terça-feira

Um gigante - por Viriato Soromenho Marques -

Quase na mesma altura em que o ministro Paulo Portas explicava no Parlamento que a diplomacia de Portugal se reduzia ao objetivo de contribuir para gerar negócios, numa caricatura da época de saldos a que o "ajustamento" está a conduzir o País, chegava às salas de cinema o filme de Francisco Manso e João Correa O Cônsul de Bordéus. Nestes dias de sombra temos de ir buscar ao fundo da nossa memória coletiva o alento necessário para não sucumbir. A arte é mais sábia do que a política e mais rápida do que o pensamento especulativo. Não admira que seja o cinema, que é a arte em pleno discurso directo, a fazer justiça a uma das maiores figuras morais do século XX. O filme centra-se nos dias decisivos de junho de 1940 quando o cônsul português na cidade de Bordéus, Aristides de Sousa Mendes, desobedecendo às ordens diretas de Salazar, resolveu atribuir 30.000 vistos aos refugiados judeus, fugindo das hordas nazis, os quais buscavam Lisboa como porto de saída para os EUA. Trata-se de um drama profundamente ético. Mas, mais do que um Kant do imperativo categórico, seria preciso um novo Sófocles para fazer justiça ao drama de Antígona vivido por Aristides, bem assumido por Vítor Norte. Dividido entre a obediência a uma política de neutralidade (que no essencial foi correta e salvou o País da guerra) e a compaixão pelo destino de milhares de vidas que seriam destruídas se essa obediência fosse cumprida, o diplomata sacrificou a sua carreira, e o bem-estar da sua numerosa família, num amor incondicional ao próximo. Vencer os inimigos está ao alcance de todos os homens, desde que tenham as armas adequadas. Vencer-se a si próprio é privilégio de uma aristocracia de gigantes. O cônsul português de Bordéus está nesse restrito Olimpo. Um Hércules moral, que nos ilumina neste tempo de pigmeus.dn
 
Obs: não sendo necessário à racionalidade do texto, apreciei particularmente como o filósofo e articulista arranca a sua reflexão com um "pigmeu" e conclui com um gigante, a moldar o contraste dos tempos complexos e problemáticos que vivemos.

Etiquetas: