sexta-feira

As lições do Império Mogol - por John Kay -

Nota prévia: uma reflexão importante de John kay que explica muito do essencial do que hoje sucede às economias, às sociedades, às empresas, aos agentes políticos, às famílias e às pessoas. Atentas as suas preocupações intelectuais e morais, Kay procura responder a uma das questões mais fascinantes do nosso tempo: por que razão existem tão poucos ricos e, por contraponto, tantos pobres.

John Kay

As lições do Império Mogol

 
 
Não fugi à regra e fiz o que a maior parte dos turistas faz quando visita o Norte da Índia: fui ver o Taj Mahal. Mas, contrariamente à maior parte dos visitantes, fiz perguntas de índole económica. Relatórios sobre a política fiscal do Xá Jahan dão a entender que poderá ter-se apropriado de cerca de 40% daquilo a que actualmente chamamos PIB, para financiar um estilo de vida marcadamente faustoso. Foi derrubado pelo filho, cansado da ostentação do pai, ansioso por maximizar a sua parte do "saque" e preocupado com a carga fiscal que pesava sobre a população. Tarde demais. O império Mogol já entrara num irreparável declínio.
 
Sempre que há desequilíbrios e estes pendem para a apropriação e não para a criação de riqueza, o talento empreendedor tende a enveredar por actividades improdutivas, inaugurando um ciclo no qual o poder político e o poder económico se reforçam mutuamente - até que a inveja de terceiros desperte e o ressentimento dos oprimidos ponha em causa a legitimidade do regime. A instabilidade política e económica é uma consequência inevitável.

Na Índia moderna, a exploração assume a forma de corrupção endémica e o capitalismo funciona como um sistema de amiguismo, que espelha as relações demasiado íntimas entre as grandes empresas e o Estado. As economias ocidentais também vivem atormentadas pelos seus sistemas de amiguismo. O corporativismo instintivo é uma realidade em muitos estados europeus. Nos EUA, existe uma afinidade pouco saudável entre líderes políticos e líderes empresariais e do mundo da finança, facilitado pelos lobistas e oleado pelo financiamento de campanhas.

Há quem veja em Barack Obama, presidente dos EUA, e em Vince Cable, Secretário da Economia do governo britânico, líderes hostis às empresas por resistirem a estas "ligações".
 
O sector das tecnologias de informação é o principal motor do actual progresso económico, mas é também o menos afectado pelo crescimento do espírito corporativista. O mesmo não acontece noutras indústrias, como a farmacêutica, a defesa e os media, nas quais a influência política recíproca e o poder económico ajudam os incumbentes a manter os seus modelos de negócio e a resistir a mudanças disruptivas.

Actualmente, a manipulação ou exploração do ambiente económico tem no sector financeiro o seu expoente máximo, na medida em que a febre da transacção dos activos existentes ultrapassou em muito a criação de nova riqueza. Ora, isto não só não atrai talentos de outras áreas como gera instabilidade. Não é preciso ter muita imaginação para ver que há aqui um paralelismo com a corte do Xá Jahan.
 
A queda do Muro de Berlim simboliza o mais importante acontecimento económico da nossa era e abriu caminho à criação de economias de mercado não apenas nas antigas repúblicas soviéticas, mas também em países como a Índia, com grande potencial económico não realizado. Acontece que muitos não compreenderam a lição, ou seja, não entenderam que a economia planificada e centralizada fracassara.
 
As economias de mercado, por seu turno, são bem-sucedidas quando aplicam e promovem o pluralismo disciplinado - o processo que confere maior margem de manobra à inovação e à experimentação, ao mesmo tempo que garante que quando uma e outra falham são imediatamente suspensas, e quando vingam são replicadas. Assim se explicam os progressos do sector das Tecnologias de Informação.
 
O êxito das economias de mercado não se alcança através de políticas que fomentam a ganância nem da imposição do menor número possível de restrições à actuação dos mais gananciosos. Esse era o mundo do Xá Jahan, que poucos frutos deu em termos económicos, embora tenha dado ao mundo um dos seus mais belos edifícios. Assim como um ensinamento para a Índia e para o Ocidente: a exploração excessiva pôs fim ao império Mogol em apenas duas gerações.

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