sexta-feira

Cavaco entronizou-se senhor do regime democrático em Portugal e acerta contas com a história


O nosso regime constitucional é de tipo semipresidencialista, dado que o PR é eleito pelo povo e aí colhe a legitimidade democrática necessária para exercer os seus poderes conferidos pela CRP, e o governo é responsável politicamente perante o parlamento. Por isso é que Cavaco já repetiu a ideia  de que não faria cair o governo, essa é uma função dos partidos políticos com representação parlamentar que o podem fazer, caso consigam, mediante a apresentação duma moção de censura ao governo, e desde que reúnam o número de votos necessário para o efeito. A esta luz, Cavaco tem razão quando diz que não lhe cabe demitir o governo dissolvendo a AR, pois essa é uma competência do Parlamento e dos partidos que lá se encontram representados. 

Contudo, o PR é mais do que uma figura protocolar ou mediador político, pois no quadro das últimas circunstâncias fez uma espécie de "cheque mate" ao Governo de coligação centro-direita, impondo-lhe condições para continuar a governar. Mas isto também não faz da praxis do PR um regime que configura o presidencialismo, porquanto o Governo será sempre responsável perante o Parlamento. Mas como neste caso é a coligação de centro-direita, profundamente enfraquecida, que sustenta esta maioria, o centro de gravidade do poder desliza para Belém sobre quem repousa, verdadeiramente, o poder condicionador e de quem sempre depende, no limite, a utilização da chamada "bomba atómica" constitucional, ou seja, dissolver a AR e convocar eleições cujo freio é a Troika e as condições de endividamento extremo em que nos encontramos. 

Neste domínio, a definição dos poderes do PR não se definem tanto pelo texto e o normativo constitucional, mas pela praxis política que foi obrigado a assumir atendendo ao apodrecimento da relação dentro da coligação que suporta o Governo, da relação deste com a sociedade e no âmbito mais geral relacionado com a má performance das políticas públicas e dos indicadores micro e macroeconómicos da economia portuguesa. Assim, mais relevante do que a letra da Constituição, é a praxis política do PR na definição do jogo de forças cujos termos e horizonte ele definiu no seu discurso. 

Na prática, ainda que de forma indirecta, é o PR o responsável pela definição da política geral do país, que se confina à observação das medidas impostas pela Troika, a fim de pagarmos as dívidas, equilibrarmos as finanças públicas e regressarmos aos mercados com juros baixos. 

O singular da questão, por força da ditadura dos acontecimentos, em larga medida motivados pela demissão inesperada (e irresponsável) do MNE e de Estado, é que nos encontramos agora numa situação anómala em que o PR é quase ao mesmo tempo também o chefe de Governo e exerce efectivamente os seus poderes. 

Os ministros, por sua vez, não têm autoridade política, estão profundamente diminuídos na sua legitimidade (de título e de exercício) e, por isso, não passam de meros ajudantes (ou "secretários") do PR, nos vários departamentos ministeriais, assumindo maior protagonismo os conselheiros e colaboradores próximos do PR, que o passam a aconselhar agora no domínio governamental. 

A história escreve direito por linhas tortas, pois não seria de admitir que a sentença de morte do XIX Governo Constitucional - terminasse desta forma: a) por um lado, Cavaco limita fortemente o campo de acção do PM que, aliás, nunca definiu um rumo para o país e esteve sempre muito dependente de Gaspar; b) por outro lado, o PR mete o líder do CDS num colete-de-forças do qual dificilmente sairá nos próximos anos. Este ciclo político que finda tenderá a empurrar, de novo, o CDS para o "partido do taxi".

Curioso é notar que quando Cavaco Silva era PM, e desempenhou essas funções durante uma década, tinha ajudantes. Volvidas duas décadas, Cavaco volta a ditar as regras do jogo democrático e faz dos ministros deste (ainda) Governo de coligação de centro-direita uma espécie de dirigentes administrativos e de chefes do economato, úteis para aplicar as medidas da Troika. 

Neste novo (velho) quadro político pergunto-me, a duas décadas de distância, que manchetes faria hoje o Indy se, porventura, ainda estivesse no mercado das notícias, da opinião e dos factóides apenas com fito de assassinar politicamente os ministros do cavaquismo e, no limite, aniquilar o próprio Cavaco, como aconteceu. 



Etiquetas: