fácil empreender uma política faroónica de obras públicas e fazer o CCB. Hoje é tudo mais difícil e problemático, talvez por isso não emane nenhuma ideia ou projecto do PR em prol do país, tudo parece sacrificar-se à sua ambição e ego pessoal. O Estado parece existir para servir Cavaco, e não o contrário. E é pena, pois é Portugal quem perde nesta última década de modernização, de crescimento e de desenvolvimento adiados. 

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"A Alemanha precisa de nós", diz António Vitorino - Conferência - Portugal Europeu. E Agora?

António Vitorino, ex-comissário europeu, participa na conferência sobre Portugal e a Europa
António Vitorino, ex-comissário europeu, participa na conferência sobre Portugal e a Europa
Fotografia © Álvaro Isidoro - Global Imagens
"Portugal construiu um perfil de bom aluno no quadro das negociações europeias. Foi uma apólice de seguro para a concretização democrática. Foi um sucedâneo ao fim do império para contrariar a perificidade de Portugal, a real e a imaginária e uma maneira de gerir uma relação com o nosso vizinho, a Espanha, foi baseada num programa de bem-estar", resume António Vitorino na sua comunicação "Portugal na Europa" na conferência "Portugal Europeu. E agora?", que acontece hoje e amanhã no Liceu Pedro Nunes, em Lisboa, organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

"Portugal nunca foi um país em que as tensões tivessem centrados na integração europeia", afirma António Vitornio, antigo deputado europeu e presidente da Fundação Notre Europe. E resume: Os princípios que levaram à adesão "mantêm-se válidos".

"O interesse europeu é a interação dos interesses nacionais", diz que é o princípio e o problema. Mas, ressalva, é aqui que reside o problema dos próximos anos. "Mais difícil pelo número", uma vez que há mais estados membros. "Os equilíbrios na UE saíram alterados pela crise do euro", completa.

"Estamos a assistir uma mutação constitucional. O que é? É quando um regime muda sem se mudarem as regras do regime". É demasiado cedo para dizer quando se vão estabilizar mas há evidências. Um tema dominante é a Europa alemã, mas "vê-se que acabaremos a pedir à Alemanha o que elas não nos pode dar". "Há um debate tímido na política externa, a Alemanha está confrontada com um desafio político, e é um país que tem sintomas de grande protecionismo e é um pais que tem uma grande qualidade no produto mas está a perder dinamismo na inovação", e frisa: "A Alemanha precisa de nós".

Vitorino defende um eixo franco-alemão propulsor da União Europeia, chamando para o equilíbrio o Reino Unido. "O interesse de Portugal é que o Reino Unido não abandone a União Europeia. Nós somos um país que se identifica com a frente Atlântica, a sua saída levaria a um afunilamento continental". Mas, critica, "Portugal não deve alinhar numa Europa a la carte. "Temos de garantir que a Europa não é um supermercado onde se vai levantar o que se quer naquele momento".

"É dentro do euro que temos de vencer", defende António Vitorino, dizendo que a crise tem debilitado a comissão europeia. "A comissão é fundamental para um país como Portugal. Não é bom uma relação intergovernamental, mas ao mesmo tempo há que reconhecer que a crise pôs em evidência a legitimidade democrática da União". Vitorino afasta-se de um modelo alemão. "A Alemanha é um país bizarro. Não se discute em público a legitimidade do Tribunal Constitucional", em crítica às declarações de Passos Coelho após o último chumbo do TC.

"Os fundos europeus foram a nossa apólice de seguro, mas hoje já não chegam para desempenhar esse papel", afirma."O problema está no recebedor dos fundos. O sucesso de utilização dos fundos media-se pela taxa de execução que depois não tinha efeito multiplicador no país.

Vitorino chamou a atenção para "o princípio de concorrência aos fundos", enunciado há dias pelo ministro Miguel Poiares Maduro. "Que me parece ter implícita a maior transparência dos projetos, mas isto não funcionará sem uma avaliação dos efeitos dos fundos no país. A descentralização capta mais os interesses instalados do país", alerta. "Há que desistir à tentação de satisfazer todas as capelinhas, mas ver qual o contributo que podem dar ao país".


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