domingo

As birras da República

Parece, afinal, que PSD e PS poderão continuar a negociar a viabilização do Orçamento do Estado para 2011, só que através de interlocutores de 2ª linha: o diálogo já não passa pelo PM e por PPCoelho, mas entre este e por Teixeira dos Santos, pelo menos até que nova zanga sobrevenha. Sucede, porém, que do lado de PPCoelho está o conselheiro-economista Nogueira Leite, que nutre menos boa impressão por Teixeira dos Santos, portanto é de supor que ambos deixem de falar dentre em breve, excepto na presença do gravador.
No Parlamento também há muita gente que não se fala, ou melhor, que mal se fala: Francisco Assis, líder parlamentar do PS, detesta Miguel Macedo, o seu homólogo do PSD; Lacão, ministro dos Assuntos Parlamentares, detesta toda a gente que não concorde com ele, razão por que apresenta aquele aspecto de mastim sempre incomodado com o mundo, não obstante a tarefa difícil que tem pela frente diáriamente na AR; Miguel Frasquilho, funcionário do BES e do PSD lá vai apresentando uns relatórios do BdP para demolir a governação socialista; Pacheco Pereira está sentado na última fila e só deseja ardentemente uma coisa: o falhanço da actual liderança do PSD e de PPCoelho, sentimento partilhado por Mota Amaral, ex-presidente da AR e, evidentemente, pela dama-de-ferro, Manuela Ferreira leite, o pior pesadelo que alguma vez ocorreu na vida interna do PSD. Coitado de Francisco Sá Carneiro, as voltas que ele daria no túmulo se soubesse da missa a metade...
Cavaco, ao nível da cúpula do aparelho de Estado, detesta Sócrates, tentou mesmo abatê-lo políticamente concebendo - amadorísticamente - uma inventona (as famosas escutas a Belém..., para ajudar a sua amiga leite a subir as escadarias de S. Bento!!!), mas a "coisa" foi mal montada e o PS desmontou a inventona e Cavaco ficou com a careca à mostra. Resultado: desceu abruptamente nas sondagens, embora já tivesse recuperado. O seu amanuense, Fernando Lima, que em tempos ia mandando o DN para a falência enquanto director do jornal bicentenário, foi afastado da casa civil do PR, embora continue a trabalhar na presidência, agora nas traseiras do Palácio Rosa, desconhece-se a tarefa, mas supõe-se que continue a fazer o que sempre fez: ligação à imprensa, em particular ao Público e no sector das fugas de informação.
Sócrates, por seu turno, também sente o mesmo por Cavaco, um sentimento que o levou a ter de engolir quem andou cerca de dois anos a apoiar o BE e Anacleto Louçã, para agora o apoiar a Belém, referimo-nos, naturalmente, ao poeta Alegre, que tem tanto perfil para Belém como eu para gerir lagares de azeite.
Mário Soares, o founding father da democracia portuguesa, só para se vingar das maldades políticas que o poeta Alegre lhe fez nas últimas eleições presidenciais, concorrendo contra ele (como independente) e espartilhando o eleitorado do PS que apoiara Soares, vai agora apoiar o médico da AMI, Fernando Nobre, cuja função é, precisamente, dividir o eleitorado que apoiará o poeta Alegre e, em parte, reclamar algum eleitorado mais conservador do centro direita cativo a Cavaco.
Demos aqui alguns pequenos exemplos, sem grande preocupação sistemática, para demonstrar como a política à portuguesa se faz mais com os pés do que com a cabeça, ou seja, se faz por obediência às pequenas vendettas pessoais e não por respeito a um plano social e político superior que tenha em conta os superiores interesses da nação, buscando para ela, na esfera doméstica e na ordem externa, as melhores opções estratégicas.
A política em Portugal está, portanto, demasiado personalizada, fulanizada, pessoalizada, e nestes termos há escasso lugar para o agendamento das grandes ideias e projectos que há muito já deveriam ter sido equacionados, consensualizados e contratualizados com os portugueses. Seja em matéria de comunicações, educação, saúde, ambiente, agricultura e nos demais sectores e sub-sectores da economia e da sociedade portuguesas.
Mas, na prática, não é a isso a que assistimos: Sócrates não fala com PPCoelho, Cavaco detesta Sócrates, este não pode ver aquele; o poeta Alegre, se pudesse, eliminaria Cavaco com um poema de 2 toneladas - de quem acha ser um tecnocrata sem alma; Cavaco, por seu turno, entende que Alegre nem para sub-secretário de Estado da Cultura daria caso formasse Governo; Lacão tem vontade de fulminar diáriamente toda a equipa de Miguel Macedo na AR num ápice, este não se ficaria atrás, e, se pudesse, convidaria Assis para um duelo frente à AR, depois de já terem andado à pancada nos Passos Perdidos.
Descontando estes excessos caricaturais, necessários para rebuscar a verdade, tenho para mim que toda a vida política nacional está eivada deste tipo de sentimentos mesquinhos e de curto alcance, pois cada um apenas consegue pensar na sua carreira pessoal, nos seus objectivos a curto prazo, puxando o lustre ao seu umbigo, e quem se opõe passa a ser um inimigo a abater por parte do outro actor no terreno político. É assim que funciona o circuito do poder provinciano em Portugal em todas as instâncias do poder, observando a regra de C. Schmitt, segundo a qual vita mea, mort tua.
É óbvio que isto tem uma dupla consequência para o país: o recrutamento politico-partidário é composto pelos piores quadros, e a qualidade da legislação e das políticas públicas acaba por sair penalizada, na medida em que as verdadeiras questões e os desafios essenciais à república não são devidamente problematizados e discutidos.
Este quadro relacional conduz-nos ao reconhecimento de que estamos perante sentimentos, actores e politiquinhas que comprometem o futuro do país. E se recuperarmos a ideia de que Portugal é um país quase milenar, com fronteiras estabilizadas há cerca de 8 séculos, que demos novos mundos ao mundo através da gesta dos Descobrimentos, a conclusão a que podemos chegar através daqueles indicadores, é dramática, para não dizer trágica - tendo em linha de conta que o país terá de fazer aprovar um OE de que depende o funcionamento da nossa economia que, consabidamente, não passa duma bolinha de sabão ao vento aguardando o menor sopro para rebentar.
Não quero ser pessimista, mas a política e os políticos em Portugal evocam-me aquele ambiente de um tribunal repleto de ciganos, com o devido respeito por esta minoria étnica, para dirimir um caso de facadas resultante dum roubo de um par de cuecas e dumas peúgas entre eles numa qualquer feira perto de si.
E digo isto sem, naturalmente, querer ser injusto para com os ciganos...
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