No centenário de Vergílio Ferreira e Mário Dionísio - por José Pereira da Costa -
OPINIÃO, Público
No centenário de Vergílio Ferreira e Mário Dionísio
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- Via MJM -
"[...] Mas o tema principal das aulas era a literatura e foi ali que ouvi falar pela primeira vez em Rimbaud e do facto de este ter completado a sua extensa obra poética aos 22 anos de idade, caso ímpar na vida de um escritor. E também dos três mais importantes escritores do século XX, segundo Vergílio, Proust, Kafka e Joyce. Mas, pela minha capacidade de interpretação psicológica de então, fiquei com a impressão de que este escritor/professor era um homem amargurado e sentia-se perseguido. Tinha havido o ataque do crítico Alexandre Pinheiro Torres sobre o seu prefácio ao romance Rumor Branco, do jovem Almeida Faria. E na polémica que se seguiu, no então Jornal de Letras e Artes, aquele acusou-o de levar o existencialismo das caves de Paris, personificado por Sartre e Camus, para a vila de Manteigas, na serra da Estrela, onde se desenrolava a acção do seu último romance, Estrela Polar.[...]"
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Tive o privilégio de ser aluno no Liceu Camões destes dois importantes escritores, cujo centenário do nascimento passa este ano, a 26 de Janeiro e 16 de Julho, respectivamente.
O primeiro como professor de Latim, o segundo ministrando um muito completo e qualificado curso de Literatura Portuguesa, nos então 6.º e 7.º anos, alínea E, que fechavam o curso dos liceus. Mário Dionísio precedendo Vergílio Ferreira, pois que regressei ao Liceu Camões no ano lectivo de 1961/62, depois de ter feito como interno o 2.º ciclo no Colégio João de Deus, no Monte Estoril, que sucedeu ao Bairro Escolar, fundado pelo pai de Mário Soares, dr. João Soares, onde Mário Dionísio também foi professor em 1943, segundo a sua biografia oficial. Tendo transitado para o Colégio Moderno mais tarde, onde por sinal fiz a instrução primária entre 1951/55, provavelmente cruzando-me com ele no ginásio, nas festas de aniversário do director, todos os anos em Novembro, onde confraternizavam alunos e professores, da primária aos últimos anos do liceu.
Foi por chumbar a Latim no exame do 7.º ano, no Verão de 1963, que tive de repetir essa disciplina e encontrei pela primeira vez Vergílio Ferreira como professor. Devo dizer que ia chumbando novamente no ano seguinte, não fora o exame oral ser efectuado por uma simpática professora que me tinha conhecido pessoalmente numas curtas férias passadas dois anos antes em Alfocheira, perto da Lousã, acompanhado de uns tios meus. Quando em 2013 fizemos o jantar dos 50 anos do fim do curso, nas próprias instalações do liceu, tive ocasião de lho dizer, do que já não se lembrava, mas tão-só dos agradáveis dias passados em Alfocheira. Corria pois o ano lectivo de 1963/64 quando conheci Vergílio Ferreira e pode imaginar-se facilmente o quão importante terá sido para um jovem de 18 anos ouvir duas vezes por semana, durante cerca de nove meses, alguém que dedicava a maior parte das aulas a falar do que o obcecava na altura: a literatura portuguesa e o papel que nela representava como escritor, no contexto político da época. Era também o tempo da entrada do cinema de Ingmar Bergman em Portugal e recordo-me bem das tentativas de interpretação do filme Sétimo Selo, sobre o qual o escritor fez uma excepção abrindo aos alunos a possibilidade de intervir. Mas o tema principal das aulas era a literatura e foi ali que ouvi falar pela primeira vez em Rimbaud e do facto de este ter completado a sua extensa obra poética aos 22 anos de idade, caso ímpar na vida de um escritor. E também dos três mais importantes escritores do século XX, segundo Vergílio, Proust, Kafka e Joyce. Mas, pela minha capacidade de interpretação psicológica de então, fiquei com a impressão de que este escritor/professor era um homem amargurado e sentia-se perseguido. Tinha havido o ataque do crítico Alexandre Pinheiro Torres sobre o seu prefácio ao romance Rumor Branco, do jovem Almeida Faria. E na polémica que se seguiu, no então Jornal de Letras e Artes, aquele acusou-o de levar o existencialismo das caves de Paris, personificado por Sartre e Camus, para a vila de Manteigas, na serra da Estrela, onde se desenrolava a acção do seu último romance, Estrela Polar. Vergílio Ferreira, sem dúvida um dos mais talentosos escritores da sua geração, vivia o período de distanciamento do neo-realismo e por isso era atacado por alguns dos seus pares. O princípio dos anos 1960 foi, como é sabido, de muita intensa actividade política contra a ditadura de Salazar, e no meio estudantil, em que eu estava inserido, havia uma grande desconfiança e até revolta contra quem atacava esse movimento, com todas as injustiças que isso pudesse implicar. Mas os movimentos da história são assim: demolidores para os que não seguem o Zeitgeist, o espírito do tempo. Um exemplo foi o dos colóquios sobre literatura organizados pela Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico, em que Vergílio Ferreira e Alexandre Pinheiro Torres fizeram conferências com o intervalo de uma semana, com a sala apinhada de estudantes, em que Vergílio prosseguiu a sua cruzada contra a União Soviética, atacando indirectamente o PCP, que estava por detrás de muito do que se fazia contra o Governo de Salazar, incluindo o movimento estudantil. Depois de desenvolver as suas teses sobre o existencialismo e de brandir o livro de Alexander Soljenítsin Um Dia na Vida de Ivan Desinovich, como prova de que havia campos de concentração na União Soviética, o escritor viu-se confrontado com uma intervenção de José Luís Nunes, futuro dirigente do Partido Socialista, dizendo que os estudantes nas suas associações não tinham tempo para elucubrações existencialistas, pois estavam ocupados na defesa dos seus camaradas presos e expulsos das universidades. Confesso que não tive oportunidade de seguir com muita atenção a obra posterior de Vergílio Ferreira, para lá do excelente romance Aparição. A sua escrita era muitas vezes confusa e prolixa, principalmente nos ensaios, como é exemplo a introdução que faz ao Existencialismo É Um Humanismo, de Sartre, onde gasta 170 páginas, quando o texto do filósofo francês tem menos de 100, na edição da Presença de 1962. O mesmo acontece no estudo sobre Malraux. No entanto, penso que nos romances posteriores que consultei a sua escrita se depurou, simplificou e clarificou, tendo ganhado muito com isso.
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