Altruísmo por interesse
Bens privados e bens públicos
Lendo algumas entrevistas de actores políticos - no activo ou já na reforma – constata-se que há uma espécie de tendência para a elevação do interesse próprio à categoria de norma universal que urge seguir. Daqui nasce o altruísmo por interesse, o que é uma contradição nos seus termos, mas é esse pequeno desafio que nos obriga a conceber e a pensar na política como uma zona de cooperação indispensável e, ao mesmo tempo, uma zona cinzenta, perigosa, oculta como, de resto, sempre foi.
A esta luz há quem defenda que PM e PPCoelho têm forçosamente de dialogar para convergir em matéria de negociação e aprovação do OE para 2011, sob pena de à crise se suceder uma terrível recessão financeira, social e económica que, de certo modo, já está em marcha, e o peso da dívida pública reflecte esse cancro social entre nós.
Esta nova apologia da política e do entendimento a todo o custo, que é muito praticada por alguns dos senadores da república, excelentemente instalados mediante brutais reformas pagas com os nossos impostos e com o agreement do nosso quase defunto Estado social – que serve para Sócrates entalar PPCoelho na discussão duma revisão constitucional cuja oportunidade ninguém compreende, significa, hoje, que já não é possível separar a esfera dos estritos interesses pessoais da esfera do bem comum onde residem os bens públicos – cujos ingredientes andam dispersos por um OE que ninguém sabe bem como discutir ou consensualizar.
Esta mudança vem provar que, doravante, nas instituições se tornou problemático separar interesses pessoais de interesses públicos, já que tudo tem relação com tudo no imenso sistema de vasos comunicantes do poder, e, em cada interesse privado existe um reflexo público nessa correlação de forças. Os momentos pré-eleitorais, como os que vivemos, são momentos propícios a essa promiscuidade, ainda que ela seja servida sob os mais elevados interesses públicos da nação.
Com isto procuro concluir que seja por via do mercado, seja por via dessa nobre esfera que é – ou devia ser – a política – são hoje inúmeras as constelações em que a atenção aos bens privados se mitiga com os bens públicos, baralhando ainda mais a boa definição do que deveria ser o bem comum que falava – matricialmente – Aristóteles.
Se assim é, ou seja, se hoje é mais difícil descobrir a árvore sã na imensa floresta da política em Portugal, nem o mercado nem o processo democrático estão mais em condições de definir, a cada momento e em cada conjuntura, aquilo que será melhor para o bem comum, servindo melhor os interesses dos portugueses e de Portugal.
Esta tirania das opiniões influentes, especialmente provenientes de actores que foram ou são os tais senadores da república, podem, eventualmente, desmembrar a vontade geral e mitigá-la com a vontade privada de alguns, ainda que servida sob o cunho de elevados valores e de grandes desígnios para o país.
Esta relação emergente na política é deveras problemática, porque, entre várias coisas, significa também que hoje muito mais pessoas (ainda influentes) passaram a usar máscaras para continuar a influir no jogo político, e isso pode nada ter a ver com um projecto de desenvolvimento sustentável para Portugal, mas, tão só, ser um resíduo intelectual ou um sistema intelectual de justificação que mais não é do que espelhar o acerto de contas com o passado em mais uma vendetta nesta nossa mui pobre república.
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