sábado

Realidade policontextual. Um grama de filosofia num Sábado de transição

A desconfiança extrema a que chegou a conduta entre os actores políticos no topo do aparelho de Estado, que deveria ser um exemplo para cidadãos, famílias e empresas, tem sido, perversamente, um péssimo exemplo das actividades do pensamento e da acção na esfera pública. Os exemplos de manhosice e de falta de seriedade entre esses actores políticos, partidários e institucionais conduz não apenas a um descrédito entre os homens, mas também ao reconhecimento de que a verdade passa a ser algo inatingível, pois ninguém tem uma posição privilegiada na observação dos fenómenos sociais, económicos e políticos do nosso tempo no sentido de para eles encontrar as melhores soluções. Assim, ninguém tem pontos de vista isentos dos quais os factos sociais possam ser formulados de uma forma racional, pelo que o resultado dessa pluralização é a perda de um ponto unitário ao qual se possa traduzir uma comunicação em nome do bem comum. Se pensarmos em termos de realidade pública em Portugal constatamos que, por ninguém falar verdade e todos se arrogarem no direito exclusivo à [sua] razão, que não existe uma única força ou actor político capaz de problematizar cabalmente a possibilidade de representar os verdadeiros problemas dos portugueses, enquanto comunidade. No fundo, o que aqui procuramos sublinhar é que a actual fluidez de posições marginais acerca dos fenómenos sociais com peso político proporcionados pela sociedade aberta, a mobilidade social, a desorientação dos indivíduos e das corporações, na prática, a ingovernabilidade dos sistemas sociais (falemos de pontes, estradas, TGV, barragens ou aeroportos ou infraestruturas portuárias) - já que todos têm razão, todos apresentam uma verdade - gera essa tal crise de sentido e de relevância estratégica que seria necessário dispormos. Hoje, caminhamos para um não-lugar, e, mais grave, caminhamos para lá, sem uma grande narrativa a orientar-nos nessa caminhada. Em rigor, caminhamos para o vazio supondo que procuramos Deus com as mãos e braços cheios de bíblias. É essa explosão de perspectivas, de razões, de verdades que nos deixam entrever a nossa própria perda de rosto e de identidade agravada pela inacessiblidade que criamos junto da "verdadeira verdade": a que interessa ao bem comum que já não sabemos atender. Para sermos cínicos, no sentido filosófico do termo, facilmente encontramos uma resposta para o estádio de subdesenvolvimento em que estamos (crise económica continuada) justificada por esse excesso de verdade e de razão que hoje já não rima com racionalidade económica e social. Por isso, o homem-público (e até na sua dimensão privada e íntima) tem mais dificuldade em encontrar-se, tornando-se inacessível a ele próprio, o que poderá também explicar por que razão hoje PM e líder do maior partido da oposição já não conseguem dialogar.

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