terça-feira

Soares pede debate no PS e apela a união ibérica contra a "ortodoxia" neoliberal

O tema - "O socialismo democrático e a crise económica e social" - motivou diversas abordagens e foi consensual a tese de que a crise só poderá encontrar soluções num contexto europeu. Mas os oradores convidados para o primeiro dia das jornadas parlamentares do PS, na Assembleia da República, não limitaram os seus discursos às origens históricas da crise e às fórmulas para a debelar. Mário Soares e Ferro Rodrigues, dois antigos líderes do PS, e João Proença, secretário-geral da UGT, não fugiram à temática proposta. Mas articularam-na com a vida interna do partido, a conjuntura política e os métodos comunicativos do Governo.
Público Soares foi, de longe, quem mais se manifestou preocupado com as consequências sociais da crise económica e financeira, nomeadamente o aumento do desemprego e da pobreza. Citando abundantemente o economista Paul Krugman, o fundador do PS atentou que as medidas impostas por Bruxelas podem vir a representar um aumento inédito do desemprego na Europa. "O próprio modelo social europeu voltou a ser posto em causa, com o pretexto de sempre: ser financeiramente insustentável. Isto é, o que conta para os economicistas não são as pessoas, que julgam dever sujeitar-se à selecção natural - ou seja, os mais pobres morrem, é o chamado darwinismo social - porque o que verdadeiramente lhes interessa são os lucros e o dinheiro", disse.
Foi neste momento que Soares, defensor do federalismo europeu, exortou o Governo a secundar as decisões de Espanha e a ter "coragem" para "bater o pé aos líderes europeus" que perfilham uma "ortodoxia financeira obsoleta". Portugal e Espanha deviam "defender e fazer avançar o projecto europeu, não só no sentido de ultrapassar a crise", mas também "como um agente de primeiro plano na cena internacional".
Apesar de Ferro frisar, como Soares, que os "grandes responsáveis" pelo "monstro" da crise são a ausência de regulação e a especulação, o embaixador na OCDE admitiu que Portugal não tem outra escolha se não "seguir as orientações europeias dominantes: consolidação orçamental credível e rápida, primado das exportações face à procura e paragem do endividamento externo".
Mas o ex-líder socialista notou que os planos de austeridade não devem escamotear a equidade social. E alertou: "As medidas que têm sido tomadas eram inevitáveis e com o número de desempregados que temos era imprescindível multiplicar os cuidados com a equidade social." Querendo dissipar quaisquer ilusões, afirmou: "A verdade é para se dizer: nos próximos anos o crescimento dos salários e a queda do desemprego não estarão no primeiro plano das políticas económicas."
Mensagem "não passa"
Esta crítica velada ao discurso do Governo foi partilhada por João Proença, que foi ainda mais explícito. Sobretudo nas críticas à forma como o Governo comunica com o país. Sobre a reacção do Executivo perante a evolução do desemprego, Proença afirmou: "Embora considere correcta a actuação do Governo, acho que há uma mensagem que não passa. Passa mais a mensagem pessimista de dizer às pessoas que hoje estamos mal do que uma mensagem cor-de-rosa de que hoje está tudo bem. (...) É evidente que o desemprego vai continuar a aumentar. O que devemos dizer é que, para este Governo, o desemprego é a questão central."
Mas não foi apenas Proença a deixar avisos ao Governo. Também Ferro Rodrigues apontou que apenas a "informação completa" sobre a crise poderá "combater o populismo e a demagogia". E Mário Soares optou por atentar no PS. Sublinhando que a oposição não representa uma alternativa exortou os deputados a "insuflarem alma, princípios éticos, ideologia e confiança" no partido onde, admitiu, falta debate interno. Obs: Medite-se nas melhores teorias para regular a melhor prática e sair da crise.

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