sexta-feira

As regiões, de novo! - por António Vitorino -

O sublinhado é nosso.
A Comissão Coordenadora Regional do Norte e o Conselho Regional do Norte organizaram esta semana, no Porto, uma conferência sobre o contributo da regionalização do continente para o desenvolvimento económico do País. dn
A iniciativa visa claramente repor a regionalização administrativa na agenda política. O seu principal mérito é o de chamar a atenção para que a regionalização do continente constitua o único capítulo da Constituição portuguesa, que, ao fim de trinta e quatro anos, permanece integralmente por concretizar.
Naturalmente que não é por a Constituição o prever que, por si só, o processo de regionalização vai avançar. Mas, de alguma forma, o facto de este capítulo da nossa Lei Fundamental permanecer como o único em que existe uma efectiva omissão integral de aplicação merece uma clarificação por parte dos agentes políticos. Na realidade, ao estarmos a aproximar-nos de um período de revisão constitucional, conviria que os partidos políticos clarificassem as suas intenções: ou bem que existe uma vontade de desencadear um debate que permita um consenso amplo sobre a criação das regiões administrativas no continente, ou bem que, não havendo, seria imprescindível que se percebesse, ao menos, qual o significado de manter na Constituição um objectivo que não beneficia de uma intenção concretizadora suficientemente consistente.
Sou dos que pensam que o objectivo constitucional se justifica em nome do combate às ineficiências do centralismo e na potenciação das sinergias que decorrem de uma criteriosa aplicação do princípio da subsidiariedade na racionalização da organização da Administração do Estado. Mas tenho também consciência de que o processo nasceu de algum modo inquinado, o que resulta claro do debate e do próprio resultado do referendo levado a cabo em 1998!
Já se percebeu que este tema pode ser tratado de forma racional, equacionando os prós e os contras das várias soluções possíveis, ou então ele será de novo prisioneiro de medos e fantasmas agitados em nome da pequenez do País, dos riscos de fracturas localistas ou das ameaças à coesão nacional.
A regionalização não é propriedade de ninguém nem constitui uma arma de arremesso contra quem quer que seja. Os valores que lhe subjazem assentam numa análise criteriosa das vantagens de organizar a desconcentração dos serviços do Estado em função das cinco regiões que servem hoje de base ao planeamento económico. As regiões justificam-se, assim, em nome do valor acrescentado da escala (supramunicipal) e da proximidade em relação aos destinatários das decisões.
A criação de um nível administrativo intermédio entre o nível municipal e o nível estadual pode e deve ser um instrumento de racionalização da desconcentração dos serviços centrais e de ordenamento da descentralização, entendida esta como transferência de poderes para instâncias decisórias mais próximas dos cidadãos. Neste particular, o desafio consiste em clarificar as formas de articulação das regiões a criar com o associativismo intermunicipal já existente e com a realidade das grandes áreas metropolitanas que existem no território de várias das potenciais futuras regiões.
Por isso, o quadro de atribuições e de competências das regiões administrativas que foi definido por lei em 1991 deve ser submetido a uma rigorosa reavaliação, de modo a torná-lo conforme com a evolução entretanto verificada. Esse será, decerto, o primeiro passo necessário para desencadear o debate sobre a regionalização.
Em paralelo, removido que está o obstáculo que constituiu, em 1998, um mapa das regiões que suscitou mais reservas que adesão, trabalhando na base do processo de desconcentração administrativa levado a cabo nos últimos anos em torno do modelo das cinco regiões, importa fazer a pedagogia das vantagens da regionalização sem precipitações e de forma sustentada.
Só assim será possível demonstrar que, para além dos constrangimentos imediatos da crise económica e financeira, existe um rumo de reforma estrutural da organização do Estado que não se confina apenas aos ditames do corte da despesa pública!
Obs: Já que o Estado não se moderniza verdadeiramente de cima para baixo, a regionalização prometida na CRP poderia coadjuvar nesse desígnio nacional. O problema é que Portugal ainda é um país de caciques, de pequenos senhores feudais que gerem a sua circunscrição como quem gere o seu quintal, por vezes de forma pouco racional e em vista ao bem comum. Daí o risco das emoções se sobreporem ao desafio das racionalizações que o Estado e o conjunto da administração directa e indirecta efectivamente carece. De facto, a regionalização já foi chumbada de forma clara em referendo e que aquilo que há muito se fala são ideias para reduzir o peso sufocante do Estado na sociedade e na economia, algo que, pelo menos no plano teórico-prático, a criação de mais estruturas de poder entre a escala municipal e a instância estadual difícilmente conseguirá obviar. Salvo se se provar que a criação dessa nova maquinaria institucional cumpra dois objectivos interligados: 1) tenha legitimidade para actuar; 2) e modernize efectivamente o Estado e potencie a sua eficácia na relação com os cidadãos e as empresas sem custos acrescidos para os contribuintes e, já agora, Portugal no seu tecido conjuntivo seja revalorizado eliminando-se, nesse processo, as gritantes assimetrias regionais que hoje lamentavelmente ainda subsistem, designadamente entre litoral e interior num país que, apesar de tudo, é muito pequeno na geografia, mas grande na história.

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